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Friday, February 10, 2006

J. BAUDRILLARD 92

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QUEM PLAGIOU QUEM? - CANIBALISMO TECNOINDUSTRIAL - HUMOR E TERROR - SÓ O REAL É FANTÁSTICO E SÓ O FANTÁSTICO É REAL

Lisboa, 11/Fevereiro/1992 - Juro que nunca tinha lido Baudrillard. Juro que não copiei, que não plagiei, que não simulei, juro que houve pura coincidência entre belos espíritos, o meu e o dele, o dele e o meu. E à parte os textos humildemente publicados por mim, que podem provar a minha inocência, porque podem verificar-se, por atestado escrito, o preto no branco, consultando a Hemeroteca, as coincidências de tese entre o que ele pensou e o que eu já pensara, não é com os inéditos (mais que muitos) que vou fazer prova em tribunal e defender-me da acusação de plágio.
Acusarem-me era ainda darem-me uma importância que de todo eu sei não ter. Será então melhor fazer simulacro e dizer que plagiei? Serei então assim absolvido? Quem sou eu, aliás, para me comparar, ou mal comparar, a Baudrillard? Neste seu livro, «Simulacros e Simulação», está lá tudo o que eu tinha pensado: e só o estilo dele, menos legível do que o meu, mais simulado, o favorece.
Nestes tempos, como se sabe, quanto mais obscuro mais profundo. E eu terei sempre o tremendo defeito de ser claro. Fui sincero e agora não posso simular que fui sincero. Se simular que fui sincero, deixo de ser sincero. Se for sincero a sério ninguém me leva a sério, só me levam a sério se eu simular ser sincero. Mas eu não posso simular ser sincero, porque sou efectivamente sincero. São as aporias contemporâneas, a que chamei deste «tempo-e-mundo». Estão lá, nos papéis inéditos ou publicados, as teses. A ideia peregrina, por exemplo, de ver a sociedade moderna com o mesmo distanciamento e frieza das sociedades arcaicas, é uma dessas ideias que Baudrillard me plagiou, ou antes, que eu lhe plagiei, porque ele está por cima e eu por baixo.
A questão do plágio é também uma questão de classe. Mas haverá alguma coisa que não seja uma questão de classe? Quer tenham matado ou não o Marx, a luta de classes já existia antes dele, continuou e continuará a existir. Baudrillard é que, francês, pode ser traduzido em português. Não sou eu, português, que posso ser traduzido para francês. Sou periférico. Sou alvo antropológico das observações dele. Um ser arcaico que pode, eventualmente, merecer a lupa sociológica deste antropólogo e a lupa antropológica daquele outro etnógrafo.
Ele, Baudrillard, não simulou, eu tenho que simular o papel de ente primitivo observado por ele. Porque pertenço -- repito -- à periferia, à classe baixa. No Forum dos Aflitos, bem posso gemer a minha queixa, mas em Bruxelas ou no Parlamento Europeu não se conhece -- mal a mal por intérprete, por simulação -- por retroversão, não se conhece a língua portuguesa, periférica, arcaica, digna de Etnologia como o Sânscrito ou o Latim. Objecto de arqueologia estrutural, será que por aí terei saída?
Deixando de ser sujeito activo da História, eles deixar-me-ão existir? Ficarei inimputável no Tribunal da Crítica paneuropeia e pan-universitária? Sobre os «fantasmas» de Three Mile Island ainda posso provar que escrevi, publiquei, barafustei, em um vespertino de certa circulação nacional. E quando Baudrillard fala de fantasmagoria e apoteose do Simulacro que é a dissuasão nuclear, o chamado «equilíbrio do terror», recordo o esforço que eu fiz para dizer isso quando ninguém estava com os ouvidos preparados para ouvir isso. Só nunca me lembraria, como Baudrillard, de ocupar os meus ócios com o exemplo tão óbvio da Disneylândia.
Toda a gente sabe que é cenário. Mas já todos duvidarão que eu fale das guerrilhas intra e interpartidárias como «cenário», como teatro, como simulacro e montagem. Quando Barros de Moura disside do PCP e sai do Parlamento Europeu é a sério -- pergunto eu -- ou é apenas para, de combinação com o Comité Central, abrir espaço e hipótese de formar um novo partido comunista sem o lastro e os handicaps do antigo? Quem me leva a sério e quem acredita que eu fale a sério deste simulacro? Ou quem me levou a sério, quando falei do Simulacro que era a manipulação tóxica do símbolo antinuclear pelos movimentos ditos pacifistas de nuclearistas e militares convictos?
Baudrillard leva a sério o Watergate, mas quem pode pensar como sérios e não simulados, não montados, os escândalos políticos nos EUA, paraíso do espectáculo, se é mais lógico pensá-los como montagem? Maradona, o fim espectacular do genial Maradona, foi outro caso difícil de compreender fora deste cenário de pura dramatização do real. O que é hoje possível é fabricar os escândalos mais convenientes -- e para que sirvam de punição exemplar a outros maradonas mais pequenos que não cumpram com as leis da organização. Perante o pavoroso atentado de Bolonha -- recordo -- juro que fiz as mesmas perguntas que vejo agora Baudrillard fazer. Creio que escrevi algo, na altura, para a gaveta, mas onde vou agora descobrir, neste monte de caixas atadas, o que escrevi na altura? Só não saberia ter sido tão claro como Baudrillard, quando escreve, com rara clareza nele, isto que até eu consigo ler (pg.s 25, 26 e 27):[---]
Quando o terror atinge as dimensões do tecnoterror contemporâneo, só resta a ficção. Isto foi para mim óbvio, desde há anos. Humor e terror andam ligados, porque só o «non-sense» é linguagem para o puro «non-sense» da história como ficção, lenda, conto fantástico.

