PAULO COELHO 1991
1-3 - 91-05-13-ls- leituras do ac paulo-ls
13-5-1991
«A minha obra ultrapassou-me», disse a «A Capital» o escritor brasileiro Paulo Coelho, de 44 anos de idade, cujo sucesso de vendas constitui no Brasil um fenómeno verdadeiramente único e sem precedentes neste País. «O segredo de tudo é a Fé e talvez seja também o do meu sucesso», declara o escritor, com a maior humildade intelectual.
Ele mantém-se à cabeça das listas de «best-sellers», facto que é registado por jornais e revistas de todas as tendências, incluindo a «Veja», que tira um milhão de exemplares por semana. Com três livros publicados desde 1987, Paulo Coelho conseguiu atingir, em menos de cinco anos, um milhão de exemplares vendidos dos seus três livros, o que, no Brasil, nunca antes acontecera com qualquer outro escritor, vivo ou morto, nacional ou estrangeiro.
A palavra «Deus» comparece assiduamente no discurso deste «mago» que se fez escritor, ainda que ele se confesse incapaz de definir o conteúdo da palavra. «Deus é mais uma experiência do que uma definição -- acentua --, posso vivê-lo, mas não explicá-lo». Quando se lhe fala do êxito público que os seus livros constituem e que a maioria da crítica ostensivamente ignora, exclama «Graças a Deus», sem deixar, no entanto, explícito se as artes mágicas também fizeram por isso alguma coisa, o acaso chamado sorte, o carisma que indiscutivelmente possui, o talento de narrador, enfim, os mil e um imponderáveis que, todos ou nenhum, podem ou não ter concorrido para o maior fenómeno editorial brasileiro de todos os tempos. Limita-se a mais uma evasiva: «O sucesso é uma coisa tão difícil de explicar como o insucesso.» E adianta: «Não posso dizer que, de início, esperava tudo isto. A verdade é que o acolhimento público foi muito além do que eu podia esperar. Quando, em Maio de 1987, lancei «O Diário de um Mago», eu visava um público médio de 3000 pessoas, que é aquele número que habitualmente se costuma interessar por estes assuntos. Acresce que o caminho iniciático de Santiago, de que faço o relato nesse livro, é uma coisa absolutamente desconhecida, um assunto sofisticado para o brasileiro.»
«Diário de um Mago» é, com efeito, o relato «jornalístico» da peregrinação que o autor, já então adepto da ordem Regnus Agnus Mundi, fez no caminho de Santiago de Compostela.
Não deixa de ser curioso que um brasileiro, rodeado de tradições mágicas e ocultistas com tão fortes raízes locais, se sentisse atraído por uma mística deste outro lado do Atlântico e que os próprios portugueses, embora lhe fique na fronteira Norte, quase todos ignoram.
Mas assim aconteceu e a verdade é que a TV Manchete, em coprodução com a TV espanhola, está neste momento a filmar, com base no livro de Paulo Coelho, um serial de 12 episódios que provavelmente será um êxito junto dos telespectadores, tanto como o livro o foi junto dos leitores.
A «BOLA DE NEVE»
O «milagre», porém, não de se deu de uma hora para a outra, mas gradualmente, como nos explica o autor: «Após várias edições do «Diário de um Mago», lancei, no ano seguinte, "O Alquimista" (em simultâneo com a editora Pergaminho de Lisboa) e só com o terceiro, "Brida", que é também um relato verídico, me dei conta do número de leitores que eu tinha.»
E foi a «bola de neve»: «De repente, vi-me capa das principais revistas e jornais do Brasil. Era célebre e quase não dera por isso.» Ele próprio repete a pergunta «Qual a razão deste sucesso?», dando logo a seguir a resposta: «Evidentemente que a ajuda de Deus é o mais importante, mas a segunda razão é que o meu livro é escrito de maneira que todo o leitor diz: "Eu podia ter escrito esse livro, está falando das coisas que eu sinto, as coisas que eu nunca coloquei no papel e, no entanto, eu gostaria de escrever".»
