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Wednesday, November 01, 2006

J. RUFFIÉ 1998

ruffie-1> leituras de síntese holística


DA SAUDÁVEL HERESIA AO CONFORMISMO - A RELIGIÃO DA CIÊNCIA NO «DARWINISMO SOCIAL» DE JACQUES RUFFIÉ

AUTORES CITADOS:

Claude Lévy- Strauss
Darwin
E. Wilson
Francis Galton
Gobineau
Herbert Marcuse
Hitler
John Michell
Malthus
Marx
Mussolini
Wagner

1/11/1998 - Jacques Ruffié, em «Sociobiologia ou Bio-Sociologia» analisa as raízes recentes da grande burla que é a sociedade industrial, a que por vezes se chama civilização e mesmo progresso, com todos os mitos de pacotilha que a ornam.
Contando a crónica que levou a engrenagem contemporânea a adoptar como leis científicas as teorias de cérebros tão ordinários como Darwin, Malthus ou Francis Galton (a santíssima trindade que deu estatuto ideológico ao racismo inato na espécie humana), Ruffié deixa claro como o fanatismo se tem apresentado , no século XX, em nome da ciência e do dogma científico.
As leis biológicas do animal aplicadas à sociedade humana apenas conseguiram que esta se colocasse...abaixo de cão, sem ofensa para o cão que não tem culpa e fechando todas as saídas para a humanização: Ruffié aponta o ecologismo pacifista (?) , por um lado, e o terrorismo das brigadas vermelhas (páginas 76 e seguintes) , por outro, como os únicos sinais de que o inconformismo ainda não morreu de todo no seio do «homem unidimensional» (Herbert Marcuse).
Mas não há bela sem senão: o ensaio de Jacques Ruffié, publicado pela editora Fragmentos, ilustra curiosamente um caso de pensamento híbrido entre a heresia mais radical - até à página 81 - e o mais deslavado conformismo, o qual começa exactamente com o capítulo sobre «A Sociedade Populacional», impregnado de neo-maltusianismo primário.
A partir daí, Ruffié entra no desnorte completo, sucedendo-se os elogios positivistas ao progresso em geral e à medicina em especial, aliás em perfeita e completa contradição com as teses anteriormente apresentadas.
Vá lá perceber-se esta gente , que mesmo quando avança um bocadinho na heresia (e portanto na luz, e portanto na lucidez) logo encontra maneira de deitar tudo a perder, chafurdando outra vez na apagada e vil tristeza do conformismo com o status quo.
Antes da página 86, Ruffié denuncia Malthus como um dos autores da barbárie moderna, não poupando a uma crítica demolidora a sua teoria, tal como não poupara a de Darwin e seus seguidores, como Francis Galton ou E. Wilson.
Da página 83 até final, é uma enfiada de lugares-comuns maltusianos e positivistas, em acordo completo (dir-se-ia hipnótico) com a lógica perversa anteriormente denunciada. Intitula-se, aliás, «A perversão do sistema» o capítulo onde Ruffié leva mais longe a análise do vómito moderno chamado civilização.
Claude Lévy Strauss tinha razão quando considerava «impensável» este tempo e mundo, quando reconhecia que já não havia para o pensador profissional margem de manobra que lhe permitisse a mínima independência face à manipulação autofágica do sistema.
A engrenagem chegou, de facto, ao ponto óptimo do «homem unidimensional» (Herbert Marcuse), quando já ninguém consegue vê-la e pensá-la de fora e tudo quanto se diga, escreve ou pense deriva apenas do poder manipulatório que ela detém sobre as consciências e as inteligências, mesmo as mais poderosas como a de Jacques Ruffié.
Não é um desastre mas é uma pena. A luzinha ao fundo do túnel que este médico e biólogo, professor no Colégio de França, abre até à página 81, apaga-se depois completamente, como se vento maldito soprasse, deixando-nos outra vez às escuras.
Paciência. Esqueçamos os outros e falemos apenas dos capítulos 23 e 24, deste quarto volume do «Tratado do Ser Vivo», empreendimento editorial da Fragmentos que merece rasgados elogios.

