LITTLE NEMO 92
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FILHOS DE LITTLE NEMO - OS NOSSOS QUERIDOS BONECOS - GRAVURA DE ONTEM, DE HOJE, DE SEMPRE
29-1-1992
Em louvor do «design»
É tempo de reparar num fenómeno que, a pretexto de literatura infantil, está a encantar crianças de todas as idades e provavelmente a operar na sensibilidade colectiva uma das revoluções mais importantes do nosso tempo. Silenciosa, como todas as revoluções importantes, e em profundidade.
De facto, tem surgido de há uns anos a esta parte e acompanhando o «boom» editorial, uma nova vaga de ilustradores que, sem pedir licença ao Prado Coelho ou ao Umberto Eco e sem que, por isso, se tenha feito até agora grande alarido com eles, estão pura e simplesmente refinando esta arte poética por excelência que é o desenho, «design» se preferirem.
Uma nova e explosiva sensibilidade à cor, às nuances, ao desenho, à gravura, ao «cartoon», estará a nascer? Poderá falar-se de um fenómeno que «transformou» e nossa maneira de olhar? Tem a ver este fenómeno com a saturação dos meios visuais? Com um novo requinte gráfico e cromático, com um inaudito aproveitamento da cor, que as novas tecnologias de ponta atingiram?
Estará também a banda desenhada na origem deste novo encantamento? Será toda uma geração que descende em linha recta de Little Nemo? E o cinema de animação? E de que forma a fotografia veio provocar este «boom» de novos artistas voltados para um romantismo do traço e da cor?
Aí estão eles
Jorge Colombo, Fernanda Fragateiro, Gabriela Morais, Joaquim Machado, Manuela Bacelar, Rui Truta, Henrique Cayatte, Claro Abreu, Lisbeth Zwerger(*) -- entre tantos outros e só para falar de livros recentes por eles ilustrados -- estarão construindo um «naif» dentro do «naif»? Até que ponto o retorno à infância alimenta esta «nova vaga» de artistas, cada um com a marca da sua personalidade, sem dúvida, mas todos eles igualmente representativos de uma atmosfera e de um clima estético com traços fundamentais comuns?
Às vezes dá vontade de regressar à magia de Little Nemo, e ficar por lá, esquecido, outras vezes é Dick Tracy, tão bem reaproveitado no cinema, que nos salta ao caminho. A adaptação televisiva de um Príncipe Valente vem, pela patente mediocridade da realização, valorizar o inesquecível desenho original desta série.
Será que o retorno apaixonado à arte da gravura tem que ver também com o renascimento de um género - o Conto -- que é a forma literária mais ligada às raízes e à magia das origens? Dos contos de fadas aos contos fantásticos de Mircea Eliade, Selma Lagerloff ou Herman Hesse, das histórias das mil e uma Noites às narrativas de Eva Luna (de Isabel Allende) haverá, afinal, hiatos? Ou é tudo a mesma história?
Ou tudo isto será apenas a falta de vista de um cronista, o fenómeno nada tem de novo e a magia do desenho foi, é, será de todos os tempos? De quando estava na moda a «água forte» por exemplo? Ou o linóleo? Ou a litogravura?
Gratidão aos profetas
Por estas e por outras é que eu fico fã, cada vez mais, do meu compadre José Matos-Cruz, que tem levado duas décadas a tentar ensinar-me as vantagens metodológicas e pedagógicas da «banda desenhada», porque é que a BD é a grande arte do nosso tempo, sem que eu tenha percebido grande coisa.
Por estas e por outras é que eu me dou, às vezes, a pensar no Vasco Granja e na importância que esse herói da animação teve na formação da sensibilidade de toda uma geração.
Por estas e por outras é que eu estou grato ao Casino Estoril que todos os anos reanima a exposição dos pintores «naif», como se fosse fácil ser «naif» e como se esta mostra fosse um simples facto de rotina e não um dos grandes momentos do nosso ano artístico.
Por estas e por outras, é que a Mafalda, a Mónica, os Peanuts, já se tornaram, sem darmos por isso, parte da nossa forma de estar, de ver, de sentir e dar perfil, como contraponto, ao mundo de horror que vemos pelo telejornal.
Chercher o ilustrador
Se há -- nomeadamente no livro infantil -- uma subalternidade cada vez maior do texto relativamente à ilustração, terá o impenitente lítera que se convencer de que o fenómeno é irreversível e de que o melhor é submeter-se. Neste momento, é o texto que ilustra o desenho e não o desenho que ilustra o texto, como acontecia dantes. Editores que iniciam novas colecções (de livros) infantis, começam agora por convidar (e guardar o exclusivo) do ilustrador e só depois vão convidar os escritores que redijam umas coisas... Com exagero e tudo, mas é o que está acontecendo.
