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Saturday, August 05, 2006

HENRY THOREAU 1982

1-3 - thoreau-1-ls-quarta-feira, 1 de Janeiro de 2003-scan

UM CASO DE VIDA OU DE MORTE (*)

[«Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 7-8-1982]

A crise ecológica, pondo em risco de sobrevivência todos os ecossistemas, subverte o critério de prioridades até hoje dominante. Por maiores e mais complicados que fossem os problemas, tudo se podia remeter para um futuro infinito.
A grande mudança que a crise ecológica veio impor à escala das prioridades é que transformou esse futuro infinito num futuro limitado, finito e a muito curto prazo. A hipótese de fim surgiu com uma nitidez e um grau de probabilidade que nunca tivera, por mais que se diga ser cíclico na história o «síndroma do apocalipse».
Face à iminência de uma destruição global do planeta Terra - que só os néscios ainda se atrevem a pôr em dúvida - todas as questões se tornam académicas, soam a oco. Falar em filosofia, em cultura, em estética, em desporto, em economia, em política a um condenado à morte é, no mínimo, de mau gosto.
É esta situação-limite ou situação polar que obriga a inverter todas as prioridades, tornando a questão ecológica a primeira prioridade. O facto de uma boa parte dos políticos, economistas, intelectuais não o terem ainda percebido ou não sentirem coragem para manifestar que já o perceberam, não altera um milímetro à situação de facto, à situação objectiva.
Ainda que por medo, vergonha ou pudor não queiram reconhecer a «síndroma do apocalipse» como um facto - talvez com receio que os rotulem de alarmistas... - nada impede que eles, como nós todos, já tenham a casa a arder e a água pelos joelhos...
A crise ecológica não deixa de existir - dando à humanidade um prazo de poucas horas para tomar juízo e "inverter a marcha" -, a Terra não deixa de se encontrar à beira do abismo só porque as elites intelectuais, narcotizadas de ideologia, ainda não deram por nada.
Aliás, a mesma alegre indiferença se verifica entre os que já conseguiram neutralizar o «alarme ecológico» e fazer dele uma questão meramente académica: ecólogos, ambientalistas e engenheiros da poluição conseguiram, de facto, transformar um caso de vida ou de morte numa ciência mais, em mais uma disciplina, numa outra tarefa da sua rotina de funcionários do sistema.

O «SIMPLES» E O «PEQUENO» JÁ VENCERAM

O apelo de Henry Thoreau, no princípio do século XIX - «Simplifiquem, simplifiquem»!, conjugado com um outro de E.F. Schumacher, já na década de 1970 -«Small is beautiful» - traduz o que constitui e maior heresia criadora do ecologismo em Junho de 1982
Quando o sistema atinge o auge do gigantismo e da complicabilidade , lançar o pequeno e o simples como palavra de ordem é, de facto, o grande desafio para a mudança radical e para a subversão.
Desmantelar o sistema é impossível. Mas é possível, por métodos não violentos, constituir unidades de produção que se orientem pelo simples e pelo pequeno. É possível, lado a lado com os sistemas gigantescos, agir e resolver problemas com «tecnologias intermédias» apropriadas.
O caso das tecnologias alimentares e terapêuticas pode ser dado como exemplar.
De facto, o sistema médico-farmacêutico cerca-nos por todos os lados, ataca em todas as frentes. Com tentáculos poderosos no aparelho de Estado, ele determina a obrigatoriedade das vacinas. Accionado pelas multinacionais farmacêuticas, ele recorre à propaganda perpétua e intensiva. Fazendo depender totalmente o doente da engrenagem hospitalar, deixa-o completamente entregue à vontade deste.
Se há sistema que nos envolve totalitariamente, o sistema médico é com certeza o mais perfeita e absolutamente totalitário.
No entanto, foi possível criar um sector alternativo. E frente aos milhões de livros, aos milhares de especialistas, às centenas de universidades e escolas que proclamam o monopólio da ciência médica, o simples e o pequeno das práticas terapêuticas de autocura, nomeadamente através da medicina yin-yang, é hoje um facto.
A menos que uma tirania política mergulhe de novo o país no silêncio dos cemitérios, ninguém já poderá esmagar este movimento alternativo que advoga o simples e o pequeno para curar a gente. E que cura mesmo.
Aliás, o mesmo sucede ao movimento cooperativo, criando um sector alternativo, guiado pelo simples e pelo pequeno, ao lado do gigantismo e da complicação que a macroeconomia pretende apresentar como única solução possível.

