K. POPPER 1993
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RELENDO KARL POPPER - UM COCKTAIL DE EQUÍVOCOS E A FILOSOFIA CIENTÍFICA
Lisboa, 23/7/1993 - Num derradeiro esforço das minhas capacidades máximas de leitura, verifico que o discurso de Karl Popper será sempre para mim impenetrável. A minha inteligência não chega lá, porque a minha sensibilidade não coincide com a dele. Mas além da minha incapacidade reconhecida de leitor, há ainda uma outra questão: estamos em mundos (universos) diferentes, tão diferentes que nenhum de nós poderia estar no outro. Ele, filósofo, tem o estatuto de filósofo científico que lhe dá o direito à vida. Eu, por oposição, não tenho estatuto nenhum e, como tal, não tenho o direito de estar vivo. O meu mundo, ou nunca existiu, ou nunca existirá. Sou de facto um equívoco e como equívoco sobrevivo.
De Nietzsche, por exemplo, arrumado equivocamente na história da filosofia, sinto-me em companhia e no mesmo mundo, sensação inexplicável mas provavelmente também um equívoco. Sinto-me grato ao destino de nunca ter ido para Filosofia, de nunca ter ido para nada. Se me tivesse matriculado em Filosofia, imagino o sofrimento: não é a minha linguagem, não é o meu Oxigénio, não é a minha galáxia.
Ainda bem que, embora equivocamente seduzido pela Filosofia - onde julguei navegar com os equívocos criados pelos ensaios de António Sérgio - nunca me meti pela filosofia académica com estatuto. Teria sido uma prisão bem mais dura do que a cela onde agonizo - o tal mundo onde habito e que, de todo, à face da filosofia científica, não existe nem pode existir.
Ler esta «Autobiografia Intelectual» de Karl Popper (edição Cultrix, 1976) é uma operação de masoquismo e autoflagelação. Equivocamente, ele está na estante onde guardo o que resta dos meus iniciados (autores) de estimação, exemplos para a minha própria iniciação.
A qual iniciação - disso tenho a certeza - não passa nunca pela Filosofia, nem por Popper, nem por N. Bohr, nem por Einstein, nem por outros pensadores judeus tão ilustres. Mundo onde nunca, nunca, nunca poderia entrar. E possivelmente a sociedade onde a custo sobrevivo (náufrago de mil poluições) está a sofrer importantes influxos desse e de outros filósofos, pois segundo ouço dizer ao assessor Carlos Espada, os filósofos influenciam o tecido social.
Se for assim, eu devo ter alguns centímetros de pele popperianos, platonianos outros, kantianos outros ainda. O que nunca poderia era lê-los. Ou se os lesse, logo os vomitaria. É fisiológico. Como, curiosamente, estou vomitando esta almôndega para mim incomestível, que se chama «Autobiografia Intelectual». Por mero masoquismo. Inveja e medo entram neste cocktail de equívocos.
Tal como quando entro na Livaria Bucholz (que festejou ontem 50 anos), sinto medo, vergonha, inveja quando ando neste texto de Popper. Como se pode ser tão inteligente, meu Deus! A alta ciência sempre me deixou assim insignificante : quase que sinto o dedo da mão gigantesca esmagar-me, quase ouço o «click» da pulga esborrachada. É o outro mundo a que pertenço, mas não sei onde fica, ando perdido neste, onde não posso entrar ou entro a medo e com receio de ser, como pulga, detectado e higienicamente esmagado! Se chamavam filósofos aos da Alquimia, pergunto-me quem usurpou a palavra: se eles, se ela.
Porque nada há de comum entre os filósofos da Obra e os da História da Filosofia escrita por universitários para universitários (em circuito fechado). É que não há hipótese destes mundos se encontrarem. Ou porque se encontram em espaços diferentes, ou porque se encontram em diferentes tempos.
Mas são estes da filosofia científica que hoje monopolizaram o nome de Filósofos e se encontram colados ao Poder Político, serão portanto os outros que deverão ficar calados, no silêncio onde estão há milhares de anos se preservam dos olhares profanos. Mesmo quando há incursões no seu mundo calado, de tagarelas como Umberto Ecco, Hawking, Prigogine, Fritjof Capra, temíveis tartufos que querem fazer o aggiornamento das duas galáxias a milhões de anos-luz de distância uma da outra.
O surto recente destes tartufos é, para mim, ainda mais compreensível do que os puros cientistas da pura ciência filosófica que definitivamente meteram na arca das antiqualhas a Alquimia dos filósofos e ingenuidades afins. Os (rotulados) existencialistas tentaram fugir à ditadura, mas acho que foram bastante mal sucedidos - navegando na terra de ninguém entre as duas galáxias - sem pátria, um pouco como eu à procura de abrigo, pois as estrelas, só as estrelas, por mais que se diga, são um ambiente inóspito, ainda que menos violento do que entrar na Livraria Bucholz para rezar. E dar de caras com o Eduardo Prado Coelho, seguro de si, das suas teorias, das suas leituras, dos seus sintagmas, dos seus livros, das suas bibliografias, da sua bagagem cultural, do seu ar de génio mundialmente reconhecido.
