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Wednesday, July 19, 2006

MODERNIDADE 1990

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QUAL O PAPEL DO CALÃO ESCATOLÓGICO NA MODERNIDADE LITERÁRIA? - O UMBIGO DO MUNDO - A METÁFORA ORGÂNICA

Lisboa, 20/Julho/1990 - 5 horas manhã, sexta-feira - «Pantagruel» é o mais moderno dos romances e Rabelais, seu lendário autor, um escritor pioneiro da mais importante Intuição contemporânea.
Se tudo, nesta sociedade da Indigestão, passa pela comida, pelos intestinos e pelo cu, é tempo de se saber até onde vai a grande metáfora «pantagruélica» e de que maneira, entre pitoresca e trágica, científica e empírica, Rabelais nos legou o Arquetipo desta sociedade e desta civilização, onde domina e predomina, como Ética e como Estética, o sindroma da «grande farra».
Curiosamente mas talvez não paradoxalmente, a mesma sociedade que empanturra as vítimas do banquete, vai abrir clínicas de emagrecimento e investe todos os artifícios sintomatológicos e medidas «a posteriori», para desfazer banhas e barrigas. É o negócio do século -- e Pantagruel continua, portanto, a constituir o mito mais contemporâneo do futuro.
Na acepção taoísta dos contrários complementares, esta pletora é o outro lado da Fome que grassa no Terceiro Mundo, que grassa em Moçambique, o país mais pobre do Mundo - ou não tivessem por lá passado os portugueses, povo de rapinas rapaces, agora celebrando a gesta descobridora, colonizadora, destruidora de povos e culturas.
Enquanto a Publicidade, qual Pantagruel, continuar a constituir a principal refeição espiritual do Mundo contemporâneo, o Deus ex-máquina ao qual milhões de crentes se ajoelham, o Moloque que engole vidas, almas, vergonha, moral, justiça,as formas orgânicas do Espírito são as que Rabelais descreve no prólogo do seu «Pantagruel».
A partir daqui, tudo tem uma causa. E se a causa é Superalimento, os efeitos são, com certeza, indigestão. Há sinais de que a literatura - até a arte - tenha compreendido a intuição de Rabelais. O pintor Herman Boch eternizou os seus burgueses enterrados em merda à mesa dos grandes banquetes e «A Grande Farra» («La Grande Bouffe») ficou entre os filmes-padrão da cinematografia moderna.
Em «Terras do Poente», William Borroughs volta ao tema que já tratara, com a virulência repulsiva do vómito, em «Naked Lunch» («O Almoço Nu»).
E é quando a famigerada Poluição se trata em termos de excremento (por baixo ou por cima) que a pantagruélica mentira das ecologias de aviário assume a sua dimensão verdadeiramente orgiástica e apocalíptica.
Se a metáfora da contaminação orgânica prolifera hoje por videoclips e filmes de terror da série Z, é porque irrompe desse magma de repugnância física invencível que torna a poluição das chaminés um fenómeno até certo ponto menor, secundário e liofilizado.
Como se sabe, é na proliferação orgânica - de onde a informação «cibernética» desapareceu - é na metástase galopante, é na imunodeficiência generalizada que o mundo contemporâneo encontra os seus padrões de vida, os seus modelos, os seus estilos de vida. É nas suas «pestes medievais» que esta avançada civilização se define.
Tudo isto e muito mais se encontra contido nessa Bíblia do Estômago (centro ou umbigo do Mundo) que se chama «Pantagruel», do genial Rabelais. Procurem-na sob qualquer tradução, mas se tiverem a sorte de encontrar a que Jorge Reis fez para a Prelo Editora, com desenhos de Júlio Pomar, felicitem-se. É um triplo manjar do céu. E desforrem a barriguinha de misérias.
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A «terapêutica do vómito» pode assinalar-se em duas outras obras cinematográficas, que são «Os 120 Dias de Sodoma» (P.P. Pasolini) e «O Último Tango em Paris» (B. Bertolucci).
São pontos de um percurso que assinala de trampa o nosso tempo, merda não reciclada mas vertida em torrente sobre os próprios que a produzem, sinais de uma intuição que continua implícita (mas involuntária e inconsciente) na maior parte do discurso literário que não tem coragem de se assumir como denúncia global, deste-tempo-e-mundo. Tempo de indigestão, que só resta Vomitar.
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