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Wednesday, July 19, 2006

CPT 1978

1-3 - estela-1- polémicas ac com o meio ambiente

OS INTELECTUAIS E A ECOLOGIA (*)

(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 5/Agosto/1978

20/7/1978 - A perspectiva literária de encarar a Ecologia, de tão anacrónica tem os seus encantos e o artigo de Maria Estela Guedes, no "Diário Popular" de quinta-feira (20/7/78), se nada diz sobre o pretexto que lhe serve de base - a revista "A Urtiga” sobre a qual especula - diz muito e de maneira lapidar sobre a atitude típica de um niilismo moral e filosófico, de um decadentismo neo-romântico e boémio - irónico quantum satis - daquilo enfim que Baudelaire (já ele) terá chamado "os literatos do absinto".
Que o anacronismo não nos desvie a atenção do essencial:  A mito-psicologia latente é a mesma. E os intelectuais que não fizeram, pelo niilismo existencialista e surrealista, a sua ultrapassagem (reciclagem) encontram-se hoje, face à Ecologia, na mesma encruzilhada dos decadentistas .
Maria Estela Guedes revela no seu artigo do "Diário Popular", a posição típica de uma intelectualidade e de um esteticismo que, recusando responsabilidades históricas, se refugia em pré-conceitos de classe: é assim que a vemos incapaz de perceber n' “A Urtiga” e na alternativa ecológica algo mais do que protecção à Natureza, respeito zoófilo pelos passarinhos e toda a mitologia moral inerente ao padrão romântico e ultra-romântico da Natureza já em vigor no tempo de Almeida Garrett.
E pseudo-ironicamente "goza” com tudo isso, como se retardatário e anacrónico fosse o ecologista radical. Incapaz de perceber o que é Ecologia crítica (a falta de informação dos nossos escritores é proverbial mas eles fazem disso um medalhão), assume a atitude sobresuficiente a respeito de uma pseudo-Ecologia que inventa e que, por incapacidade, por anacronismo, é impotente para perceber nas suas implicações mais prementes e actuais. Goza com um por ela suposto anacronismo nosso (os ecologistas radicais...) quando o anacronismo é dela e , de maneira geral, dos estetas que se recusam a ir além da visão literária do Mundo.
O artigo de Estela Guedes tem a vantagem de explicitar o que centenas de literatos e artistas pensam hoje da Ecologia, sem no entanto terem a coragem de se confessarem.
O curioso do escritor é que se quer sempre à la page e na crista da vaga. Estela Guedes chega a recomendar um livro da Seuil sobre energia do sol... não fosse a malta d' “A Urtiga” , metida cá na província, ignorar o que a sempre luminosa cultura de Paris tem para nos dar.
É o fenómeno do provincianismo mental que Fernando Pessoa diagnosticou. Mesmo quando ultrapassado, não só pelos acontecimentos - facto que acontece a todos os que se julgam colocar à margem deles - mas por alguns outros compatriotas que , não estando na dependência colonial de Paris, viram em Portugal dez anos antes o que em Paris só se veria 10 anos depois - é curioso observar as piruetas a que o lítera recorre para mostrar que afinal também tinha apanhado o comboio da Ecologia. Só que o apanharam no apeadeiro errado: o do proteccionismo, conservacionismo ou museologia de Natureza.
Neste campo, aliás, têm aqui na Arrábida um precursor que também não é bonito tentar ultrapassar ou omitir: Sebastião da Gama, fundador da Liga para a Protecção da Natureza, deve ser respeitado pelos confrades, embora não esteja filiado na Associação da Rua do Loreto e não seja, portanto, oficialmente escritor português. Receio que Herculano e Fialho também não. Seria feio esquecer o poder visionário e poético (profético...) do vate Sebastião de Gama.
Mas a protecção da Arrábida é hoje a política de Ambiente conservacionista que, numa perspectiva eco-radical, serve apenas para permitir ao buldozer da destruição arrasar com mais à vontade e apetite o que lhe der na gana. Essa arqueologia de Natureza pouco ou nada tem a ver com a Ecologia d'”A Urtiga” e da corrente ecológica mundial de vanguarda.
Por mais pitosga que o escritor português se mostre a tal respeito, e por muito que ele queira agora mostrar que está super-informado, ao ponto de nos indicar bibliografia exaustiva, trata-se, num radicalismo ecológico, de estar atento não só à morte lenta e à extinção das espécies mas, acima de tudo, denunciar a morte deliberada e provocada do nosso vil quotidiano diário, chamada ora Ecocídio, ora exploração e manipulação de homem pelo homem.
Enquanto o tecnocrata-robot desvia as atenções para o lixo e a vassoura municipal chamada anti-poluição, eis que o escritor também se faz desentendido e conclui que a morte é sempre lenta e todos temos de morrer (Maria Estela dixit).
O que estes intelectuais não querem assumir nem perceber é que há um abismo entre a morte de que se morre e a morte "matada", como dizia o vosso confrade Cabral de Melo Neto. A isto chamamos nós, que não somos poetas líricos nem novelistas de talento, Eco-etnocídio, guerra civil ou luta de classes no Reino Vivo, luta ou guerra que distingue os movimentos românticos pró-Natureza - com sabor a niilismo e absinto - de uma consciência eco-revolucionária da Natureza.
O intelectual julga poder ficar sempre de fora e proclamar que não suja as mãos. "Au dessous de la melée” como queria Julien Benda e Raul Proença, já na época, fez questão de criticar apontando a pretensão.
Por onde a inteligência portuguesa ainda anda, António Sérgio!
Como é comovedor ver como a ilusão do suicídio - e de que o suicídio liberta - continua vigente, quatro décadas depois de Vachet e outros que tais.
Mitologias românticas e neo-românticas, antes das quais a D. Estela Guedas nos quer arrogantemente colocar, como se ela fosse na vanguarda e nós para aqui perdidos na selva das inconsciências.
Como dizia Cesariny, toda esta gente quer a imortalidade por dois tostões. Eu diria: talvez a Iluminação também. Em qualquer dos casos, a vanguarda ecológica já percebeu que a luta ecológica é apenas a consciência pré-iniciática e pré- (com)unitária da História, a fase avançada de uma consciência dialéctica que acompanha o movimento da realidade em vez de se deixar cavalgar por ele.
"Condenados a existir" - até Sartre o disse - nascemos para a morte quando nascemos e para a vida quando morremos.
Só que esta morte não tem nada a ver com a deliberada e provocada morte "matada” do tecno-horror.  
A morte, de facto, é a suprema ilusão e o maior equívoco que a  filosofia ocidental podia ter inventado para uso de intelectuais .

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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 5/Agosto/1978