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Wednesday, June 07, 2006

A EXPERIÊNCIA SURREALISTA (1960-1970)

1-2 - 70-06-07-S & S

O DESAFIO ESOTÉRICO (1)

[(1) - Prefácio ao livro "A Experiência surrealista", ensaios polémicos - I (1960-1970)]

7/Junho/1970

Se o surrealismo não tivesse aplanado o terreno, ainda hoje constituiria uma perigosa heresia ouvir e aceitar o desafio que das vozes esotéricas chegam até à cultura ocidental, instalada nos seus fracassos, roída nas suas antinomias e contradições, afogada na proliferação de conhecimentos particulares e na análise sem síntese, na hipertrofia da análise e na atrofia da síntese.
Cada um poderá, do surrealismo, retirar o que mais lhe importe, sofrê-1o e vivê-lo com maior ou menor intensidade. Ele não deixa de constituir uma etapa histórica nesse caminho percorrido a medo para a Grande Obra, para o Ponto Central, para a Suprema Unidade, enfim, para uma coexistência entre ocultismo e ciência revelada.
Hoje, o tema do zen-budismo, por exemplo, já constitui matéria de dissertação para respeitáveis autores e revistas de pensamento, A alquimia começa a não ser confundida com primário misticismo. E a arte fantástica descobre-se como filão rejuvenescedor da arte moderna, sem desdenhar as suas filiações cabalísticas e herméticas.
Enfim, após quarenta anos de polémica, o surrealismo conseguiu tornar correntes e até lugares-comuns alguns dos seus dados fundamentais, na época pioneira tão rudemente combatidos ou desprezados. Combatidos principalmente em nome do progressismo.
Torna-se hoje mais fácil aceitá-lo como ponto de convergência de muita coisa que importa dizer e que seja dita. Torna-se hoje possível tomá-lo como encruzilhada da mais recuada (no tempo) linhagem esotérica e das vanguardas que preparam hoje a arte e o pensamento de amanhã. Até das que anunciam uma revolução cultural.
Quando menos se esperava, vimos a contestação de Maio, em França de 1968, sacar do surrealismo muitas palavras de ordem e slogans de cartaz ou parede.
Edgar Morin considera o surrealismo "poético, no soberano sentido da palavra, o movimento que se fundamenta numa noção total e radical do homem. É – afirma - a primeira pré-figuração na história da humanidade, daquilo que poderia ser um movimento antropológico, em relação aos movimentos limitados em seus meios e seus fins, em relação ao humanismo exangue."
Isto dito por Edgar Morin não é dizer pouco.
Não deixa, portanto, o surrealismo de mostrar insólitas virtualidades e até pelas heterodoxias a que deu lugar se enriquece.
O "realismo fantástico" que data de 1960 - Le Matin des Magiciens - veio prolongar (desvirtuar, segundo os ortodoxos renitentes) e provar as mil metamorfoses possíveis da experiência surrealista.
O desafio do "oculto" continua a ser um facto e a heresia fascina cada vez mais os que procuram o rosto total do homem.
Neste livro, pois, a uma perspectiva bastante pessoal do surrealismo - testemunho que só tem o valor de ser uma das interpretações possíveis do surrealismo - acrescenta-se uma documentação relativa ao que, dentro e fora da ortodoxia, perto ou certo foi escrito e feito a pretexto.
Não pretende este livro retirar aos surrealistas de facto o direito de serem eles a fazer, em Portugal, a verdadeira história do movimento, e a se apresentarem como os autênticos e únicos porta-vozes. Mas pareceu-me que um testemunho sobre o surrealismo tal o vi, vivi e conheci, mesmo muito à margem, tem ao menos o mérito de mostrar que até aos mais relapsos, até aos mais incapazes de o merecer e seguir, até aos heterodoxos e heréticos ele teve, tem e terá o condão de fascinar, e marcar de maneira decisiva.
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(1) - Prefácio ao livro "A Experiência surrealista", ensaios polémicos - I (1960-1970)
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