Uma nova esperança brilha, pois, no panorama em certos aspectos bastante sombrio da manipulação do homem pelo homem, que veio completar o quadro histórico da exploração do homem pelo homem. O novo Traço dos criadores é a esperança de alternativa salubre à insalubre manipulação dos encéfalos pelos meios visuais electrónicos.
Será que a saturação televisiva não embotou irreversivelmente a nosssa sensibilidade, nem a violência e o erotismo porno estereotiparam o nosso gosto?
Há sinais
Idêntico sinal de esperança é, por exemplo, o que a nova vaga do cinema italiano tem estado a produzir com realizadores vindos exactamente das séries televisivas. Aleluia! Sob o rótulo aparentemente inofensivo de «cinema para as famílias» ou sob o rótulo aparentemente inofensivo de «livros para crianças» a revolução estética do futuro está aí em nossas casas e é necessário, imprescindível, urgente que chegue às nossas crianças. Por cada Rua Sésamo, um livro ilustrado por Jorge Colombo, está bem? A ver se saímos compensados.
----
(*) Entre as novas colecções de livros infantis ilustrados, a Dom Quixote lançou «Primeiras Histórias», com três títulos já saídos: «Mais Ninguém Tem», Inês Pedrosa(ilustrações de Jorge Colombo»; «O Gato Listrado», Ana Cardoso Pires e «Votória, Vitória» de Clara Pinto Correia( ambos com ilustrações de Fernanda Fragateiro);
Uma outra colecção ilustrada, «Novas e Velhas Andanças» aparece no Porto (Edinter): «A Canção de Rolando», por Alberto Oliveira Pinto com ilustrações de Paula Soares e «O Julgamento de Paris» , com ilustrações de Joaquim Machado;
Outros livros infantis ilustrados a destacar recentemente:
«O Presente dos Reis Magos» de O. Henry e «O Fantasma dos Canterville», ambos ilustrados por Lisbeth Zwerger, Ed. Contexto
«Penas Brancas pelo Ar», de Natércia Rocha e Rui Truta (ilust), Ed. Desabrochar
«O Pequeno Pintor», de José Jorge Letria e Henrique Cayatte (ilust)
***
FILHOS DE LITTLE NEMO - OS NOSSOS QUERIDOS BONECOS - GRAVURA DE ONTEM, DE HOJE, DE SEMPRE
29-1-1992
Em louvor do «design»
É tempo de reparar num fenómeno que, a pretexto de literatura infantil, está a encantar crianças de todas as idades e provavelmente a operar na sensibilidade colectiva uma das revoluções mais importantes do nosso tempo. Silenciosa, como todas as revoluções importantes, e em profundidade.
De facto, tem surgido de há uns anos a esta parte e acompanhando o «boom» editorial, uma nova vaga de ilustradores que, sem pedir licença ao Prado Coelho ou ao Umberto Eco e sem que, por isso, se tenha feito até agora grande alarido com eles, estão pura e simplesmente refinando esta arte poética por excelência que é o desenho, «design» se preferirem.
Uma nova e explosiva sensibilidade à cor, às nuances, ao desenho, à gravura, ao «cartoon», estará a nascer? Poderá falar-se de um fenómeno que «transformou» e nossa maneira de olhar? Tem a ver este fenómeno com a saturação dos meios visuais? Com um novo requinte gráfico e cromático, com um inaudito aproveitamento da cor, que as novas tecnologias de ponta atingiram?
Estará também a banda desenhada na origem deste novo encantamento? Será toda uma geração que descende em linha recta de Little Nemo? E o cinema de animação? E de que forma a fotografia veio provocar este «boom» de novos artistas voltados para um romantismo do traço e da cor?
Aí estão eles
Jorge Colombo, Fernanda Fragateiro, Gabriela Morais, Joaquim Machado, Manuela Bacelar, Rui Truta, Henrique Cayatte, Claro Abreu, Lisbeth Zwerger(*) -- entre tantos outros e só para falar de livros recentes por eles ilustrados -- estarão construindo um «naif» dentro do «naif»? Até que ponto o retorno à infância alimenta esta «nova vaga» de artistas, cada um com a marca da sua personalidade, sem dúvida, mas todos eles igualmente representativos de uma atmosfera e de um clima estético com traços fundamentais comuns?
