BOOK'S CAT

*** MAGIC LIBRARY - THE BOOKS OF MY LIFE - THE LIFE OF MY BOOKS *** BIBLIOTECA DO GATO - OS LIVROS DA MINHA VIDA - A VIDA DOS MEUS LIVROS

Monday, March 27, 2006

ROSZAK 1971

roszak-1> - o movimento das ideias - releituras mágicas

A CONTRA-CULTURA DE THEODORE ROSZAK E ALLEN GINSBERG (*)

[27-03-1971] - Em «Vers Une Contre-Culture» (1), Theodore Roszak - professor no California State College, de Harvard - esforça-se por analisar as causas e manifestações da «contestação» dos jovens, o que ele chama «dissidência» juvenil.
Na sua opinião, essa dissidência representa, mais do que preocupações políticas precisas, uma revolta confusa contra a tecnocracia que tende a asfixiar a sociedade.
Influências de homens como Marcuse, Allen Ginsberg, Allan Watts e Timothy Leary são lucidamente estudadas, assim como a sedução das drogas alucinogénicas e a experiência psicadélica, a atracção exercida sobre os jovens pelas doutrinas orientais como o budismo zen, a subversão política, etc..
A tecnocracia, o culto aberrante da ciência e da tecnologia, o mito da consciência objectiva, são bastante criticados neste requisitório que é também - e talvez acima de tudo - um elogio do homem, de quem eles ameaçam cada vez mais a liberdade e a alegria.
Entre a tecnocracia, geradora de alienações em cadeia e uma contracultura ainda balbuciante, chegou a hora de escolher e Theodore Roszak diz-nos, com lucidez e coragem, que escolheu.
Respondendo aos que criticam, nos «novos jovens», o carácter parasitário do seu comportamento, Theodore Roszak argumenta desta maneira clara:
«Porque terá a nossa economia da abundância automatizada necessidade do seu concurso, ela que corta, cada vez mais, o elo entre o trabalho e os salários, que sofre de um pauperismo devido não já à escassez mas a uma má distribuição de bens? Deste ponto de vista porque haveriam os jovens «hippies», que se puseram voluntariamente fora de ser mais parasitas do que os párias involuntários dos ghettos da miséria?»
Mas não fica por aqui a cortante argúcia de Theodore Roszak e as suas palavras são sempre desmistificadoras de todas as falsas imagens que a «sociedade do desperdício» tem dado de si mesma e, através dos «mass media» omnipotentes, dos novos jovens.
A propósito do aproveitamento comercial que a ganância mercantilista logo aproveitou fazer da lenda «hippy», cita ele o seguinte letreiro, numa loja de luxo londrina, onde se encontram fatos de «estilo chinês»: «Os pensamentos de Mao, versão «week-end»: elegantes flanelas azul-marinho, revolucionárias, botões de coiro, colarinho Mao. Preço: 25 libras.»
E pergunta Roszak: «Este género de brincadeira será porventura suficiente para negar a realidade de Mao Tsé Tung e a da «revolução cultural» chinesa? A vulgarização comercial é um dos fluxos endémicos da vida ocidental do século XX, como as moscas que, no Verão, se precipitam sobre os doces. »
Roszak conclui com esperança: «Não obstante as impostures e as farsas que ela engendra, uma nova cultura tende a nascer na nossa juventude e, se ela merece um esforço de atenção, não será apenas pela razão da imponência demográfica dos que a constituem.»
Apesar de tudo, foi largo o caminho que levou à explosão da contracultura. Primeiro, foram profetas e pequenas minorias a defender uma fé ainda frágil, periclitante, frente ao poder do sistema.
«O que um punhado de «beatnicks» - lembra Theodore Roszak - desbravou no tempo da juventude, de Allen Ginsberg tornou-se um estilo de vida para milhões de jovens estudantes.»
«Allen Ginsberg, que desempenhou e desempenha um papel capital no movimento dissidente da Nova Utopia, cantou a procura de Deus em muitos dos seus primeiros poemas, muito antes que ele próprio e seus pares tivessem descoberto o budismo zen e as tradições místicas do Extremo Oriente. Na sua poesia de fins dos anos 40, constata-se uma tendência para a experiência visionária que mostra já como a experiência da nova geração se não acomodaria nunca aos modelos da Velha Esquerda.
«Desde a origem, Ginsberg é um poeta da contestação, mas o seu protesto religa-se menos a Marx do que ao radicalismo extático (de êxtase) de William Blake, e a Hieronimus Boch, um dos grandes profetas da Contra-Cultura. Ginsberg fala mais de Apocalipse do que de revolução. Longe de ser uma excentricidade vanguardista, a concepção que Ginsberg se faz da poesia enquanto efusão oracular pode reclamar-se de uma genealogia que remonta aos profetas de Israel - e, provavelmente, mesmo ao chamanismo.
«Ele deixou, pelo menos, que as forças visionárias que o habitam transformassem toda a sua existência, fazendo dele um exemplo para a sua geração. De princípio, Ginsberg parecia destinado a ser o poeta da angústia em cólera, a elevar-se contra a dor do mundo, que ele e seus amigos tinham descoberto nos «bas-fonds», nos «ghettos» e nos hospitais psiquiátricos deste grande hospital que é a Sociedade. Mas no fundo do grito de sofrimento que se erguia desses lugares malditos, Ginsberg descobriu o que o Moloch tecnocrático queria acima de tudo enterrar vivo: as virtudes curativas da imaginação visionária.»
- - - -
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «O Século Ilustrado» (Lisboa) , na rubrica semanal do autor intitulada «Futuro», em 27/3/1971, e no diário «Notícias da Beira» (Moçambique), na rubrica do autor intitulada «Notícias do Futuro»

(1) «Vers Une Contre-Culture», de Theodore Roszak, Ed. Stock, Paris,1970
***