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RELENDO KARL POPPER - UM COCKTAIL DE EQUÍVOCOS E A FILOSOFIA CIENTÍFICA
Lisboa, 23/7/1993 - Num derradeiro esforço das minhas capacidades máximas de leitura, verifico que o discurso de Karl Popper será sempre para mim impenetrável. A minha inteligência não chega lá, porque a minha sensibilidade não coincide com a dele. Mas além da minha incapacidade reconhecida de leitor, há ainda uma outra questão: estamos em mundos (universos) diferentes, tão diferentes que nenhum de nós poderia estar no outro. Ele, filósofo, tem o estatuto de filósofo científico que lhe dá o direito à vida. Eu, por oposição, não tenho estatuto nenhum e, como tal, não tenho o direito de estar vivo. O meu mundo, ou nunca existiu, ou nunca existirá. Sou de facto um equívoco e como equívoco sobrevivo.
De Nietzsche, por exemplo, arrumado equivocamente na história da filosofia, sinto-me em companhia e no mesmo mundo, sensação inexplicável mas provavelmente também um equívoco. Sinto-me grato ao destino de nunca ter ido para Filosofia, de nunca ter ido para nada. Se me tivesse matriculado em Filosofia, imagino o sofrimento: não é a minha linguagem, não é o meu Oxigénio, não é a minha galáxia.
Ainda bem que, embora equivocamente seduzido pela Filosofia - onde julguei navegar com os equívocos criados pelos ensaios de António Sérgio - nunca me meti pela filosofia académica com estatuto. Teria sido uma prisão bem mais dura do que a cela onde agonizo - o tal mundo onde habito e que, de todo, à face da filosofia científica, não existe nem pode existir.
Ler esta «Autobiografia Intelectual» de Karl Popper (edição Cultrix, 1976) é uma operação de masoquismo e autoflagelação. Equivocamente, ele está na estante onde guardo o que resta dos meus iniciados (autores) de estimação, exemplos para a minha própria iniciação.
A qual iniciação - disso tenho a certeza - não passa nunca pela Filosofia, nem por Popper, nem por N. Bohr, nem por Einstein, nem por outros pensadores judeus tão ilustres. Mundo onde nunca, nunca, nunca poderia entrar. E possivelmente a sociedade onde a custo sobrevivo (náufrago de mil poluições) está a sofrer importantes influxos desse e de outros filósofos, pois segundo ouço dizer ao assessor Carlos Espada, os filósofos influenciam o tecido social.
Se for assim, eu devo ter alguns centímetros de pele popperianos, platonianos outros, kantianos outros ainda. O que nunca poderia era lê-los. Ou se os lesse, logo os vomitaria. É fisiológico. Como, curiosamente, estou vomitando esta almôndega para mim incomestível, que se chama «Autobiografia Intelectual». Por mero masoquismo. Inveja e medo entram neste cocktail de equívocos.
Tal como quando entro na Livaria Bucholz (que festejou ontem 50 anos), sinto medo, vergonha, inveja quando ando neste texto de Popper. Como se pode ser tão inteligente, meu Deus! A alta ciência sempre me deixou assim insignificante : quase que sinto o dedo da mão gigantesca esmagar-me, quase ouço o «click» da pulga esborrachada. É o outro mundo a que pertenço, mas não sei onde fica, ando perdido neste, onde não posso entrar ou entro a medo e com receio de ser, como pulga, detectado e higienicamente esmagado! Se chamavam filósofos aos da Alquimia, pergunto-me quem usurpou a palavra: se eles, se ela.
Porque nada há de comum entre os filósofos da Obra e os da História da Filosofia escrita por universitários para universitários (em circuito fechado). É que não há hipótese destes mundos se encontrarem. Ou porque se encontram em espaços diferentes, ou porque se encontram em diferentes tempos.
Mas são estes da filosofia científica que hoje monopolizaram o nome de Filósofos e se encontram colados ao Poder Político, serão portanto os outros que deverão ficar calados, no silêncio onde estão há milhares de anos se preservam dos olhares profanos. Mesmo quando há incursões no seu mundo calado, de tagarelas como Umberto Ecco, Hawking, Prigogine, Fritjof Capra, temíveis tartufos que querem fazer o aggiornamento das duas galáxias a milhões de anos-luz de distância uma da outra.
O surto recente destes tartufos é, para mim, ainda mais compreensível do que os puros cientistas da pura ciência filosófica que definitivamente meteram na arca das antiqualhas a Alquimia dos filósofos e ingenuidades afins. Os (rotulados) existencialistas tentaram fugir à ditadura, mas acho que foram bastante mal sucedidos - navegando na terra de ninguém entre as duas galáxias - sem pátria, um pouco como eu à procura de abrigo, pois as estrelas, só as estrelas, por mais que se diga, são um ambiente inóspito, ainda que menos violento do que entrar na Livraria Bucholz para rezar. E dar de caras com o Eduardo Prado Coelho, seguro de si, das suas teorias, das suas leituras, dos seus sintagmas, dos seus livros, das suas bibliografias, da sua bagagem cultural, do seu ar de génio mundialmente reconhecido.
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