FRITJOF CAPRA 1987
1-3 - 87-07-18-ls> = leituras selectas
O DESAFIO DE FRITJOF CAPRA - INVESTIGAR O FUTURO(*)
(*)Este texto de Afonso Cautela, indubitavelmente 5 estrelas, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», em 18 de Julho de 1987
[18-7-1987, in «A Capital»] - Investigadores, bibliotecários e arquivistas do passado, queixam-se do abandono a que foi votado o património documental do País.
As maiores autoridades no domínio da arquivística pronunciaram-se no colóquio realizado durante a 57.ª Feira do Livro de Lisboa, a respeito da indiferença geral que reina sobre os nossos maiores tesouros documentais, fontes históricas insubstituíveis, sem as quais o País perde a sua memória colectiva e, portanto, a identidade.
Sem as quais o País se desintegra. Após muitos anos em que Estado e governos ignoraram olimpicamente uma parte importante da nossa própria existência como povo e como País (a outra é o território físico, não menos deitado aos bichos) parece agora esboçar-se, com a reorganização da Torre do Tombo, a cuja comissão preside o prof. José Mattoso, uma viragem nesta situação de catástrofe. É possível que ainda vamos a tempo de salvar do dilúvio universal alguns arquivos e documentos importantes.
Encaminhada a recuperação da nossa memória colectiva, com a ajuda da informática, ocorreu-me que não seria talvez gratuito aparecer alguém, entre investigadores, bibliotecários, e arquivistas do futuro, a reivindicar também uma acção urgente com o objectivo de não perdermos o nosso sentido de orientação como povo: A Imaginação Criadora, na qual se deve considerar incluída, por definição, a Investigação Cientifica.
Talvez o material de trabalho destes investigadores não se encontre, como o dos outros (os do passado), encaixotado algures num barracão, nem sejam tão nítidas as fronteiras do que importa preservar e salvaguardar para que, diante do apocalipse, a linha de rumo não se perca.
Talvez as balizas que delimitam os arquivos do futuro não sejam tão nítidas (e com certeza não são) como aquelas que definem os arquivos do passado.
Mas isso não retira importância à Historiografia Prospectiva ou Ciência do Futuro, e ao material arquivístico que é necessário coordenar para sistematizar esse novo campo da Ciência.
É que, de repente, tudo o que as ficções mais ou menos científicas tinham colocado num limbo de relativa (in)verosimilhança ou (im)probabilidade, torna-se um facto brutalmente instalado na nossa vida real quotidiana.
Com a crise ecológica e a ameaça de holocausto nuclear, o inverosímil torna-se verosímil e o improvável torna-se provável.
A verdade quase comezinha, quase lapaliciana, é de repente posta sem que muitos tenham tido tempo ainda de a assimilar: pode não haver futuro, o tempo e a história deixaram de poder ser considerados uma realidade inesgotável em expansão infinita.
Ora, se não houver futuro, de nada serve preservar o passado, de nada serve a memória conservada, no Tombo ou algures. Destruído o futuro, eis que o passado é também automaticamente destruído, diria o senhor de Lapalisse.
Não sei, porém, se esta realidade comezinha e lapaliciana já terá tocado verdadeiramente os chamados cérebros responsáveis do nosso tempo, que vemos continuarem agindo como se tivessem a eternidade à sua frente e o apocalipse não estivesse já inscrito, na história dos acontecimentos, como hipótese a considerar. A Hipótese.
Mas para que o fim da história não se torne uma noção paralisante das pessoas e dos povos, tão paralisante como o excesso de passadismo, teremos de cultivar, em primeira prioridade, não só a memória do que foi mas a imaginação do que pode ser.
Sem imaginação eco-alternativa, que nos permita ultrapassar, como espécie humana, o impasse da tecnocracia moderna (que só pode conduzir à autodestruição do Planeta, como a Termodinâmica demonstra de maneira física irrefutável), arriscamo-nos a perder o precioso passado que tantos investigadores, arquivistas e bibliotecários justamente tanto acarinham.
Mesmo que essa tecnocracia se afadigue, por óbvio mercenarismo, a informatizar "up to date", a microfilmar e a reduzir a ficha automática milhões de documentos até agora inacessíveis, talvez convenha não confundir essa feérica e febril actividade com o nosso futuro e sobrevivência.
Por mais que se informatize o passado, terá que se desinformatizar bastante o futuro para que este simplesmente venha a ser possível. Sem a desintoxicação de tecnologia informática e de computadores, o planeta sucumbirá e com ele a humanidade.
Os «arquivistas do futuro», como lhes chamei, descobriram e sentem que a humanidade, finalmente, vive a prazo e que o futuro já não é inesgotável (tal como se descobriu que as grandes massas oceânicas ou a estratosfera ou atmosfera não eram inesgotáveis).
Tal como um doente incurável, a Humanidade terá de reorganizar o seu espaço em função do tempo que ainda lhe resta.
