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Wednesday, June 14, 2006

ALIENAÇÃO 1970

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A RAZÃO DE OUTRAS RAZÕES (*)

[(1) - "Alienação e Liberdade no Pensamento Contemporâneo", textos de John Robinson, Arthur Koestler, Michel Drancourt, Alfred Fabre-Luce, Jean William Lapierre, André Amar, Desmond Morris, Michel Foucault e Raymond Aron - Colecção "Cadernos do Século", n°. 7. - Ed. "O Século", Lisboa, 1970.]

14/Junho/1970

Não seria difícil encontrar os pontos comuns que aproximam os vários testemunhos compilados neste livro (1): pensamento de vanguarda, em todos eles existe a preocupação de analisar e criticar o presente, visionando, contudo, as necessidades e virtualidades de amanhã.
Um ponto há comum a quase todos: a relatividade cultural.
Quer dizer: cada vez se compreende melhor que o homem, na acepção de espécie ou raça humana, não é apenas o ocidental, segundo os padrões e modelos que foi mais ou menos impondo a todo o mundo.
Há o direito e a urgência de dar voz a outras vozes, de fazer entrar na História outros tipos culturais (outras “epistemologias", diria Foucault) e a antropologia, finalmente ciência porque universal, abre-se às novas formas do humanos conhecidas e por conhecer, até agora menosprezadas ou ignoradas, porque a espécie se apresenta de facto una mas diversa, susceptível de diversos padrões de comportamento que são outros tantos universos culturais.
Especialmente Desmond Morris, Arthur Koestler e Michel Foucault, acentuam a urgência de dar razão às outras razões que não apenas a greco-latina, romana, judaica e adjacentes.
Caminhar-se-á, de facto, para um mundo de tolerância, embora através de intolerâncias e violências sem conta?
Haverá um equilíbrio universal, de que muitas vezes nos não apercebemos, dentro da nossa óptica forçosamente limitada porque humana mas que testemunhos como alguns dos que aqui divulgamos nos ajudam a consciencializar, lenta e penosamente como todo o processo gestativo?
Sempre que observamos uma hipertrofia, um desequilíbrio ou um paroxismo, não haverá sempre, algures e em surdina, em silêncio e anonimamente, o seu contraponto positivo, o seu termo de correcção, o seu contrário dialéctico?
Sem esta esperança de três interrogações, a História, de facto, apodreceria sem remédio e à espécie humana não restaria mais do que uma asfixia gradual, nas carências primeiro, na abundância e no tédio, por último.
Tão foi por acaso que ao termo “alienação” - que figura no título dessa breve antologia - quisemos adiantar o de liberdade.
Se são mais intensos, audíveis e trágicos os sinais da primeira, não deixam, porém, de ouvir-se já, através de alguns porta-vozes mais lúcidos, ou vais sensíveis, ou mais prospectivos, os sinais da segunda.

SÍNTESE NA EXPERIÊNCIA

A necessidade de síntese é outro leit-motiv dos artigos ali compilados. A vivência ou experiência apresenta-se a quase todos como parte integrante e vital de um novo, de um próximo, de um futuro humanismo. A síntese realiza-se, desta feita, no laboratório de cada um. Ensaiar o pensamento é apresentar um itinerário, pontuado de datas, um diário de pesquisas e inquietações.
O verdadeiro pensador contemporâneo do futuro não notifica o pensar alheio (só o imprescindível para prefaciar o seu) ou as alheias experiências.
Não vive nem pensa por procuração.
Realiza em si, por necessária assimilação, a síntese de todas as análises. Recria a ordem a partir do caos de conhecimentos a que a divisão das ciências reduziu o homem moderno.
Falar de si é sempre e afinal mais importante (porque original e global) do que falar de algo exterior e estranho Testemunhar parece o caminho de um filosofar prospectivo, que cada vez mais desdenha o discurso erudito, a oração de sapiência, o cadeirão académico, que se recusa a mimetizar e a reproduzir.
No caos das ciências subdivididas e multiplicadas, o conhecimento humaniza-se pela prática ("connaitre" é "nascer com"), a teoria vitaliza-se.

ACTORES DA HISTÓRIA

Pensar a História e comparticipar simbolicamente da acção, eis o consciente ou inconsciente objectivo do que procura trocar o laboratório, a cátedra ou o gabinete pelo mundo a transformar. A primeira civilização que se contesta a si própria (André Malraux) é também a civilização em que se perdeu a "identidade entre o homem e o cosmos”, entre o “Homem e Deus" (ainda segundo Malraux). ,
Pela filosofia e seus teóricos, procura-se a unidade ou identidade perdidas. Mas a filosofia, enquanto linguagem, é ainda símbolo desligado das coisas. O filósofo novo procura, pois (Malraux exemplifica ao fazer das suas anti-memórias uma suma filosófica) reunificar o mundo através da experiência-vivência, da qual não pode nem quer desligar a teoria.
Mais ou menos, este índice é comum aos escritores apresentados: filosofam pela experiência e, tendo a noção explícita ou implícita da dualidade filosofia-história, pensamento-acção, teoria-prática, procuram a unidade sendo actores e agentes dessa história. No acto e na acção de escrever.
Pensam a História enquanto comparticipam simbolicamente da acção.
Maio de 1968 serve de exemplo à vaga de síntese ( o essencial do essencial) que caracteriza, por causa e por efeito, o pensamento de uma circunstância revolucionária. Todo o supérfluo e analítico se substituem então, por força da eficácia requerida na acção, da urgência na síntese.
Na vasta literatura inerente, se há casos de psitacismo inútil, podem no entanto ver-se outros típicos da palavra-experiência, do pensamento-acção. Especialmente, é claro, se nos reportarmos aos líderes, aos actores e não aos comentaristas ou aproveitadores do sucesso.