O risco social de escrever hoje sobre certos temas quentes, em ar de manifesto assumido e assinado, leva alguns pensadores do Perigo à prudência de dizer que (se) imaginam histórias de ficção quando pura e simplesmente nos estão a contar os mecanismos ocultos que levam a muitos dos pavores actuais. Não sei se Baudrillard leva o seu paralelo com as sociedades primitivas até ao fim, entusiasmado pelo ineditismo (?) da sua tese. Mas tomado à letra, é ilusório esse paralelo: porque o primitivismo (canibalismo lhe chamei) contemporâneo das sociedades desenvolvidas, tem componentes específicas irreversiveis.
O canibalismo dos povos rotulados de canibais, ao lado do canibalismo tecnoindustrial, é puro amor. E Tobias Schnebaum, «Lá Onde o Rio te leva» (Ed. Antígona), conta isso muito bem contado, com cenas de amor físico, nos seus livros de choque. Ele também, nesse caso, plagiou Baudrillard, e nem creio que o tenha lido, ou este a Tobias Schneebaum. Coincidências. Ponto de encontro (mas não nó górdio) para estes fios todos da meada, é o que -- à falta de melhor -- chamei Ecologia Humana, essa ciência experimental de que somos todos Cobaia, uma das intuições que me gabo, com muita honra, de ter alimentado no meu viperino seio de papéis inéditos e publicados. Intuição que -- à hora a que escrevo -- ainda não me foi surripiada (que eu saiba) por nenhum Baudrillard.
Não me defendo de assaltos à mão armada de esferográfica. Rendo-me à grandeza e força da classe mais forte. Sou objecto de estudo etnológico, não sou Etnólogo acentuado na primeira sílaba. Vou continuar a ler-me neste ensaio de Baudrillard sobre «Simulacros e Simulações», como obediente selvagem das Ilhas Fitji, resigno-me à situação antropológica de ser um selvagem das Ilhas Fitji, eventualmente fotografado com a pilinha à mostra, e em tomar a palavra neste Forum dos Aflitos. Um advogado, por amor de deus, enquanto espero pelo médico, um etnógrafo, por amor de Malinowski, enquanto espero por um sociólogo.
Um psicólogo social, por amor de Marcuse, enquanto espero por um epistemólogo e, na falta deste, por um Etólogo ou mesmo -- em tempo de crise -- um Entomologista. Que me falta para ser um Insecto Perfeito? Senhor Doutor Juiz, juro dizer a verdade, apenas a verdade. Ou seja, simular com este conto de ficção, o ensaio de ideias que não tive ocasião de publicar antes do mestre Baudrillard publicar os seus dele. Mas generalizem, já agora, e se não se importam, imaginem quantos selvagens -- daqueles que vocês ainda não conseguiram exterminar -- , imaginem quantos selvagens como eu, ignorantes, falhados, analfabetos, áfonos, se não estarão rebolando hoje de raiva, inveja e gozo, na mesma dúvida hamlética: foi o Baudrillard que me plagiou as ideias ou fui eu que plagiei o Baudrillard?
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(*) Jean Baudrillard - Simulacros e Simulação - Ed. Relógio d’Água - Lisboa, 1991- 201 pg,
Outros livros de Jean Baudrillard na «Biblioteca do Gato»:
Jean Baudrillard - O Crime Perfeito – Ed. Relógio d’Água – Lisboa, Março de 1996 – 190 pg
Jean Baudrillard – L’Échange Symblique et la Mort NRF – Ed. Gallimard – Paris, 1976 – 343 pg
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