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Friday, March 03, 2006

G. VIDAL 91

91-03-03-ls> leituras selectas do ac - gore-vidal>

[3-3-1991]

AUTORES EM ANTOLOGIA

[INÉDITOS AC ? - Aprontar quando ler mais alguns dos títulos de Gore Vidal - este texto serve apenas de grelha ou base para um artigo definitivo sobre Gore Vidal - vidal 3775 caracteres - 3/3/1991]

Gozar com todos os preconceitos e puritanismos estabelecidos, quer à esquerda quer à direita, poderá ter sido, se é que foi, a intenção primeira e última de Gore Vidal, quando desatou a escrever, em ---, este romance, que ele um dia terá considerado o melhor da sua carreira, talvez ainda no mesmo propósito de humor corrosivo e subversivo em que está escrito «Myra Breckundrige», também traduzido para português e editado na Vega.
O norte-americano Gore Vidal entrou, aliás, na edição portuguesa com armas e bagagens, e parece não esmorecer tão cedo a devoção que por aqui lhe é votada como autor seguramente comercial.
Não só porque, latente, está sempre o misoginismo que em «Myra» é elevado ao cubo, não só porque ele nunca leva a sério o que os sistemas morais decidem tratar com a maior das solenidades, mas porque, essa descontração e bom humor, acaba por ser contagiosa e cativar o leitor.
Aliás, quem, de outra maneira, teria coragem de levar de vencida os seus romances «oceânicos», se não fosse essa piscadela de olho estrutural que estabelece para sempre uma eterna cumplicidade entre escritor e público?
O romance «Juliano», por exemplo, tem 434 páginas na edição Dom Quixote, que já lançou também, do mesmo escritor, o romance «Criação», (604 páginas) e «Washington DC» (---páginas).
A questão, neste panorama estatístico, é que não se trata de mais um autor «tanto faz», quer dizer, que não aquenta nem arrefenta, ler ou deixar de ler.
A carga subversiva da sua obra, o relevo cultural que assumem as suas incursões na história do mundo clássico, romano e pré-romano, fazem de Gore Vidal um terrível eliminador de supérfluos e um dos que ajudam a acertar na muge do essencial.
Há, pois, como objectivo didáctico, que lê-lo, nem que seja à revelia das autoridades policiais e da Associação de Espectadores da Televisão, com sede no Porto.
Eu faria mesmo de Gore Vidal um autor obrigatório para a PGA, devendo ser obrigatoriamente submetidos todos os ministros e pares do Reino.
Para quem não possa, desde já, mergulhar nos dois volumes de maior fôlego acessíveis em língua portuguesa, é que este «Myra Breckinridge» pode servir de estimulante aperitivo. O prefácio do tradutor, António Fernando Cascais, quase nos esmaga de erudição.
Mas quem sobreviver à prova, terá diante de si a mais divertida desmontagem das tripas do sistema a que qualquer escritor já se devotou.
Almodóvar, a esta luz, é apenas um menino de coro envergonhado. Fazendo que o sistema estabelecido se enforque nas próprias tripas (contradições), Gore Vidal inventa o personagem mais provocante que se poderia inventar desde que a trepidante tecnologia da prótese inventou os seios de sílicone.
Mesmo para quem tenha como nós um preconceito de raiz contra o romanesco - a arte de queimar o tempo que nos roubam - , render-se-á ao «romanesco» de Vidal, e isto pela razão simples de que ele é um pensador, um profeta, um subversor de costumes que se disfarça sob a forma de «narrativas de ficção».
Mais do que qualquer filósofo encartado, Gore Vdal põe em questão, desde a raiz, a podre civilização que tanto gozo lhe dá (e nos dá) ver feita em trampa, em m...., que é sua natureza estrutural.
Daí que, ainda irónico, ele tenha falado em estruturalismo a propósito deste seu «Myra»: é que também os estruturalistas podiam muito bem mudar de sexo, graças às novas tecnologias, ficando segundo todos os conformes e ter muito êxito em Hollywood, como o/a Myra teve, não só enquanto foi mulher mas também e principalmente quando passou a ser homem.
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