BOOK'S CAT

*** MAGIC LIBRARY - THE BOOKS OF MY LIFE - THE LIFE OF MY BOOKS *** BIBLIOTECA DO GATO - OS LIVROS DA MINHA VIDA - A VIDA DOS MEUS LIVROS

Saturday, November 05, 2005

PASOLINI - II

pasolini-2-leituras – diário de um leitor distraído - pasolini e as barricadas – inédito ac de 1969

PASOLINI - II

7/Novembro/1969 - Esta atitude de Pasolini, talvez precipitada ou inconsiderada, para lá de tudo o que tenha de discutível ( e tem), para lá de todos os problemas que levanta de maneira tempestuosa, efervescente (temperatura pouco aconselhável para se discutirem problemas de brecha, de base) , constituiu um belo pretexto para os detractores do escritor de Vida Violenta e do cineasta de Il Vangelo, para os que o consideram um perigoso romântico e um herege sistemático da linha dura do marxismo, da ortodoxia. marxista.
Mas, também, para os que não estão apenas contra Pasolini e as suas posições estéticas ou políticas mas contra aquilo de que Pasolini é exemplo e paradigma: o intelectual que, de origem pobre, nunca deixa de ser uma coisa e outra (intelectual e pobre ) e, em vez de ir para as barricadas ou acomodar-se ao statu quo burguês, se limitou a travar a luta (apenas humanista, não política) da palavra escrita.
O ódio que a atitude de Pasolini suscitou é talvez o ódio hoje tão comum contra o intelectual que não trocou o livro pelas barricadas e que, "burguêsmente", continua a convidar para mesas redondas, para a controvérsia, para a discussão dos problemas aqueles que preferem "discutir" os problemas com armas mais concretas e na rua.
Para lá do partis-pris contra Pasolini, o problema que persiste é saber se, de facto, não resta chance, hoje e nos tempos que se avizinham, de que uma posição humanista coexista com outras, de acção directa. Será que só nos fica o terror? Ou antes: será que, reconhecida a legitimidade inadiável e necessária da violência, devem perecer, pelo suicídio ou pela fogueira, todos quantos, pela palavra e só pela palavra, desejam travar a luta necessária?
Sem dúvida, os jovens das barricadas têm razão. Mas é necessário ter coragem para afirmar e sustentar que não são traidores e são legítimos os métodos menos directos mas mais profundos, menos "engagé" mas mais persistentes, menos imediatos mas mais a longo prazo, que continuam a ser defendidos por intelectuais como Pasolini. Ou Edgar Morin.

ACUSAÇÃO:
O lumpen-proletariat não tem função revolucionária e o elogio, a exaltação que dele faz Pasolini, ou outros como ele ( Gorki, Beckett, Leduc, Sarrazin, Korzinski, Richard Wright) não merece qualquer consideração

DEFESA:
A esta acusação, assim brutalmente formulada, com ar de evidência indiscutível, é difícil responder.
De facto, o lumpen pode não ter qualquer função política positiva. Mas desprezá-lo só por isso é pressupor que nenhuma categoria existe além da política e que tudo terá de se reduzir à política.
A crónica dos vádios de Pasolini, Sarrazin, Genet, Baldwin ou Beckett é a crónica dos desprezados, dos humilhados e ofendidos que, de tal modo alienados desde a origem, de tal modo inconscientes da sua própria condição, nem sequer isso têm como arma de defesa. São os seres menos defendidos do mundo.
E quem diz o lumpen, no sentido estrito, diz todo o oprimido, todo o doente ou anormal, a criança, o velho, a mulher(escrava doméstica), todo o que sofre uma situação de inferioridade, minoria ou perseguição, até ao momento em que se mentaliza e organiza para a luta. Enquanto não luta, no entanto, a sua condição humana (sub-humana, embora) não pode ser desprezada ou menosprezada. E desprezá-la em nome de um imediato político, de um imediatismo político, é entrar numa política sem humanismo à qual é preciso opormos todas as nossas forças, e uma resistência pertinaz. Até ao suicídio, se for preciso. E com todos os sacrifícios, pois claro.
Ora ao artista, enquanto tal, e sem desdizer ou contradizer a sua actuação política, compete cuidar com amor da condição humana, esteja ela onde estiver, mas principalmente se for a condição dos humilhados e ofendidos. Negar isto é participar de uma concepção e actuação terrorista que não deixa esperança alguma aos homens. No entanto, há quem o negue, e ao ouvir quem o nega poderá desesperar-se. Felizmente, há também quem prossiga a ingratíssima faina de manter a imagem do homem, em meio da refrega política .
Ainda e sempre, Edgar Morin é o intelectual que hoje se encontra na vanguarda desse movimento. Com todos os riscos que tal posição implica, ele defende, contra o terror, o humanismo sem o qual toda a acção política é pura e simplesmente crime. Quando não de intervenção, crime de omissão.

ACUSAÇÃO:
A polícia pode considerar-se um proletariado, mas completamente alienado, sem consciência nem função revolucionária. Um polícia, quando faz a escolha, é culpado. Nada de os considerar inocentes, como parece ter considerado Pasolini quando publicou esse infeliz poema.

DEFESA:
De novo se retoma o grave problema - se vamos desprezar um proletariado porque é alienado, então que fazer?
Alienação não é culpa, mas condição contra a qual, por vezes, não é possível lutar.
Quantas alienações não se verificam ao nível do burguês médio, misto de intelectual bem-pensante, essas sim, bem dignas de desprezo porque o intelectual está consciente delas e a elas se acomoda mais ou menos cinicamente.
Quantos heróis da esquerda não vemos nós deliciosamente acomodados: com automóvel, mulher, filhos, casa e tudo o que de alienação isso implica? Esses que possivelmente vão achar muito má a atitude de Pasolini e que até estariam prontos a julgar, e a queimar na fogueira, os nefandos polícias que carregam sobre os filhos-família?
Talvez que a confusão reine neste capítulo e a dicotomia proposta por Pasolini esteja viciada desde a base. Mas, equívoco ou não, e tudo o que venha como contra-equívoco, há casos de incoerência entre pessoas que só o poder assumido ainda pela classe a que essas pessoas pertencem permite continuar sem denúncia.
A verdade é esta: sob o critério humanista (a que se chamará romântico, quimérico, idealista - e essas serão as acusações que o franco-atirador terá de suportar) eu estou mais perto de um oprimido, de um humilhado e ofendido, de um vadio, de um "hors-texte" (não se meta, por favor, na categoria do lumpen o "clochard" ou o “chulo" da nossa fauna portuguesa e marialvista) do que de alguns endiabrados meninos burgueses que tão revolucionários se querem e se pretendem.
O que eles querem e pretendem, afinal, é apenas vingar-se muitas vezes do anonimato e da incompetência, da sua mediocridade humana( e a política é boa capa, bom refúgio de medíocres:) ou apagar a má consciência que os rói, por causa do berço de oiro de origem.
"La politique mène a tout" - mesmo ao seu contrário. Em tais casos, deveremos estar atentos e resistir. Porque então é dialéctico resistir. E é preciso dar aos verdadeiros revolucionários e que pela revolução se sacrificam o que a eles e só a eles pertence.***

0 Comments:

<< Home