Arquivistas do futuro são aqueles investigadores que procuram descobrir onde foi o ponto de rotura, onde é que esta «civilização» entre aspas, que traz o rei na barriga e a destruição na alma, errou.
Não há ainda uma editora especializada nesta área temática, a que, à falta de melhor, chamaremos de «novo underground»: mas multiplicam-se os testemunhos e as obras-chave que apontam para a nova consciência planetária de auto-conservação da espécie, campo aberto que poderíamos designar por Ciências Holísticas, quer dizer, as ciências que, embora aprofundando recintos particulares, o fazem sempre em referência ao todo, ao global (do globo terrestre) e ao universal (do universo imenso das galáxias).
Tal como o professor José Mattoso dizia dos arquivos do passado, «é cada vez mais nítida e generalizada a consciência de que os nossos problemas começam estruturalmente muito antes», também o arquivista do futuro poderá declarar: «É cada vez mais nítida e generalizada a consciência de que os nossos problemas começam estruturalmente muito depois de nós."
Sem dúvida que para explicar o presente podemos pedir explicação ao passado. Mas para agir no presente, teremos que pedir explicações ao futuro.
Na medida em que o presente tende a afunilar-se num beco sem saída, não podemos estar entregues exclusivamente a interrogar o passado: antes de explicarmos o que somos, pode ser que deixemos de ser, pura e simplesmente.
Evitá-lo é o objectivo fundamental do pensamento eco-alternativo, apoiado em todas as ciências da área holística ou ciências holísticas, movimento e pensamento estes provocados pelo imperativo categórico da crise ecológica
Se chegámos a ela e à eventualidade de um holocausto, que pode até não ser nuclear, que poderá mesmo ser climático, holocausto que acabaria não só com o presente mas com todos os vestígios do passado, a primeira prioridade de uma cultura não suicida, de um povo não suicida, de uma edição não suicida, é saber o que nos levou a esta crise e como ultrapassar dialecticamente o património ideológico que, através dos séculos, filosofias e sistemas, lá (cá) nos conduziu.
Entre os arquivistas do futuro que sistematizaram as causas passadas destes efeitos críticos, está Fritjof Capra, que podemos hoje apontar como o teorizador e diagnosticador da Doença estrutural chamada Civilização Tecno-Industrial.
É em edição brasileira que o vamos encontrar, nas suas duas obras de fundo: «O Tao da Física» e «O Tempo da Transformação».
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(*) Este texto de Afonso Cautela, indubitavelmente 5 estrelas, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», em 18 de Julho de 1987
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O DESAFIO DE FRITJOF CAPRA - INVESTIGAR O FUTURO(*)
(*)Este texto de Afonso Cautela, indubitavelmente 5 estrelas, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», em 18 de Julho de 1987
[18-7-1987, in «A Capital»] - Investigadores, bibliotecários e arquivistas do passado, queixam-se do abandono a que foi votado o património documental do País.
As maiores autoridades no domínio da arquivística pronunciaram-se no colóquio realizado durante a 57.ª Feira do Livro de Lisboa, a respeito da indiferença geral que reina sobre os nossos maiores tesouros documentais, fontes históricas insubstituíveis, sem as quais o País perde a sua memória colectiva e, portanto, a identidade.
Sem as quais o País se desintegra. Após muitos anos em que Estado e governos ignoraram olimpicamente uma parte importante da nossa própria existência como povo e como País (a outra é o território físico, não menos deitado aos bichos) parece agora esboçar-se, com a reorganização da Torre do Tombo, a cuja comissão preside o prof. José Mattoso, uma viragem nesta situação de catástrofe. É possível que ainda vamos a tempo de salvar do dilúvio universal alguns arquivos e documentos importantes.
Encaminhada a recuperação da nossa memória colectiva, com a ajuda da informática, ocorreu-me que não seria talvez gratuito aparecer alguém, entre investigadores, bibliotecários, e arquivistas do futuro, a reivindicar também uma acção urgente com o objectivo de não perdermos o nosso sentido de orientação como povo: A Imaginação Criadora, na qual se deve considerar incluída, por definição, a Investigação Cientifica.
Talvez o material de trabalho destes investigadores não se encontre, como o dos outros (os do passado), encaixotado algures num barracão, nem sejam tão nítidas as fronteiras do que importa preservar e salvaguardar para que, diante do apocalipse, a linha de rumo não se perca.
Talvez as balizas que delimitam os arquivos do futuro não sejam tão nítidas (e com certeza não são) como aquelas que definem os arquivos do passado.
Mas isso não retira importância à Historiografia Prospectiva ou Ciência do Futuro, e ao material arquivístico que é necessário coordenar para sistematizar esse novo campo da Ciência.
É que, de repente, tudo o que as ficções mais ou menos científicas tinham colocado num limbo de relativa (in)verosimilhança ou (im)probabilidade, torna-se um facto brutalmente instalado na nossa vida real quotidiana.
