C. DE BRITO 57
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UM LIVRO DE 20 ANOS:POEMAS DA SOLIDÃO IMPERFEITA, DE CASIMIRO DE BRITO(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com as iniciais A.C. no quinzenário de Moura «A Planície», 15-1-1957
14-1-1957
Cada vez que um poeta fala de solidão, é porque quer falar de esperança. Casimiro de Brito chama imperfeita à sua solidão e explica: porque sou teu / e tu és minha / Poesia.
Nela encontra a companhia real e nela biografa não apenas um caso pessoal mas a biografia do homem - «a sua biografia miserável e prodigiosa» (Fidelino de Figueiredo).
Biografia Negra, I parte destas poesias, termina com uma adversativa: Todavia.
Todavia, apesar de negra, a biografia do homem vale a pena ser contada e cantada. Pelo canto se reencontra o homem perdido, perdido de si e perdido dos outros.
A poesia é uma sagrada comunhão.
Tema obrigatório de todos os poetas, jovens como estes vinte anos admiráveis de Casimiro de Brito, a solidão encontra sempre motivo para se povoar, ainda que seja de si própria. O monólogo já é diálogo. A poesia lírica já é dramática, quando canta ou chora a solidão. O poeta acusa uma sociedade de que foi segregado, não sabe porquê mas talvez saiba como. E acredita na Ilha Verde, terceira parte deste livro, e última, visto que Correio para o Brasil é apenas um apêndice circunstancial que o autor quis juntar à unidade quase perfeita da sua solidão imperfeita.
O Homem ergueu-se da terra e sentiu que na terra / não havia lugar para ele.
A biografia não é só, portanto, a do poeta individual, é a do poeta que se canta na «estrada livre», de Whitman, poeta este que, por duas vezes, Casimiro de Brito escolhe para epigrafar as suas composições.
É esta dimensão que excede a da mera queixa lírica e ilumina o livro de um sol de esperança...aparentemente contrariada a começar, equivocamente, na cor da capa e no título da primeira parte: ambos negros...
É que as trevas são condição da luz. Ainda que mais nada restasse para acompanhar o homem, n corredor infinito e negro da história, as palavras acompanham-no e é pelo ritmo encantatório das palavras que Casimiro de Brito parece, por vezes, deixar-se levar, como se o guiassem no centro de um tenebroso labirinto.
Mas quando as palavras o conduzem, inverte-se a hierarquia poética, em que o vate deve ser possuidor e não possuído, dono e não servo. Eis o único mal que teríamos a apontar a esta estreia de 20 anos, vinte anos, cuja juventude e cujo ardor são não só motiva constante da minha admiração e afecto, como a prova de que a solidão encontra sempre motivos de se anestesiar, ainda que seja através de recursos drásticos como é o turbilhão absorvente deste jovem lutador das letras.
Casimiro pode falar da esperança. Parafraseando Raul de Carvalho, Casimiro de Brito poderia escrever: «Quando falo de esperança, sei o que digo». Talvez por isso há banalidades e deslizes neste livro, salvos, contudo, por uma febre e um fogo, um «sangue e fogo abraçados». Sempre que se autobiografa ou fala de si, sentimos que é uma voz preparada para cantar o homem velho e que espera o homem novo.
Contornar a linha sinuosa e por vezes oculta de uma poesia, é limitá-la. Não corre esta esse perigo, porque o tema central é diminuto (este que apontámos) e o maior volume é de palavras, cujo emprego por vezes imoderado prejudica a visão do essencial.
É próprio dos vinte anos não saber omitir, rasgar ou riscar a tempo. Não saber ou não querer. E a verdade é que preferimos palavras a mais do que a menos. É bom sinal um primeiro livro com o seu quê de retórico. Tem algo de rio selvagem que vem do fundo dos séculos e que ainda se não acostumou à urbanização terrestre.
