SANTIAGO 92

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29-1-1992

ROTAS DA GEOGRAFIA SAGRADA

Quando a «geografia sagrada» é ainda matéria virgem ou quase virgem, no pequeno mundo da grande edição portuguesa, o aparecimento do livro «Pelos Caminhos de Santiago» tem foros de acontecimento e deve ser saudado com triplo júbilo: porque, do ponto de vista gráfico e fotográfico, é uma verdadeira jóia bibliográfica; porque alarga a lenda e o culto de Santiago de Compostela a lugares geográficos de Portugal inesperados e a inesperadas rotas que a célebre «estrada das estrelas» não faria prever; e porque é um sinal concreto, muito revelador, («extremamente significativo» , como agora se diz) das « boas intenções» que animam alguns editores portugueses mais atentos, no sentido de se virarem para os caminhos do céu...
Mesmo que lá queiram chegar de automóvel, não faz mal: Deus facilita.
Já ninguém viaja hoje por unção religiosa, mas os antigos itinerários de peregrinação (de que só Fátima retém hoje o único monopólio) começam a fascinar as modernas tecnologias informativas, que repentinamente se apercebem do «charme» que há nos costumes medievos e na mania que essa gente tinha de se ir purificar, de vez em quando, às fontes. Gente que é costume designar «pouco amiga de água», face aos padrões modernos de higiene, que são, como se sabe, muito exigentes, chamando delicada e tecnocraticamente «poluição» à porcaria química e a outras porcarias.
Porque será? Sem pretender deslindar por agora as causas deste repentino e insólito desvelo das novas tecnologias gráficas pelas antigas devoções do povo, limitemo-nos a constatar a realidade que se configura, aos nosso olhos deslumbrados, sob a forma de album ilustrado.
A obra «Itinerários Portugueses para Compostela», como reza o seu subtítulo, alinha, de facto, entre as mais belas que se confeccionaram dentro do género «viagens», nos últimos tempos. Até porque viajar, aqui, tem sentido lato e translato, que a todos os títulos se recomenda.
A obra de Carlos Gil e João Rodrigues sobre os itinerários portugueses para a cidade de Santiago, lá em cima no Norte, a leste da Galiza, diz ter o objectivo de reproduzir, no limiar do século XXI, os caminhos iniciados no século X, servindo-se para isso de todas as tecnologias modernas do século XX: fotografias, descriçõas, mapas e outras indicações preciosas.
Como nos indica o editor, desde a descoberta dos restos mortais do apóstolo Tiago Maior, milhões de peregrinos percorreram os caminhos então traçados, as planícies intermináveis, as serras cobertas de neve e os vales tórridos, abrindo as estradas poeirentas que os levariam até Compostela. A obra agora publicada reconstitui os itinerários portugueses desse movimento, com as rotas usadas durante séculos, segundo os velhos caminhos romanos e medievais, com descrições de monumentos, capelas, castelos, - mas também, porque estamos no século XX e em plena era turística, embora à beira do apocalipse, indicações sobre conforto consumista, onde pernoitar, comer, fazer compras, etc. O peregrino de hoje chamado turista, não é de ferro nem veio ao mundo para fazer sacrifícios.
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(*) « Pelos Caminhos de Santiago - Itinerários Portugueses para Compostela» , Carlos Gil e João Rodrigues, Ed. Publicações Dom Quixote e Círculo de Leitores
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