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Monday, February 27, 2006

UNAMUNO 64

dor-ls-ie> quarta-feira, 6 de Novembro de 2002 –> sinopse muito feliz de uma ideia-chave da ideia ecológica – urgente em pdf e on line, até porque publicado – uma passagem de raspão pelo «existencialismo», o qual, que eu saiba, nunca foi reivindicado pelos ideólogos da ecologia...

A EXCEPÇÃO E A REGRA (*)

(*) (In «Jornal de Notícias», 27-2-1964)

1-Destinando-se a «máquina de fazer felicidade» que deve idealmente ser toda a máquina política, a eliminar o sofrimento, há no entanto lugar para que se pergunte: porque o faz? Com que direito o faz?
Se a dor, física e moral, é para alguns um refúgio, para outros uma explicação e uma finalidade da existência, para outros ainda um manancial criador, com que direito o político quer eliminá-la?
Dir-se-á que a pergunta é de loucos e que a maioria não quer sofrer. A maioria quer ser feliz e é para a maioria que a política trabalha, para a regra e não para a excepção, para a simetria e não para o esgar, para a estabilidade e não para a vertigem.
Dir-se-á que este «sentido trágico da «vida» é apenas, quando é, próprio de minorias e minorias de anormais, opondo-se drasticamente ao «sentido político da existência», próprio de maiorias e de maiorias de normais, ou que, exactamente por serem maiorias, monopolizam a seu favor o conceito de normalidade.
Verificá-lo, porém, é subentender a legitimidade da minoria, do homem assimétrico, do que reclama a liberdade de ser minoria e o direito, entro outros, à infelicidade e ao sofrimento.
Nada obsta a que se fabrique, e quanto antes, sem sofismas, sem atrasos, sem mentiras, sem o principio retrógrado do «distrair e adiar», a «felicidade objectiva» das maiorias, de que as minorias afinal também beneficiariam ... Se a política existe, que trabalhe a política para o que serve: pão para todos, justiça para todos, amor para todos.
Mas que, em nome disso, ou em nome do que disso se promete (eternamente promete, ai de nós!) não se cale a voz da minoria, a minoria assimétrica, a minoria do esgar e da vertigem, a minoria do «sentido trágico da existência».

2 - Georges Bernanos chamou à dor a maravilha do universo: «Le malheur des hommes est la merveille de l'univers.»; Dostoievski afirmava que «Sofrer é a grande missão»; Teixeira de Pascoaes deixou estes dois versos admiráveis: «A vida é dor. Sofrer é conhecer/Só os olhos que choram sabem ver.».
Proclamar o direito do homem à infelicidade e ao sofrimento, pode ser uma loucura, mas é também propor um real e grave problema à política e aos políticos, empenhados que estes estejam em obter soluções abstractas e objectivas para a felicidade abstracta e objectiva de um homem necessariamente abstracto e objectivo.

3-Nas sociedades padronizadas segundo um ideal hedonístico de felicidade -seja esse ideal mais socialista ou mais liberal, mais democrático ou mais burocrático - não tem escapado a alguns observadores a inexistência de algo - um enigmático quid - que existe em sociedades menos prósperas e felizes.
Claro que ninguém quererá, apressada e exageradamente, concluir que, nesses paraísos da higiene e do civismo, da felicidade e do desafogo económico que são, por exemplo, os países nórdicos da Europa, o que falta seja precisamente a infelicidade, a porcaria, o desgrenhamento cívico-parlamentar dos países latinos.
Mas talvez se pudesse verificar que a sociedade ideal ou quase ideal deixa margem para que alguns homens não consigam encontrar nela a pátria ideal; só na aparência os filósofos do desespero, os autores trágicos, os místicos e os suicidas pertenceriam de direito às sociedades desesperados, política e socialmente desesperadas, e ainda que o sofrimento parece desvelar uma ponta do véu que vela a esfinge, o sofrimento ensina, o sofrimento parece ser via de gnose e libertação.
Os nomes portugueses de Fialho, Antero, Camilo, Pascoaes, Fernando Pessoa, Manuel Laranjeira, Raul Brandão, confirmam uma tradição trágica do espírito português.
«Agora interessa-me o fenómeno da frequência com que se dão suicídios em Portugal, terra trágica» - escreve Miguel de Unamuno numa carta a Teixeira de Pascoaes e noutra faz notar o verso de António Nobre, «aquel terribel verso de Nobre: Amigos / que desgraça nascer em Portugal!».
Repare-se, porém, que uma coisa é, para Nobre e para outros nobres, a desgraça de nascer em Portugal e outra coisa, independente daquela, a «vocação» de alguns (ou muitos) portugueses para o sofrimento entendido como forma de experiência existencial e de gnose.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no suplemento literário do «Jornal de Notícias» (Porto), em 27 de Fevereiro de 1964
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