O DESENVOLVIMENTO DO SUBDESENVOLVIMENTO

O que foi durante séculos a dialéctica do terror à escala planetária - o desenvolvimento do Norte feito à custa do subdesenvolvimento do Sul - verifica-se, a pouco e pouco, a todos os níveis - nacional, regional e local - onde quer que o mesmo modelo de desenvolvimento foi chegando.
Josué de Castro foi dos primeiros a «levantar a lebre», ao lembrar que o subdesenvolvimento é apenas a outra face do desenvolvimento.
A pouco e pouco foi-se vendo isso, mesmo que muitos ainda neguem a evidência, continuando a entoar a ladainha do miserabilismo.
E hoje é possível traçar um quadro ou balanço dos resultados obtidos com o chamado desenvolvimento. Em toda a parte se repete o esquema ou pecado original: o desenvolvimento do subdesenvolvimento.
Exemplo flagrante é o das tensões e pretensões mundiais no campo das pescas, embora se pretenda desviar para motivos colaterais a verdadeira essência ecológica do problema dos «recursos pesqueiros»
A sobrepesca das potências com frotas mais poderosas é um facto, mas é também um desses factores colaterais. Facto fundamental - e não colateral - é que a diminuição dos «stocks» desce vertiginosamente devido ao biocídio praticado nos oceanos, lagos e rios pelas actividades do imperialismo industrial, o tal desenvolvimento.
Que a outra face do crescimento industrial é a fome e não a prosperidade, prova-o o défice cada vez maior de produtos pescados nos oceanos, em geral, e nas costas portuguesas, em particular, como os vários incidentes com pesqueiros constantemente têm provado nos últimos anos.
Todos os dias, entretanto, nas lotas dos portos mais fartos de pesca, Matosinhos, Peniche, Olhão, camiões frigoríficos recebem toneladas de peixe fresco que transportam rumo à Europa, nomeadamente à Itália, que consegue assim abastecer os seus hotéis de luxo com o peixe que já não consegue tirar das águas podres do seu Adriático.
«Não há falta de peixe» - continuam a dizer os entendidos. «O peixe está cada vez mais caro» - dizem os desentendidos, sem ligar o efeito à causa. Ignorando que esta sociedade aumenta constantemente os preços sem dizer nunca que é o produto que cada vez mais rareia.

MISÉRIA OU POLUIÇÃO: «SLOGAN» ANACRÓNICO SÓ PARA USO DOS POBRES

Os mais graves problemas ecológicos são os do subdesenvolvimento. Mas não é um desenvolvimento à maneira ocidental que irá solucioná-los.
É o Terceiro Mundo que está à beira da catástrofe e não os países industrializados como a R. F. A. Mas à beira da catástrofe ecológica, sem ter passado pela industrialização.
Assim, com este facto, se inverte o «slogan» mais falso e mais propagado desde 1972 nos meios da política ambiental.
Dez anos após a Conferência de Estocolmo, a tese lançada por esta primeira grande reunião da O.N.U. sobre meio ambiente virou do avesso -sofreu uma total reviravolta.
Não é o crescimento industrial que produz os mais graves desequilíbrios ecológicos - mas o subdesenvolvimento crónico, a colonização e neocolonização dos povos, a dependência energética, a explosão demográfica originada pela fome e miséria endémicas. A Conferência de Estocolmo, no fundo, quis lançar o crescimento industrial como panaceia para as misérias do subdesenvolvimento, mas estabelecendo uma irredutível oposição: poluição ou miséria.
Países, como a R.F.A., compreenderam, entretanto, que nem a poluição nem a miséria eram inevitáveis e que havia um terceiro termo, o da sociedade pós-industrial.
Em menos de 10 anos, pois, uma sociedade anteriormente poluída consegue controlar e condicionar essa poluição.
E conclui que não é esse o problema básico: básico é o fenómeno de exploração que os países ricos exercem sobre os pobres e é dessa exploração que, em países como Portugal, derivam os mais graves cancros que atacam o Ambiente Humano, a chamada «qualidade de vida».
Na entrevista que nos concedeu - publicada no jornal «Portugal Hoje» (17 - 2 -1982), René Dumont confirmou que, será no «Terceiro Mundo que o futuro ecológico do planeta se decidirá.»
Não se trata, pois, de repetir no Terceiro Mundo o mesmo modelo de desenvolvimento, mas de encontrar as soluções ecológicas para as desorganizadas economias destes países que os ricos levaram séculos a pilhar, a sugar e a explorar.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com este título, na «Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 7-8-1982.
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