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Tuesday, November 08, 2005

HETERODOXIA

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[(*) Este texto de Afonso Cautela, subscrito com as iniciais A.C. , foi publicado no semanário «Vida Mundial», secção «livros», 10-11-1967 ]


• HETERODOXIA - II - ensaios - Eduardo Lourenço - Coimbra Editora, 1967 - 197 págs. - 30$00.

Ao fazer a «crítica radical de toda a ideologia», Eduardo Lourenço procede, neste segundo volume da sua «Heterodoxia», publicado dezassete anos depois do primeiro, com a maior prudência, e evita que o seu pensamento se dogmatize em fórmulas imutáveis.
Oferece uma possibilidade de polémica e o diálogo que ele desejava com a cultura europeia apresenta-se agora mais urgente dentro das próprias fronteiras nacionais, entre as correntes importadas da Europa.
O livro compõe-se de um «Segundo Prólogo sobre o Espírito de Heterodoxia» e quatro ensaios: «Situação do Existencialismo», «A Dialéctica Trágica de Camus ou o Regresso a Ítaca», «Soren Kierkegaard, Espião de Deus», «Ideologia e Dogmatismo», no último dos quais assume posição relativamente aos ensaístas sistemáticos, aos «manes fraternos e mal opostos de Hegel e Marx», representantes locais de uma ortodoxia contraditória entre o que postula e o que realiza: Joel Serrão, Augusto da Costa Dias, Vitorino Magalhães Vilhena e Alberto Ferreira são os ensaístas directamente alvejados, embora haja referências de passagem a Vítor de Sá, Mário Sacramento e António Sérgio.
O contributo de Eduardo Lourenço para o pensamento português contemporâneo cifra-se principalmente nesse impulso indisciplinador e a sua atitude isolada de franco-atirador contribui afinal para um convívio de todas as tendências, ao denunciar nelas o que está morto e o que, no entanto, vive para o futuro.
Creio que Eduardo Lourenço exagera apenas quando enfatiza a sua solidão de pensador, sem se aperceber da função catalítica que lhe cabe, de primordial importância histórica. Admite-se que deplore a ingratidão do meio cultural onde vivemos mas a circunstância de apagada e vil tristeza que nos foi dado experimentar encontrará enfim uma porta e uma luz de saída, se livros como «Heterodoxia» forem escritos, lidos e aproveitado o seu exemplo
A linha revolucionária da filosofia, dentro dos dogmatismos que se chocam, deve-se a Eduardo Lourenço e aos que pela coragem das suas ideias, estão «condenados» a não alinhar em qualquer instituição estabelecida ou a estabelecer.
Ninguém duvida dessa coragem, embora muitos prefiram à glória do futuro (a que Eduardo Lourenço pertence) a certeza e o conforto do presente.
Há compensações. E pior inferno está reservado neste Mundo aos que, não tendo dogma onde se abrigar, pensam (ousam pensar) sem ter diploma nem licenciatura. Esta outra heterodoxia só póstuma existe e dela havemos de falar quando ao reino da necessidade se substituir, por fatalidade dos acontecimentos e vontade dos homens, o reino da liberdade.
Vivo ou morto, o que importa ao pensador não apologético é manter firme a sua individualidade e, haja ou não haja editor, acreditar na parcela de verdade que descobriu e revelará.
A dialéctica identifica-se com essa descoberta e fora dela as ideias estagnam, mas necessita dos apologetas e dogmáticos para os combater e caminhar em frente.
Eduardo Lourenço, se os critica com aspereza, deve também agradecer-lhes:
«O que o progressismo propõe é um método e um método de uma exigência e de uma complexidade a bem dizer sem termo - mas o que os nossos autores nos oferecem é solução não mediada por uma concreta investigação progressista mas pelo emprego de conceitos ou categorias que só são progressistas pela prática que as justifica.»
O método que, entre outros, Merleau-Ponty, Erich Fromm, Lucien Goldmann usaram, o método que começa a clarificar-se nos seus propósitos básicos; o método que desde Hegel se teoriza mas que alguns anos ainda, de prática, na prática, hão-de ensinar-nos; o método que sob os nomes de «semântica geral», «estruturalismo», «dialéctica», «lógica do contraditório» tenta aproximar cada vez mais o pensamento da realidade e do movimento que perpetuamente a dinamiza.
A. C.

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(*) Este texto de Afonso Cautela, subscrito com as iniciais A.C. , foi publicado no semanário «Vida Mundial», secção «livros», 10-11-1967

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