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Wednesday, February 01, 2006

U. ECO 92

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1-2-1992

FILMES EM CASA - CRÓNICA DE VÍDEO POR TOMÉ DE BARROS - FÉ NA RAZÃO E RATOS NA CAVE - NOVA IDADE MÉDIA DE UMBERTO ECO

A fé iluminista que no romance «O Nome da Rosa» alimenta Umberto Eco, professor de Semiótica na Universidade de Milão, reaparece no filme de Jean-Jacques Annaud, que, embora de factura medíocre, guarda alguns dos encantos que fizeram do livro um «best-seller», um sucesso de vendas e de público.
É este mais um caso em que o cinema, dando em duas horas o essencial de mil e tal páginas, aproveita um best-seller literário, sem no entanto repetir o seu sucesso. Aconteceu há pouco tempo com «A Fogueira das Vaidades», filme que não recolheu o consenso da crítica, enquanto o livro foi considerado, sem discordâncias, uma obra de primeira linha da actual literatura norte-americana. O público de cinema é indubitavelmente outro e os mecanismos que produzem as listas de «tops» nos livros não são os mesmos que os produzem em filme ou em vídeo.
Ratazanas quanto baste, pios de mocho, castelos roqueiros ainda por cima mal assombrados, um convento no cocuruto de alta montanha, um cemitério obviamente macabro, uma lua cheia de maus preságios, são alguns dos ingredientes que recriam, em «O Nome da Rosa», a magia dos contos e mistérios ancestrais reforçando, também, o mito de uma Idade Média feita de peste, fogueiras da Inquisição e perversidades do Maligno, cheirando terrivelmente a enxofre.
Desde o primeiro momento, porém, Umberto Eco quer que no seu romance, construído a computador, tudo fique cartesianamente claro quanto ao papel da razão raciocinante no desvendar dos crimes, daquilo que ele preconiza como sendo a verdade. E o caminho escolhido é o da investigação policial, erguido o monge detective a prototipo, no seu entender, dessa pesquisa da verdade pelo racional. Quer ele demonstrar uma tese: a superstição é que, para justificar os seus próprios crimes, inventou o Diabo, porque o Diabo, afinal, logo que o sol da razão nasce, desaparece num dos buracos por onde se escondem gordas ratazanas.
O elogio do Livro, como depositário da ciência e da verdade, como reservatório de Luz, está também neste romance do catedrático Eco que escreveu, entre outros hinos à ciência, uma monografia sobre o livro e outra sobre como se faz uma tese para chegar a universitário. Quem apanhar o filme tem, pelo menos, um divertimento à mão de semear, um jogo de inteligência como só a erudição deste especialista em Semiótica sabe propor.
Entre outras hipóteses de trabalho, poderá reflectir sobre a dicotomia (falsa) que nos é implicitamente proposta: a Razão faz figura de iluminada, se a contrastarmos com o denso fanatismo de uma época que se convencionou, com alguma razão, dar como modelo de obscurantismo e...falta de higiene. Como termo de oposição à Razão renascentista, a Idade Média funciona, é mesmo o truque mais internacionalmente usado pelos apologetas da tecnologiapesada e do seu implícito terror. É assim que as epidemias medievais têm servido para ocultar as pestes modernas da Poluição.
Mas se a dicotomia for, pelo contrário, entre culturas civilizadas (como a do sistema taoísta, por exemplo) e culturas bárbaras (como a europeia, desde a Idade Média à Idade Contemporânea) aquele dualismo inicial e primário deixa de funcionar. No entanto, é no logro desta dicotomia elementar («ou crês na razão, ou morres») que os best sellers inteligentes de Eco nos fazem cair. O que só tem perigo para quem acredita ainda em bruxas, ou cultive no sótão, não macaquinhos mas ratazanas daquelas muito, muito gordas que o corcunda Salvador(em uma alusão curiosa ao Quasimodo de «Os Miseráveis») come regaladamente ao almoço.
Isto leva-nos a reflectir, afinal, sobre o tipo de canibalismo que a ciência propõe, levando-nos a uma única conclusão lógica: entre as pestes medievais e as pestes actuais, venha o Diabo e escolha. Não é por acaso que Eco participa, como grande pensador do nosso tempo, em um volume colectivo sobre o «nova idade média» e o apocalipse. Não foi ele o primeiro nem será o último a propor que se denomine, assim, de nova idade média aquela que as suas mais recentes teses induziriam a considerar a idade da razão e da luz.
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Publicado em vídeo pela Edivídeo, o filme de Annaud encontra-se acessível ao espectador dos videoclubes e dele deixamos a ficha compacta:[?]
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