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Wednesday, February 08, 2006

OSHAWA 95

restos-9> - ac - chave para publicados ac desde anos 50/60... - temática ecologia humana 1978 restos desdatados de um diário de um estudioso de alquimia alimentar

A DOCE ILUSÃO

9/2/1995 - Para Oshawa e seus discípulos-papagaios, Macrobiótica era a arte de prolongar a vida até aos 180 anos... Uma longevidade dada de presente a quem «gramasse» com paciência, resignação e fé, arroz o resto da vida. Como todos pensam que a longevidade é uma coisa «boa» e aspiram a esse ideal como aspiram a tantos outros (acostumados que foram, na cultura ocidental, a inconformar-se com a realidade), foi fulminante o êxito da Macrobiótica enquanto arte de prolongar a vida até às celendas. Mas alguém ganhou coragem e veio desmistificar esta doce ilusão: trata-se de interpretar o prefixo «macro» a uma luz menos fagueira e bem menos egotista. «Macro» significaria então uma visão macroscópica da vida... E mais nada. Nem vida longa, nem larga prosperidade material. Para os comedores habituais de arroz vai ser difícil roer esta pedras. Atingir a «felicidade no casamento» e «triunfar nos negócios» através da macrobiótica, eram coisas que as pessoas percebiam e achavam que valia a pena. Agora, ao abrir o diafragma da (nossa) ignorância (arrogância) sabichona para saber que somos uma palha perdida na infinita imensidão do infinito universo, não me parece, salvo seja, que a nova definição de Macrobiótica vá ter o êxito que teve a antiga utopia macrobiótica. Rejuvenescer em dez dias á algo que todos ainda percebem na sociedade de consumo e competição que abre clínicas do corpo para dar saúde, força e beleza a toda a gente que lá for e pagar. Compreender que o homem é uma célula do Corpo Universal e que o Yin-Yang é a respiração desse corpo, eis uma ginástica que não vai certamente interessar nem um por cento dos macrobióticos em vigor. Uma apostinha?
Pela desordem se percepciona a ordem do universo.
Com vários restaurantes a funcionar na área de Lisboa e Porto, o movimento macrobiótico vai de vento em popa e a bicha para o almoço aumenta de dia para dia. Por um lado a falência da medicina violenta e mercenária, por outro lado a carestia dos produtos alimentares na base de carne e peixe, vai insensivelmente atirando as pessoas para o solução yin-yang do arroz. Há quem veja nisto um acidente. Mas há quem veja nisto um sintoma revelador do plano geral que se cumpre como o previsto nas profundezas. A Macrobiótica não é assim mais um regime dietético (apenas), com miríficos frasquinhos, receituários e culinárias - tudo sob a benção de românticos mitos naturais e biológicos - mas uma alternativa à sociedade de consumo e ao consumo da sociedade. Vista deste lado, ela pode não criar muitos adeptos, pois é um facto que a maioria se está nas tintas para soluções de salvação colectiva e cada um procura, acintosamente, o próprio «salve-se quem puder»: mas cria, com certeza, adeptos mais conscientes. Irá sendo tempo de à ruminação do arroz se substituir um certo sentido do yoga alimentar ou consciencialização da energia que implica o acto de comer. Irá sendo tempo de (se) perceber que não existimos para comer mas comemos para existir (compreender a ordem do universo). Irá sendo tempo de recusar todos os beatismos, sejam eles naturistas, anti-tabágicos ou amigos da natureza, pois nada tem a ver com isso a concepção energética do universo, o corpo como átomo da energia universal. Se é só a desordem que, por enquanto, nos choca e rodeia, se é o Dualismo que reina como tirania de sistemas que daí usufruem o seu esplêndido negócio, a Macrobiótica ensina a quem quiser aprender, que essa desordem nos anuncia (como dogma ou lei fundamental da Energia) a ordem do Universo que tantas superstições científicas e ciências supersticiosas nos habituaram a pôr em causa. Livrar-nos (em parte) do fascismo médico, não é afinal o único mérito da Macrobiótica. Comer arroz não é só panaceia terapêutica, não serve só para curar doenças e evitá-las, permitindo que o cidadão se integre de novo e em forma na engrenagem trituradora e vergonhosa do canibalismo consumidor. «Comer arroz» não é apenas uma forma de readaptar o inconformismo à Engrenagem mas uma técnica para nos libertar, para nos desalienar, e uma escada Magirus para nos tirar (ajudar a tirar) do Poço, do Caos, da Desordem.
[Ver in «DA, 30/12/1978 ]
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