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Monday, December 05, 2005

VISIONÁRIOS 1972

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ELOGIO DA IMAGINAÇÃO (*)

[(*) Este texto de Afonso Cautela, perfeitamente normal e superficial, foi publicado no suplemento literário do «Diário Ilustrado», Lisboa, 6-12-1972 ]

Nem será preciso evocar os casos exemplares de Sócrates, Giordano Bruno, Sade, Galileu, Freud, Rimbaud, Lautréamont, Nietzsche e Artaud, para comprovar de como a imaginação – virtude cardial do homem – tem sido quase sempre pouco apetecida pela ordem ou ordens estabelecidas.
Os visionários, contemporâneos de um futuro que quase nunca coincide com o presente onde estão, encontram-se mais ou menos condenados à morte, ao hospital ou ao gueto, perseguidos pelos que, no tempo e no templo, detêm o poder temporal.
Assim, a imaginação, por força da própria história que os seus autores desenham, se liga a uma vivência ou experiência de pessoa, indesligável da obra.
E assim vãos se afiguram os propósitos de a reduzir aos fabricos ou sinais externos da linguagem; embora, claro, sem a intervenção dos signos não exista manifestação imaginativa.
Se entre os mais recentes autores de uma imaginação absoluta, são menos frequentes os casos de fogueira, asilo, hospital ou campo concentracionário, não quer dizer que, por mais subtis, por terem mudado de forma e de táctica, por se encontrarem "actualizados" os processos de trituração e esmagamento não se façam sentir e até de maneira mais drástica, porque menos espectacular.
Porque mais ardilosas são também as formas que dizem representar hoje o reino solar da imaginação, mais difícil se torna distinguir entre o real fantástico e a mera rotina ou pirotecnia verbal, entre o revolucionário e o académico, entre o clássico e o moderno-de-sempre.
Estóico e um bocado ingénuo terá de ser o aprendiz de feiticeiro que, no meio da cultura constituída, não queira perder o pé. Nos últimos tempos, muitas têm sido as armadilhas que, sob o alibi de modernismo, se perfilam para suprimir ou deter exactamente toda a manifestação moderna, a força original de onde brota e se alimenta a imaginação - de um autor ou de um povo.
Os que doutrinam e teorizam, por exemplo, sobre poesia, os que decretam quem é quem não é, quem vale e quem não vale, quem vive e quem morre, os que exportam e importam, os que dedilham o novo romance, os que desenterram sistemas metafísicos, os que se apegam a fórmulas dogmáticas sob a desculpa ideológica de urgentes obrigatoriedades políticas- tudo isso corrompe a esperança, tudo isso concorre para tornar irrespirável qualquer atmosfera de ousio e aventura.
E sem imaginação, a época é de obscuridade, qualquer que seja o nome daquilo em que esse "obscurantismo" procura triunfar.
A escola experimentalista serviria para desculpar fatais esterilidades poéticas, e de sigla para instaurar uma academia, uma escolástica, uma dogmática de onde a imaginação sai cuspida e vexada, esvaziada e vencida.
Não são muitos os casos de imaginação-absoluta com que conta a recente literatura portuguesa (Raul de Carvalho e Mário Cesariny devem citar-se, porque logo ocorrem), e o facto, se pode obter justificação mas não desculpa, num subdesenvolvimento crónico, deveria, por outro lado, alertar-nos para a necessidade, a urgente obrigação que sobre todos os que escrevem impende de procurar saída.
Se a imaginação pertencia tradicionalmente aos poetas, cujo visionarismo os manuais se encarregam de historiar, desprezando e menosprezando, - o que se verificou, em algumas teorias estéticas recentes, foi o desvio e desvirtuação dessa linha digamos comum, aos heréticos de todos os tempos.
E porque, nos poetas, doutrinados por tais escolas, o conformismo começou de sobrepor-se à heresia, é natural que em outros campos da inteligência se procurasse quem exerça o livre trânsito da imaginação.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, perfeitamente normal e superficial, foi publicado no suplemento literário do «Diário Ilustrado», Lisboa, 6-12-1972
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