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Thursday, June 08, 2006

VANGUARDA 1970

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RECUSA À TECNICIDADE

14-6-1970

Na sua fase de crítica, recusa e contestação, os autores, grupos, revistas ou correntes que hoje se situam na vanguarda do pensamento e da acção, que hoje representam a revolta global e radical, insurgem-se não só contra a divisão do trabalho (originada na propriedade privada das forças de produção) mas contra a divisão dos conhecimentos, contra as antinomias e contradições cada vez maiores e em maior número que a cultura vigente estabeleceu no corpo e no espírito do homem contemporâneo.
Por isso a crítica ou revolta surrealista continua a servir de modelo actual e actuante para todas as formas de revolta e revolução posteriores.
Afogado de ciências e de especialidades, dividido e subdividido pelos campos particulares a que a ciência, na sua marcha analítica foi dando lugar, desintegrado e pulverizado, cindido e dilacerado, o homem contemporâneo (padrão ocidental) encontra-se doente porque se encontra dividido e a unidade, a síntese prometida ou pretendida afasta-se cada vez mais em vez de se aproximar.
Ora isto acontece mesmo em sociedades onde uma nova ordem ou revolução, colectivizando as forças de produção daria, em princípio, lugar a uma não divisão do trabalho e esta, por sua vez, a uma não divisão de conhecimentos e assim sucessivamente. Também nessas sociedades o homem se encontra cindido por insuportáveis dualismos e antinomias, sem conquistar (ou recuperar) a unidade almejada. A unidade que é equilíbrio, saúde, felicidade, liberdade (todas estas palavras são sinónimos).
Não admira, portanto, que a revolta ou revolução juvenil (por exemplo), partindo da recusa global ao modus vivendi cultural (e nem só político ou económico) procure, na sua fase de afirmação, integrar-se em comunidades primitivas que lhes propiciem, ainda que artificiosamente e sem esperança (pois a "grande" sociedade as reabsorverá de novo, no seu torvelinho e turbilhão), uma habitat mais humano, mais próximo da unidade e da integração primordiais, fora das quais a existência se torna algo de insuportável.
Não admira que as atenções se voltem para a disciplina de outras culturas, para o esoterismo ou o ocultismo, para o zen-budismo ou para o ioga hindu, para a cabala ou para a tradição hermética, onde, pelo menos aparentemente, o processo divisionista e desintegrante da tecnicidade ou tecnologia ainda não chegou ou, se chegou, não foi tão longe.
Não admira que se rebusque uma pedagogia de tipo iniciático, que ofereça o que a pedagogia exotérica não dá: o reencontro do homem consigo mesmo, o seu reequilíbrio psicosomático, o material e o espiritual em harmonia, enfim, todas ou quase todas as antinomias resolvidas numa síntese natural, espontânea, viva.
Pois só na síntese existe vida, e o homem da cultura ocidental encontra-se Literalmente perdido num movimento de análise sem freio e sem retrocesso, desmembrado, repartido, desfeito, morto.
Não admira que, sentindo-se morto (alienado), volte todas as suas energias para ressuscitar. Ainda que os caminhos escolhidos estejam errados, aquilo de que foge é uma realidade e um facto, inenarrável fonte de inenarráveis angústias e sofrimentos. Nada mais humano que o homem fuja ao sofrimento.