DARWINISMO SOCIAL

A tese mais interessante de Ruffié gira à volta do que ele designa por «darwinismo social». Fenómenos como as guerras de extermínio, não seriam, à luz dessa tese, um produto automático da maldade humana mas fruto do darwinismo como ideologia.
O eugenismo ou selecção da espécie -técnica aperfeiçoada pela Alemanha nazi do Terceiro Reich - seria, segundo Ruffié, consequência também do darwinismo social. Francis Galton, por ele citado, defenderá «a melhoria da espécie humana através de uma selecção judiciosamente provocada, tal como os criadores de gado fazem, desde tempos imemoriais, com as raças domésticas.» Galton limitava-se a desenvolver premissas que já se continham em Darwin.
Aliás, com as teorias de Darwin e Malthus, a ciência transforma-se definitivamente em dogma religioso, dando lugar não só ao citado eugenismo mas a todo o espectáculo de violência cientificamente organizada e justificada, espectáculo que é hoje, graças à ciência e à tecnologia, o gulag planetário.
Como prova Ruffié, os concentracionários nazis e os gulags soviéticos não são erupções da «irracionalismo» na face imaculada do racionalismo reinante mas construções tecnoburocráticas, onde o indivíduo nem sequer como número conta.
Curioso, para avaliar o alcance desta tese, é que ainda temos hoje intelectuais de esquerda, aos saltos, para quem a ciência em geral e Darwin em particular são considerados arautos do progresso e da evolução humanizadora (livra!).

OS GOBINEAU ESTÃO AÍ

Ruffié explica a génese histórica do «biofascismo» a que raros franco-atiradores se têm referido, ignorando que tinham afinal muito mais razão do que julgavam para usar essa expressão, classificada por alguns professores e doutores em ecologia como excessivamente radical.
Não me parece que Ruffié seja um anarco-radical e no entanto ele vai muito mais longe na denúncia do tecno-terror do que alguma vez o foi o mais radical dos pensadores de esquerda.
Percebem-se agora melhor os equívocos do movimento ecologista nos tempos heroicos, identificado pelas elites intelectuais com o ambientalismo maltusiano, a que só raros têm tido coragem de se opor, tão poderoso é ele nos meios internacionais (como a FAO, a ONU demográfica e a OMS) onde se traçam as linhas de política contra a poluição...
Ruffié deixa claro como e porque se tentou amalgamar a água e o fogo, ou seja, o radicalismo ecológico de fundo social e político com o biologismo racista que tem levado a todos os Gobineau da política e da cultura, nomeadamente os que agem em nome (sob a capa) da ciência médica. Mais virulentos do que a sida, os Gobineau estão aí em todos os canais e em todos os tempos de antena. Há sempre um jornalista para lhes ouvir as exéquias.
Espanta como não havia sinais de que ninguém, antes de Ruffié, tivesse a coragem intelectual de dizer que o rei vai nu, havendo guardado todos, à esquerda e à direita, a leste e a oeste, um silêncio cúmplice sobre a verdadeira face do darwinismo e dos darwinistas, essa pequena família de tarados que tomou conta do mundo em menos de um século.
Ruffié não poupa , aliás, nenhum deles, à esquerda e á direita, nem os mais ilustres como Wagner ou Marx. ele conseguiu descobrir na obra destas sumidades, longas ou breves passagens escritas, reveladoras do biologismo racista que presidia à música de um e à economia política do outro.
É um trabalho de sapa temível e fascinante. Ruffié desmonta até ao milímetro as raízes da porcaria contemporânea, à qual se têm posto vários nomes eufemísticos mas sinónimos:

Concorrência capitalista
Crescimento industrial
Desenvolvimento
Gulag
Lógica de mercado
Modernização
Poluição
Publicidade
Sociedade unidimensional
Tecnoburocracia
Universo concentracionário
etc..
Já John Michell, ao proclamar que o macaco descende do homem pós darwiniano, levantara a lebre, lembrando que Darwin foi livro de cabeceira de patriarcas como Marx, Hitler e Mussolini. Ninguém ligou a John Michell, que é autor de novelas fantásticas. Quem irá agora ouvir Ruffié, catedrático do Colégio de França?
«Estaline era darwiniano sem o saber», escreve ele na página 37 da edição portuguesa.
Bela como uma heresia é também esta sua afirmação:«Com um século de recuo, podemos interrogar-nos serenamente sobre o papel do cristianismo, ou melhor, da Igreja, na génese e na implantação do marxismo.» (página 39) .
Outra prática da sociedade actual de merchindising - os testes psicotécnicos - é desmontada por Ruffié que lhe descobre o mecanismo de relação com todo o sistema repressivo em vigor nas democracias da competição e da competência. O trabalho em geral e os mitos do trabalho, encontram-se igualmente radiografados no ensaio de Ruffié.
Só lhe faltou denunciar o mecanismo que preside a essa fraudezinha chamada « quadro de best-sellers» das nossas imprensas, pelo que espero vê-lo, ao livro da Fragmentos, muito em breve no top das vendas...
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(*) Jacques Ruffié - Tratado do Ser Vivo - IV - Sociobiologia ou Bio-Sociologia - Ed. Fragmentos
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