UNAMUNO 91
91-01-07-ls>=leituras do ac - Unamuno> -3060 caracteres
UM POVO DE SUICIDAS(***)
[7-1-1991]
(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 27-8-1990
Criar perspectiva crítica para nos entendermos como povo nacional distinto de outros povos, no contexto da Península Ibérica, é um dos melhores benefícios que se podem colher desta obra(*) de Miguel de Unamuno, que a Assírio & Alvim resolveu, em boa hora, mandar traduzir e publicar.
«Por Terras de Portugal e da Espanha» impunha-se, como um dever patriótico.
Entre os artigos que o célebre catedrático de Salamanca (alma gémea de Teixeira de Pascoaes, como em vida de ambos puderam confirmar) consagra a Portugal, figura aquele que, radicalmente, nos denuncia no nosso mais persistente complexo colectivo, aquele que nos classifica, em estilo de anátema, como «um povo suicida». A mais recente história contemporânea, sem falar da antiga, parece que bem comprova a tese de Unamuno. Haverá quem considere este diagnóstico um estigma demasiado radical, outros dirão que ainda é pouco e outros que não tem nada a ver com a chula minhota ou o corridinho algarvio, tão alegres coitadinhos.
Em qualquer dos casos, acompanhado à guitarra da ditadura ou a toque de pífaro democrático, o nosso destino coincide com a visão realista de Unamuno, queiram ou não os optimistas profissionais, que vivem distribuindo óculos cor-de-rosa ao povo.
O autor de «Sentimento Trágico da Vida» (**) encontrava, em Portugal, como é óbvio, um bocado da sua própria alma, pouco dada a quimeras. E desse encontro ele falou, dessa sintonia deu testemunho. Se os portugueses conseguissem olhar-se com metade da atenção e da lucidez com que Miguel de Unamuno nos psicanalisa, não andaríamos talvez tão perdidinhos de nós próprios, das nossa raízes e da nossa identidade, com os escritores todos da moda à procura da «portugalidade» perdida nos areais marroquinos do desejado.
Ninguém é profeta na sua terra e muito menos analista dos seus próprios defeitos e qualidades. Sempre com o nariz no ar, à procura dos outros - povos, terras e negócios - os portugueses têm tido, no entanto, a sorte de haver quem sobre eles se debruce, com o carinho de um irmão, a severidade de um pai e a lucidez de um mestre. Miguel de Unamuno, significa para nós esse olho clínico que nos ajuda, pela consciência do que não queremos assumir (o gosto da morte), a realizar o nosso próprio diagnóstico.
Em «Por Terras de Portugal e da Espanha» ele examinou-nos e deu o veredicto: nem tudo está perdido, ainda vamos a tempo de nos encontrar. É só questão de olho.
Dizer que é José Bento o responsável pela tradução, notas e prefácio, significa só por si um atestado de qualidade desta edição com que a Assírio & Alvim se honra e, como povo ibérico, nos honra.
--------
(*) «Por Terras de Portugal e da Espanha», Miguel de Unamuno, tradução de osé Bento, ed. Assírio & Alvim
(**) Existem duas edições em português desta obra de Unamuno: uma de 1953, em tradução de Cruz Malpique, na editora Educação Nacional; e uma muito recente, de Artur Guerra, lançada pelo Círculo de Leitores
(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 27-8-1990
***
UM POVO DE SUICIDAS(***)
[7-1-1991]
(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 27-8-1990
Criar perspectiva crítica para nos entendermos como povo nacional distinto de outros povos, no contexto da Península Ibérica, é um dos melhores benefícios que se podem colher desta obra(*) de Miguel de Unamuno, que a Assírio & Alvim resolveu, em boa hora, mandar traduzir e publicar.
«Por Terras de Portugal e da Espanha» impunha-se, como um dever patriótico.
Entre os artigos que o célebre catedrático de Salamanca (alma gémea de Teixeira de Pascoaes, como em vida de ambos puderam confirmar) consagra a Portugal, figura aquele que, radicalmente, nos denuncia no nosso mais persistente complexo colectivo, aquele que nos classifica, em estilo de anátema, como «um povo suicida». A mais recente história contemporânea, sem falar da antiga, parece que bem comprova a tese de Unamuno. Haverá quem considere este diagnóstico um estigma demasiado radical, outros dirão que ainda é pouco e outros que não tem nada a ver com a chula minhota ou o corridinho algarvio, tão alegres coitadinhos.
Em qualquer dos casos, acompanhado à guitarra da ditadura ou a toque de pífaro democrático, o nosso destino coincide com a visão realista de Unamuno, queiram ou não os optimistas profissionais, que vivem distribuindo óculos cor-de-rosa ao povo.
O autor de «Sentimento Trágico da Vida» (**) encontrava, em Portugal, como é óbvio, um bocado da sua própria alma, pouco dada a quimeras. E desse encontro ele falou, dessa sintonia deu testemunho. Se os portugueses conseguissem olhar-se com metade da atenção e da lucidez com que Miguel de Unamuno nos psicanalisa, não andaríamos talvez tão perdidinhos de nós próprios, das nossa raízes e da nossa identidade, com os escritores todos da moda à procura da «portugalidade» perdida nos areais marroquinos do desejado.
Ninguém é profeta na sua terra e muito menos analista dos seus próprios defeitos e qualidades. Sempre com o nariz no ar, à procura dos outros - povos, terras e negócios - os portugueses têm tido, no entanto, a sorte de haver quem sobre eles se debruce, com o carinho de um irmão, a severidade de um pai e a lucidez de um mestre. Miguel de Unamuno, significa para nós esse olho clínico que nos ajuda, pela consciência do que não queremos assumir (o gosto da morte), a realizar o nosso próprio diagnóstico.
Em «Por Terras de Portugal e da Espanha» ele examinou-nos e deu o veredicto: nem tudo está perdido, ainda vamos a tempo de nos encontrar. É só questão de olho.
Dizer que é José Bento o responsável pela tradução, notas e prefácio, significa só por si um atestado de qualidade desta edição com que a Assírio & Alvim se honra e, como povo ibérico, nos honra.
--------
(*) «Por Terras de Portugal e da Espanha», Miguel de Unamuno, tradução de osé Bento, ed. Assírio & Alvim
(**) Existem duas edições em português desta obra de Unamuno: uma de 1953, em tradução de Cruz Malpique, na editora Educação Nacional; e uma muito recente, de Artur Guerra, lançada pelo Círculo de Leitores
(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 27-8-1990
***
Labels: ideias-chave ac, páginas polémicas
0 Comments:
<< Home