Com a crise ecológica e a ameaça de holocausto nuclear, o inverosímil torna-se verosímil e o improvável torna-se provável.
A verdade quase comezinha, quase lapaliciana, é de repente posta sem que muitos tenham tido tempo ainda de a assimilar: pode não haver futuro, o tempo e a história deixaram de poder ser considerados uma realidade inesgotável em expansão infinita.
Ora, se não houver futuro, de nada serve preservar o passado, de nada serve a memória conservada, no Tombo ou algures. Destruído o futuro, eis que o passado é também automaticamente destruído, diria o senhor de Lapalisse.
Não sei, porém, se esta realidade comezinha e lapaliciana já terá tocado verdadeiramente os chamados cérebros responsáveis do nosso tempo, que vemos continuarem agindo como se tivessem a eternidade à sua frente e o apocalipse não estivesse já inscrito, na história dos acontecimentos, como hipótese a considerar. A Hipótese.
Mas para que o fim da história não se torne uma noção paralisante das pessoas e dos povos, tão paralisante como o excesso de passadismo, teremos de cultivar, em primeira prioridade, não só a memória do que foi mas a imaginação do que pode ser.
Sem imaginação eco-alternativa, que nos permita ultrapassar, como espécie humana, o impasse da tecnocracia moderna (que só pode conduzir à autodestruição do Planeta, como a Termodinâmica demonstra de maneira física irrefutável), arriscamo-nos a perder o precioso passado que tantos investigadores, arquivistas e bibliotecários justamente tanto acarinham.
Mesmo que essa tecnocracia se afadigue, por óbvio mercenarismo, a informatizar "up to date", a microfilmar e a reduzir a ficha automática milhões de documentos até agora inacessíveis, talvez convenha não confundir essa feérica e febril actividade com o nosso futuro e sobrevivência.
Por mais que se informatize o passado, terá que se desinformatizar bastante o futuro para que este simplesmente venha a ser possível. Sem a desintoxicação de tecnologia informática e de computadores, o planeta sucumbirá e com ele a humanidade.
Os «arquivistas do futuro», como lhes chamei, descobriram e sentem que a humanidade, finalmente, vive a prazo e que o futuro já não é inesgotável (tal como se descobriu que as grandes massas oceânicas ou a estratosfera ou atmosfera não eram inesgotáveis).
Tal como um doente incurável, a Humanidade terá de reorganizar o seu espaço em função do tempo que ainda lhe resta.
Arquivistas do futuro são aqueles investigadores que procuram descobrir onde foi o ponto de rotura, onde é que esta «civilização» entre aspas, que traz o rei na barriga e a destruição na alma, errou.
Não há ainda uma editora especializada nesta área temática, a que, à falta de melhor, chamaremos de «novo underground»: mas multiplicam-se os testemunhos e as obras-chave que apontam para a nova consciência planetária de auto-conservação da espécie, campo aberto que poderíamos designar por Ciências Holísticas, quer dizer, as ciências que, embora aprofundando recintos particulares, o fazem sempre em referência ao todo, ao global (do globo terrestre) e ao universal (do universo imenso das galáxias).
Tal como o professor José Mattoso dizia dos arquivos do passado, «é cada vez mais nítida e generalizada a consciência de que os nossos problemas começam estruturalmente muito antes», também o arquivista do futuro poderá declarar: «É cada vez mais nítida e generalizada a consciência de que os nossos problemas começam estruturalmente muito depois de nós."
Sem dúvida que para explicar o presente podemos pedir explicação ao passado. Mas para agir no presente, teremos que pedir explicações ao futuro.
Na medida em que o presente tende a afunilar-se num beco sem saída, não podemos estar entregues exclusivamente a interrogar o passado: antes de explicarmos o que somos, pode ser que deixemos de ser, pura e simplesmente.
Evitá-lo é o objectivo fundamental do pensamento eco-alternativo, apoiado em todas as ciências da área holística ou ciências holísticas, movimento e pensamento estes provocados pelo imperativo categórico da crise ecológica
Se chegámos a ela e à eventualidade de um holocausto, que pode até não ser nuclear, que poderá mesmo ser climático, holocausto que acabaria não só com o presente mas com todos os vestígios do passado, a primeira prioridade de uma cultura não suicida, de um povo não suicida, de uma edição não suicida, é saber o que nos levou a esta crise e como ultrapassar dialecticamente o património ideológico que, através dos séculos, filosofias e sistemas, lá (cá) nos conduziu.
Entre os arquivistas do futuro que sistematizaram as causas passadas destes efeitos críticos, está Fritjof Capra, que podemos hoje apontar como o teorizador e diagnosticador da Doença estrutural chamada Civilização Tecno-Industrial.
É em edição brasileira que o vamos encontrar, nas suas duas obras de fundo: «O Tao da Física» e «O Tempo da Transformação».
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(*) Este texto de Afonso Cautela, indubitavelmente 5 estrelas, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», em 18 de Julho de 1987
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