BOOK'S CAT

*** MAGIC LIBRARY - THE BOOKS OF MY LIFE - THE LIFE OF MY BOOKS *** BIBLIOTECA DO GATO - OS LIVROS DA MINHA VIDA - A VIDA DOS MEUS LIVROS

Wednesday, February 08, 2006

LEITURAS 90

bruxas > notas de leitura - [ 4057 caracteres - solta ou secção «margem esquerda»? - ou secção «alfinetadas»? - ou secção «páginas polémicas»?]- diário de um leitor (des)atento

A ARTE DE VIVER SEM CHATIAR O PARCEIRO - A SUBVERSÃO JÁ SE VENDE BEM?

(22/Outubro/1990)

É SÓ BRUXARIAS - Se a descolonização do doente e as «tecnologias apropriadas de saúde» são uma invenção de bruxos ao ar livre, então os portugueses devem ter-se convertido à bruxaria, mesmo dentro de casa, tal a quantidade de livros que se vão publicando para elucidar as massas dos benefícios que têm a colher das várias artes, ciências e actividades - fitoterapia, yoga, vitaminas, oligoelementos, acupunctura, ginástica aeróbica, taichi, shiatsu, homeopatia, grafologia, profilaxia alimentar, macrobiótica, etc. - artes e malazartes que de certeza emanam do demónio e devem estar feitas com o primo mais novo de Belzebú (o chifrudo).
Deve andar, de facto, tudo louco, dada a frequência com que se publicam livros de bruxos e de bruxarias, como é o caso dos que são dedicados à medicina natural...e às terapêuticas «leves», também chamadas «tecnologias apropriadas de saúde».
Acho que a Ordem, sempre vigilante, já devia ter posto um guarda da GNR no encalce de cada leitor, ou mesmo de cada livreiro, e quiçá de cada editor, para evitar abusos contra a autoridade científica que incarna. Nada de abusos e o respeitinho, já todos deviam saber, é uma coisa muito bonita. Toda a gente a praticar o «acto médico» de se curar, toda a gente a fazer profilaxia natural, toda a gente a aprender higiene alimentar e nem só, a coisa começa a ficar feia. Mesmo preta, muito preta.
+
O CONFORTO NO LAR - BIBLIOGRAFIA DO NOSSO (DES)CONTENTAMENTO - O corpo está, não há dúvida, no centro das atenções editoriais. Diria mesmo, no umbigo. O «comportamento» humano preocupa hoje não só revistas femininas de corte moderno e papel couché, mas as grandes casas produtoras de livros. A dialéctica saúde/doença é não só matéria de profundos e exaustivos estudos históricos, como o que Jorge Crespo escreveu intitulado exactamente «História do Corpo», mas também de artigos mais ou menos sensacionalistas e manipulatórios na grande imprensa. Os truques para obter beleza através de regimes alimentares racionais preocupa não só o profissional de relações públicas - que vive da sua apresentação física - como os políticos que têm de aparecer dia sim/dia não na televisão e são obrigados, por isso, a manter um visual sem defeitos. Um «look» «very good».
+
ALIENAÇÃO CONTEMPORÂNEA - As raízes e origem da alienação contemporânea - o Estado que parasita o indivíduo - começam a aparecer nítidas em ensaios das mais variadas procedências dedicados à fadiga, ao esgotamento, ao stress, ao trabalho, aos «tempos livres», que são os vários, variados e desvairados eufemismos que o sistema usa para culpar as pessoas das doenças que ele, sistema, produz em cornucópia de abundâncias.
É assim que, no curto espaço de alguns meses, os portugueses têm à disposição uma bibliografia não muito extensiva mas inegavelmente intensiva sobre o que de fundamental interessa às «energias humanas» para se imporem como protagonistas no cenário da crise de combustíveis que se desenha, fatal como o destino, de oito em oito anos, nas sociedades toxicodependentes do petróleo.
Tudo é possível, a partir do momento em que à doença se chama saúde e em que se identifica como «acto médico» o simples acto de viver, respirar, comer, dormir, brincar, trabalhar, etc. As pessoas tomam em mão o seu próprio destino e esta «civilização» desaba como um castelo de cartas. Por isso, alguém disse, com prudência de Eurocrata espertalhão, que «tecnologia apropriada» era a expressão mais subversiva que hoje se podia pronunciar no âmbito do Mercado Único.
Uma vez a loucura institucionalizada como saúde mental, tudo pode acontecer. E os leitores portugueses, tementes a Deus e à Pátria, parece não terem receado as botas pesadas da «clique», arrostando com a enorme responsabilidade de pôr (um bocado de) cobro à esquizofrenia galopante de uma clique minoritária, armada em esperta.
+
GRANDES EDITORAS TAMBÉM ENTRAM NA SUBVERSÃO - Que pequenas editoras, com pouco ou nada a perder, joguem na subversão institucional, publicando livros da área interdita e «underground», faz parte de uma estratégia apesar de tudo ainda sobrevivente dos anos 60, na qual o sistema julgou ver uma boa fonte de receita. Surrealismo, vanguarda, arte «pop», literatura de contestação vendiam-se e vendem-se bem. Mas as grandes editoras não têm, não tinham necessidade de recorrer a esses truques para sobreviver. Há best sellers que cheguem para alimentar a chama. No entanto, sentem-se também chamadas à missão de mostrar ao povo algumas «tecnologias apropriadas de saúde» que, tarde ou cedo, hão-de concorrer para o libertar de «lobbies», monopólios, dependências, opressões, ditaduras, etc.
Panorama agridoce dos mais agradáveis é, portanto, este em que respeitáveis instituições editam obras que podem muito bem estar a minar, desde a base de sustentação, os sistemas que vivem de ir matando os ecossistemas. Viva então a poluição e abaixo a Ecologia.
***

Labels:

0 Comments:

<< Home