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Tuesday, July 18, 2006

S.LEM 1972

lem-3> scan - quinta-feira, 20 de Junho de 2002

UM ESCRITOR SEM ESPERANÇA (*)

No número 17 da revista Le Nouveau Planète (Julho de 1970), Jacques Bergier publica um estudo sobre a obra de Stanislas Lem, autor polaco de ficção científica, jornalista de profissão e cujo pessimismo radical o distingue de quase todos os autores do género.
Jacques Bergier, que diz discordar das teses materialistas de Stanislas Lem não deixa de lhe reconhecer um formidável talento de escritor e uma rara bagagem de cientista. Totalmente desconhecido em Portugal, Stanislas Lem tem várias obras traduzidas para o francês
Retour das étoiles
L'Invasion venue d'Aldébaran ;
Edem;
L'Invincible ;
La Formule du professeur Limvatar.
Ed. Denoel : Journal das étoiles ; Le Livre des robots ; La Cybériade ; Solaris
Ed. Gallimard : Feu Vénus.
Resumindo as teses de Lem, podemos dizer que elas convergem sempre em um ponto: o universo é inexplicável e o homem vive mergulhado numa absoluta solidão cósmica, da qual não há saída nem esperança. Da qual não há futuro possível.
Ao contrário do postulado optimista que o racionalismo do século XIX divulgou até aos nossos dias, e segundo o qual o universo é cognoscível -só questão de dados adquiridos, pois mais cedo ou mais tarde o homem decifrará todos os enigmas que o cercam - Lem coloca as suas personagens perante barreiras intransponíveis. Principalmente barreiras de comunicação.
«O cérebro contém um calculador analógico podendo construir nos seus circuitos um modelo do universo que se deixa em seguida interpretar e que faz com que o universo possa sempre ser compreendido».
Este postulado, segundo Jacques Bergier, nem sempre é formulado tão nitidamente mas está sempre presente no espírito do cientista e constitui a sua razão de viver. Pensa-se que, se com a ajuda de máquinas extremamente caras, fornecermos ao cérebro humano dados suficientes sobre as partículas últimas da matéria, o cérebro humano poderá então compreender a matéria e, a partir desta matéria, tudo o resto.
Sempre, portanto, a mesma fé, a mesma convicção, a mesma crença: o cérebro é uma máquina que pode decifrar todo o universo, compreender tudo, sob a única condição de possuir dados. Precisará de computadores para compreender estes dados, relacioná-los e interpretá-los. mas a vitória final está assegurada.
Ora Stanislas Lem contesta radicalmente essa crença, esse postulado e essa vitória. É mesmo - segundo Jacques Bergier - o primeiro escritor de science-fiction a rejeitar o que toda a ciência oficial tem como indiscutível e inabalável. E não o faz em volumes filosóficos de restrita audiência mas através de romances apaixonantes cuja tiragem global atinge milhões de exemplares em um grande número de línguas.
Stanislas Lem como o professor Jacques Monod, prémio Nobel francês, como o professor Pierre Auger e como muitos outros espíritos, deve pensar que os limites da imaginação estão muito próximos e sofre com isso. Não retira nenhuma alegria do aspecto feérico e fantástico do Universo. Está bem longe da mentalidade do biologista inglês J.B.S. Haldane (materialista e marxista, também e todavia) que dizia: «Colecciono o que é realmente bizarro em química e física e nunca neglicencio nada».
O choque de pensamento entre posições opostas como as de Jacques Bergier (um teilhardiano convicto) e Stanislas Lem (um marxista pouco ortodoxo) é não só um curioso espectáculo de tolerância intelectual mas um fascinante exemplo a seguir para quem deseja avançar em novas direcções a caminho do desconhecido : seja ele, o futuro, possível ou impossível.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Mar Alto», na rubrica Temas de Amanhã, em 19-7-1972
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