VOCAÇÃO DIALÉCTICA

Fundamentalmente questão de equilíbrio - logo de movimento - a dialéctica nunca poderá ser operação simplesmente mental.
O seu uso e exercício depende, como qualquer outra arte, de uma técnica inicial e logo de uma aprendizagem, mas também de pendor inato, de certo talento e, digamos o chavão metafísico, de vocação.
Adquire-se e aprende-se a técnica e ciência que nela haverá, mas virá a depender muito da arte que nela se puser. Arte, quer dizer, de intuição, de poder imaginário, de espontâneo raciocínio, etc.
Porque ser dialéctico na acção é relacionar tudo constantemente com tudo, detectar afinidades, superar antinomias, unir campos desavindos, contrapor teses ou teorias antagónicas, reconciliar termos antinómicos: o que não se consegue por operações analíticas sucessivas mas por sucessivas operações de síntese. Agir no pensamento e pensar na acção (como provam hoje os líderes mundiais da dialéctica) exige, não há dúvida, vocação... Assim as circunstâncias históricas a coadjuvem e vê-la-emos nascer, florir, frutificar.
Compreender, compreender, compreender.

O CANSAÇO TECNOCRÁTICO

Um certo pensamento de esquerda - um "socialismo de rosto humano" - insurge-se contra a tecnocracia, mas não alinha com os contestatários radicalistas dessa Tecno-burocracia, em globo considerada, desde que, aparentemente, os postulados da ciência e da técnica, como únicos vectores culturais possíveis para desembrulhar a História e fazer avançar o desenvolvimento, sejam também contestados.
Henri Lefèbvre, entre outros, apresenta a saída dialéctica que é sempre uma saída para o que saída talvez não tenha.
Quando António José Saraiva contesta a "civilização burguesa" e parece fazer o elogio de um neo-tribalismo rural, pré-industrial, os seus críticos apenas o entendem como um "reaccionário", porque eles apenas conhecem a alternativa "ou tecnocracia" ou "reacção", esquecendo-se que, como ninguém pode garantir a fisionomia do futuro, o progresso daqui a dez anos pode revestir exactamente esses aspectos que hoje nos parecem reaccionários, porque nós apenas temos padrões do passado para os imaginar.
Quero dizer: o futuro pode inventar formas sociais e culturais pós-industriais que, porque o são, parecem hoje aos curtos de vista pré-industriais.
Recusar a "ordem industrial" ou Tecno-burocracia, porque não há-de ser uma etapa pós-industrial e porque não há-de ser progresso o que profetas como Saraiva, Allan Watts, Cohn Bendit, Herbert Marcuse, Allen Ginsberg, preconizam, recusando a Indústria e a era pós-industrial?
Porque havemos de imaginar sempre uma sociedade Unitária, Monolítica, sem diálogo - em vez de uma sociedade onde coexistam Indústria e Tribalismo, Cidade e Campo, os funcionários da Tecno-Burocracia e os que apenas querem ser, amar, viver, existir?
Aliás, se a própria sociedade margina, pela exploração do homem pelo homem, os seus párias (em ghettos adrede preparados, em bairros da lata) porque é que hipocritamente não consente aqueles que se auto-segregam e rejeitam o paraíso da abundância que até (como se prova) nem é para todos e só para os funcionários arregimentados e obedientes da Ordem Estabelecida?
O cansaço do labirinto tecnológico e tecnocrático, só terá para os cretinos seus funcionários o sentido de um regresso à natureza, ao Rousseau, ao subdesenvolvimento, ao tribalismo, etc.)?
Porque não há-de ter como tem o sentido de um progresso? Porque se julgam monopolistas únicos do progresso, esses que seguem a vida e via da industrialização a todo o preço?
Neo-utopismo, neo-romantismo, neo-misticismo - eis três casos onde o prefixo “neo” se identifica com o conceito manifestado por Theodore Roszak, que, à Nova Cultura e à Revolução Cultural, prefere a expressão "contra-cultura", ao estudar o fenómeno que normalmente se designa por "contestação" jovem e que o autor prefere designar por "dissidência" juvenil.
Essa contra-cultura passa pela política mas não se fica por ela, porque visa a crítica de um círculo mais vasto e uma saída ou ruptura mais radical com o mais vasto círculo a traçar na cultura vigente e em causa.
Encontra-se essa contra-cultura com a antropolitica preconizada por Edgar Morin e, por certo, com a revolução não-violenta de Danilo Dolei.
Para um observador superficial, pode parecer que a contracultura ignora e omite problemas que, no entanto, estão no centro das suas preocupações: simplesmente se insere a sua crítica mais vasta a um mais vasto conjunto de problemas que geralmente não são lembrados (e mesmo omitidos, a pretexto de reaccionários ou decadentes) pelas chamadas esquerdas clássicas.
Daí uma nova esquerda profética norte-americana, afim da contra-cultura preconizada por Theodore Roszak mas que dela se distingue também por não abandonar a sociedade onde se insere.
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(1) - "Alienação e Liberdade no Pensamento Contemporâneo", textos de John Robinson, Arthur Koestler, Michel Drancourt, Alfred Fabre-Luce, Jean William Lapierre, André Amar, Desmond Morris, Michel Foucault e Raymond Aron - Colecção "Cadernos do Século", n°. 7. - Ed. "O Século", Lisboa, 1970.
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