JULES MICHELET 1974
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O DOM DE CURAR E A CAÇA ÀS BRUXAS [ou]A MAGIA DE MICHELET
Paço de Arcos,5/12/1992 - Se curandeiro é o que cura e se curar é libertar, como ensina a mais antiga tradição, os homens e mulheres que crescem com esse «dom» tornam-se, para a hierarquia vigente de «sacerdotes» ou «médicos», um perigo constante. Passam por isso à clandestinidade e a palavra «curandeiro» carrega-se de conotações negativas, porque perigosas para a estabilidade da ordem hierárquica do poder e das instituições estabelecidas. Religião e medicina oficial têm, por isso, combatido todos os que nascem com o dom de curar, levando-os a temer essa sua condição com seu quê de «divino» e a recebê-la no segredo.
A mitologia que sobre as bruxas tem recaído pode ter essa explicação e ninguém melhor do que Jules Michelet o descreveu na sua obra clássica «Sobre as Feiticeiras», que Fernando Ribeiro de Melo teve e coragem de editar em 1974. A «caça às bruxas» ficou, por isso, célebre em várias datas da história, incluindo a mais recente história contemporânea.
Um pouco à margem do tema escolhido para esta reflexão sobre Jules Michelet - moral maniqueísta e antropofagia medieval - não queria deixar de sublinhar um dos motivos que mais contribuem para o fascínio deste autor: ao escrever a crónica da vida quotidiana, como um Suetónio que em vez dos Césares se ocupasse dos plebeus, humilhados e ofendidos, Michelet é um inigualável recriador dos ambientes reais, dos pequenos nadas que tecem a existência, que dão cor, fundo, carácter, perfume a uma época; e é com reconhecida ternura, com inocente prazer que redescobrimos nestas suas páginas o encantamento que povoou de fadas, duendes, gnomos e bruxas os contos anónimos da nossa infância. Anónimos mas de que agora conhecemos a fonte.
Para lá do mais que nele nos magnetiza, Michelet é o reencontro com uma infância perdida, a recriação de uma nostalgia e de um espanto, ouvidos à lareira, em longas noites de rigoroso inverno..
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(*) «Sobre as Feiticeiras», de Jules Michelet, Edições Afrodite de Fernando Ribeiro de Melo, Lisboa, 1974
O DOM DE CURAR E A CAÇA ÀS BRUXAS [ou]A MAGIA DE MICHELET
Paço de Arcos,5/12/1992 - Se curandeiro é o que cura e se curar é libertar, como ensina a mais antiga tradição, os homens e mulheres que crescem com esse «dom» tornam-se, para a hierarquia vigente de «sacerdotes» ou «médicos», um perigo constante. Passam por isso à clandestinidade e a palavra «curandeiro» carrega-se de conotações negativas, porque perigosas para a estabilidade da ordem hierárquica do poder e das instituições estabelecidas. Religião e medicina oficial têm, por isso, combatido todos os que nascem com o dom de curar, levando-os a temer essa sua condição com seu quê de «divino» e a recebê-la no segredo.
A mitologia que sobre as bruxas tem recaído pode ter essa explicação e ninguém melhor do que Jules Michelet o descreveu na sua obra clássica «Sobre as Feiticeiras», que Fernando Ribeiro de Melo teve e coragem de editar em 1974. A «caça às bruxas» ficou, por isso, célebre em várias datas da história, incluindo a mais recente história contemporânea.
Um pouco à margem do tema escolhido para esta reflexão sobre Jules Michelet - moral maniqueísta e antropofagia medieval - não queria deixar de sublinhar um dos motivos que mais contribuem para o fascínio deste autor: ao escrever a crónica da vida quotidiana, como um Suetónio que em vez dos Césares se ocupasse dos plebeus, humilhados e ofendidos, Michelet é um inigualável recriador dos ambientes reais, dos pequenos nadas que tecem a existência, que dão cor, fundo, carácter, perfume a uma época; e é com reconhecida ternura, com inocente prazer que redescobrimos nestas suas páginas o encantamento que povoou de fadas, duendes, gnomos e bruxas os contos anónimos da nossa infância. Anónimos mas de que agora conhecemos a fonte.
Para lá do mais que nele nos magnetiza, Michelet é o reencontro com uma infância perdida, a recriação de uma nostalgia e de um espanto, ouvidos à lareira, em longas noites de rigoroso inverno..
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(*) «Sobre as Feiticeiras», de Jules Michelet, Edições Afrodite de Fernando Ribeiro de Melo, Lisboa, 1974
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