Às vezes dá vontade de regressar à magia de Little Nemo, e ficar por lá, esquecido, outras vezes é Dick Tracy, tão bem reaproveitado no cinema, que nos salta ao caminho. A adaptação televisiva de um Príncipe Valente vem, pela patente mediocridade da realização, valorizar o inesquecível desenho original desta série.
Será que o retorno apaixonado à arte da gravura tem que ver também com o renascimento de um género - o Conto -- que é a forma literária mais ligada às raízes e à magia das origens? Dos contos de fadas aos contos fantásticos de Mircea Eliade, Selma Lagerloff ou Herman Hesse, das histórias das mil e uma Noites às narrativas de Eva Luna (de Isabel Allende) haverá, afinal, hiatos? Ou é tudo a mesma história?
Ou tudo isto será apenas a falta de vista de um cronista, o fenómeno nada tem de novo e a magia do desenho foi, é, será de todos os tempos? De quando estava na moda a «água forte» por exemplo? Ou o linóleo? Ou a litogravura?
Gratidão aos profetas
Por estas e por outras é que eu fico fã, cada vez mais, do meu compadre José Matos-Cruz, que tem levado duas décadas a tentar ensinar-me as vantagens metodológicas e pedagógicas da «banda desenhada», porque é que a BD é a grande arte do nosso tempo, sem que eu tenha percebido grande coisa.
Por estas e por outras é que eu me dou, às vezes, a pensar no Vasco Granja e na importância que esse herói da animação teve na formação da sensibilidade de toda uma geração.
Por estas e por outras é que eu estou grato ao Casino Estoril que todos os anos reanima a exposição dos pintores «naif», como se fosse fácil ser «naif» e como se esta mostra fosse um simples facto de rotina e não um dos grandes momentos do nosso ano artístico.
Por estas e por outras, é que a Mafalda, a Mónica, os Peanuts, já se tornaram, sem darmos por isso, parte da nossa forma de estar, de ver, de sentir e dar perfil, como contraponto, ao mundo de horror que vemos pelo telejornal.
Chercher o ilustrador
Se há -- nomeadamente no livro infantil -- uma subalternidade cada vez maior do texto relativamente à ilustração, terá o impenitente lítera que se convencer de que o fenómeno é irreversível e de que o melhor é submeter-se. Neste momento, é o texto que ilustra o desenho e não o desenho que ilustra o texto, como acontecia dantes. Editores que iniciam novas colecções (de livros) infantis, começam agora por convidar (e guardar o exclusivo) do ilustrador e só depois vão convidar os escritores que redijam umas coisas... Com exagero e tudo, mas é o que está acontecendo.
Uma nova esperança brilha, pois, no panorama em certos aspectos bastante sombrio da manipulação do homem pelo homem, que veio completar o quadro histórico da exploração do homem pelo homem. O novo Traço dos criadores é a esperança de alternativa salubre à insalubre manipulação dos encéfalos pelos meios visuais electrónicos.
Será que a saturação televisiva não embotou irreversivelmente a nosssa sensibilidade, nem a violência e o erotismo porno estereotiparam o nosso gosto?
Idêntico sinal de esperança é, por exemplo, o que a nova vaga do cinema italiano tem estado a produzir com realizadores vindos exactamente das séries televisivas. Aleluia! Sob o rótulo aparentemente inofensivo de «cinema para as famílias» ou sob o rótulo aparentemente inofensivo de «livros para crianças» a revolução estética do futuro está aí em nossas casas e é necessário, imprescindível, urgente que chegue às nossas crianças. Por cada Rua Sésamo, um livro ilustrado por Jorge Colombo, está bem? A ver se saímos compensados.
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(*) Entre as novas colecções de livros infantis ilustrados, a Dom Quixote lançou «Primeiras Histórias», com três títulos já saídos: «Mais Ninguém Tem», Inês Pedrosa(ilustrações de Jorge Colombo»; «O Gato Listrado», Ana Cardoso Pires e «Votória, Vitória» de Clara Pinto Correia( ambos com ilustrações de Fernanda Fragateiro);
Uma outra colecção ilustrada, «Novas e Velhas Andanças» aparece no Porto (Edinter): «A Canção de Rolando», por Alberto Oliveira Pinto com ilustrações de Paula Soares e «O Julgamento de Paris» , com ilustrações de Joaquim Machado;
Outros livros infantis ilustrados a destacar recentemente:
«O Presente dos Reis Magos» de O. Henry e «O Fantasma dos Canterville», ambos ilustrados por Lisbeth Zwerger, Ed. Contexto
«Penas Brancas pelo Ar», de Natércia Rocha e Rui Truta (ilust), Ed. Desabrochar
«O Pequeno Pintor», de José Jorge Letria e Henrique Cayatte (ilust)
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