Saudemos com simpatia, um livro onde a inquietação se alia ao melhor espírito de juventude e independência. È esta, para o Casimiro, a prenda de anos que posso e sei dar-lhe.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com as iniciais A.C. no quinzenário de Moura «A Planície», 15-1-1957
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UM LIVRO DE 20 ANOS:POEMAS DA SOLIDÃO IMPERFEITA, DE CASIMIRO DE BRITO(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com as iniciais A.C. no quinzenário de Moura «A Planície», 15-1-1957
14-1-1957
Cada vez que um poeta fala de solidão, é porque quer falar de esperança. Casimiro de Brito chama imperfeita à sua solidão e explica: porque sou teu / e tu és minha / Poesia.
Nela encontra a companhia real e nela biografa não apenas um caso pessoal mas a biografia do homem - «a sua biografia miserável e prodigiosa» (Fidelino de Figueiredo).
Biografia Negra, I parte destas poesias, termina com uma adversativa: Todavia.
Todavia, apesar de negra, a biografia do homem vale a pena ser contada e cantada. Pelo canto se reencontra o homem perdido, perdido de si e perdido dos outros.
A poesia é uma sagrada comunhão.
Tema obrigatório de todos os poetas, jovens como estes vinte anos admiráveis de Casimiro de Brito, a solidão encontra sempre motivo para se povoar, ainda que seja de si própria. O monólogo já é diálogo. A poesia lírica já é dramática, quando canta ou chora a solidão. O poeta acusa uma sociedade de que foi segregado, não sabe porquê mas talvez saiba como. E acredita na Ilha Verde, terceira parte deste livro, e última, visto que Correio para o Brasil é apenas um apêndice circunstancial que o autor quis juntar à unidade quase perfeita da sua solidão imperfeita.
O Homem ergueu-se da terra e sentiu que na terra / não havia lugar para ele.
A biografia não é só, portanto, a do poeta individual, é a do poeta que se canta na «estrada livre», de Whitman, poeta este que, por duas vezes, Casimiro de Brito escolhe para epigrafar as suas composições.
É esta dimensão que excede a da mera queixa lírica e ilumina o livro de um sol de esperança...aparentemente contrariada a começar, equivocamente, na cor da capa e no título da primeira parte: ambos negros...
É que as trevas são condição da luz. Ainda que mais nada restasse para acompanhar o homem, n corredor infinito e negro da história, as palavras acompanham-no e é pelo ritmo encantatório das palavras que Casimiro de Brito parece, por vezes, deixar-se levar, como se o guiassem no centro de um tenebroso labirinto.
Mas quando as palavras o conduzem, inverte-se a hierarquia poética, em que o vate deve ser possuidor e não possuído, dono e não servo. Eis o único mal que teríamos a apontar a esta estreia de 20 anos, vinte anos, cuja juventude e cujo ardor são não só motiva constante da minha admiração e afecto, como a prova de que a solidão encontra sempre motivos de se anestesiar, ainda que seja através de recursos drásticos como é o turbilhão absorvente deste jovem lutador das letras.
Casimiro pode falar da esperança. Parafraseando Raul de Carvalho, Casimiro de Brito poderia escrever: «Quando falo de esperança, sei o que digo». Talvez por isso há banalidades e deslizes neste livro, salvos, contudo, por uma febre e um fogo, um «sangue e fogo abraçados». Sempre que se autobiografa ou fala de si, sentimos que é uma voz preparada para cantar o homem velho e que espera o homem novo.
Contornar a linha sinuosa e por vezes oculta de uma poesia, é limitá-la. Não corre esta esse perigo, porque o tema central é diminuto (este que apontámos) e o maior volume é de palavras, cujo emprego por vezes imoderado prejudica a visão do essencial.
É próprio dos vinte anos não saber omitir, rasgar ou riscar a tempo. Não saber ou não querer. E a verdade é que preferimos palavras a mais do que a menos. É bom sinal um primeiro livro com o seu quê de retórico. Tem algo de rio selvagem que vem do fundo dos séculos e que ainda se não acostumou à urbanização terrestre.
Saudemos com simpatia, um livro onde a inquietação se alia ao melhor espírito de juventude e independência. È esta, para o Casimiro, a prenda de anos que posso e sei dar-lhe.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com as iniciais A.C. no quinzenário de Moura «A Planície», 15-1-1957
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