BOOK'S CAT

*** MAGIC LIBRARY - THE BOOKS OF MY LIFE - THE LIFE OF MY BOOKS *** BIBLIOTECA DO GATO - OS LIVROS DA MINHA VIDA - A VIDA DOS MEUS LIVROS

Monday, August 07, 2006

W. GOLDING 1990

1-1 - 90-08-09-ls> leituras selectas do ac - golding-1>

9-8-1990

LEITURAS DE VERÃO - NA HORA DA ABORDAGEM(**)

Sem questionar grandemente a tese defendida pela editora Difel, na nota de apresentação do romance «Abordagem», na qual se considera o autor, William Golding, «um dos maiores, se não o maior escritor inglês de todos os tempos», há que saber, no mínimo, que méritos o recomendarão ao leitor português, que tem agora uma longa jornada por mar à sua frente, com a trilogia de que a Difel já publicou dois volumes: «Ritos de Passagem» foi o primeiro, logo seguido desta «Abordagem».(*)
A referir, antes de mais, a superior qualidade da tradução, assinada por Daniel Gonçalves, um veterano destas lides que transformou a técnica de traduzir em arte de traduzir. De facto, se William Golding é inegavelmente um bom escritor (em) inglês, a verdade é que com o português vivo e colorido que Daniel Gonçalves nos dá, nomeadamente nos prodigiosos diálogos em que o romance é fértil, quase concordaríamos com a hipérbole da nota de apresentação.
Garantido, por outro lado, neste romance que eterniza uma viagem por mar, em veleiro pouco seguro e confortável, supostamente situado nos princípios do século XIX, é o «ambiente fechado», espécie de «huis clos» tão caro a certos autores modernos, onde paixões, emoções, sentimentos, rancores, ódios e etc,. parecem sempre estar prontos a explodir, tal e qual como numa panela de pressão sem apito...
Nesse aspecto, a figura do padre Colley, que comparece (e desaparece) no primeiro volume da trilogia - « Ritos de Passagem» - simboliza da forma humana e literariamente mais curiosa, toda esta galeria de gente apanhada por William Golding na «ratoeira». Afinal, e como se costuma dizer, a humanidade está toda no mesmo barco. E neste barco de William Golding não custa nada e perceber que está uma boa parte dessa humanidade, para sempre retratada, com impiedade, nas suas baixezas e vilanias, mas também em algumas das suas (raras) qualidades, virtudes e nobrezas.
Se Golding não é o maior escritor de todos os tempos, é pelo menos um escritor de contínua sedução, para nos queimar bom tempo à beira mar. Sem dúvida. Até porque mar é o que não falta nesta trilogia transoceânica. Encha-se de coragem, faça-se às ondas e meta-se à «abordagem». Ganha no mínimo uma fabulosa galeria de retratos humanos que o autor, impiedoso, tão bem lhe sabe descrever.
--------------
(*) «Abordagem» e «Ritos de Passagem», de William Golding, Ed. Difel
(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» - «Leituras de Verão» - em 9 de Agosto de 1990
***