O MITO DO RETORNO
«O Alquimista», seu segundo livro, primeiro de ficção, retoma uma velha lenda persa que outros autores -- como Jorge Luís Borges, Jack London e John O'Ohara --- glosaram. Paulo Coelho vê nela, por um lado, o mito do retorno que o apaixona e, por outro, o meio ideal para veicular, através da narrativa, aquilo a que chama «os pilares básicos da Alquimia», e que nada têm a ver com a história, a saber: 1 -- A «anima Mundi» ou «Alma do Mundo», segundo a qual estamos todos responsáveis pelo próximo, tudo o que fazemos de bem se reflecte no mundo; 2 -- A linguagem do coração transmutada em amor; 3 -- A linguagem dos sinais, formando um código que te conduz pela vida; 4 - A lenda pessoal de cada um -- o homem ao encontro do seu próprio destino.
NÃO QUERO O RÓTULO DE GURU
Membro de uma ordem mística iniciática com alguma preponderância em Espanha -- a Regnus Agnus Mundi --, ele confessa que receia sobremaneira o rótulo de «guru», de que tantos se arrogam hoje em dia e que faz cair no descrédito tantas correntes: «Ninguém pode transmitir a sabedoria a ninguém, mas sim a técnica, apenas a técnica se pode ensinar: à maneira das correntes iniciáticas orientais, apenas se transmite a experiência, as técnicas para chegar à sabedoria».
E com toda a humildade de um «peregrino» que já calcurriou os caminhos de Compostela, adianta: «Embora os meus estudos de magia datem de 1969, fase em que a grande vaga era ainda a dos "hippies", só desde 1981 passei a fazer parte dessa ordem iniciática, regida por três grandes princípios: Rigor, Amor, Misericórdia.»
Isto, segundo conta, aconteceu depois de uma «travessia do deserto», em que perdeu totalmente a fé, voltando depois a reencontrá-la: «É sempre mais saboroso encontrar o que perdemos, do que aquilo que possuímos sempre».
Mas a integração em uma ordem iniciática não impede que Paulo Coelho preze, acima de tudo, o individualismo das experiências, o que, aliás, o torna um declarado simpatizante dos «gnósticos», como nos confirma: «A busca individual de Deus sempre me interessou muito nessa corrente.» Esta preferência explica que, no Brasil, tivesse prefaciado a obra organizada por Márcia Maia e editada pela Campus, que se intitula «Evangelhos Gnósticos». É que, hoje, qualquer livro que leve a chancela de Paulo Coelho é êxito editorial pela certa.
A GERAÇÃO DOS «HIPPIES»
Rigor, Amor e Misericórdia, os três princípios da ordem a que pertence, ligam-se assim ao tema do primeiro livro: «Você vê isso no caminho de Santiago. Vê a necessidade de se entregar, mas, ao mesmo tempo, a disciplina -- uma coisa que a minha geração foi muito custosa de aprender. Era uma geração para a qual todas as influências valiam, queria experimentar todos os caminhos e terminava não seguindo nenhum.»
Quando fala em «minha geração», Paulo Coelho assume que pertenceu à vaga dos «hippies» e dos sonhos utopistas que varreram o mundo estudantil nos anos 60: «A minha geração achava que todas as experiências valiam e isso tornou difícil, também para mim, a aceitação de uma disciplina e de um extremo rigor exigidos por uma ordem mística como aquela a que hoje pertenço».
Explicando melhor, afirma: «É a ideia do rigor, da disciplina e de você estipular um caminho no qual esteja aberto para as influências, para a riqueza do próprio caminho. Como dizia o poeta António Machado, "não há caminho, o caminho é feito ao andar".»
***
DE MAGO A ESCRITOR PELOS CAMINHOS DE COMPOSTELA
PAULO COELHO EXPLICA «BEST-SELLERS»:
«A FÉ É O SEGREDO DO MEU SUCESSO»
PAULO COELHO EXPLICA «BEST-SELLERS»:
«A FÉ É O SEGREDO DO MEU SUCESSO»
13-5-1991
«A minha obra ultrapassou-me», disse a «A Capital» o escritor brasileiro Paulo Coelho, de 44 anos de idade, cujo sucesso de vendas constitui no Brasil um fenómeno verdadeiramente único e sem precedentes neste País. «O segredo de tudo é a Fé e talvez seja também o do meu sucesso», declara o escritor, com a maior humildade intelectual.
Ele mantém-se à cabeça das listas de «best-sellers», facto que é registado por jornais e revistas de todas as tendências, incluindo a «Veja», que tira um milhão de exemplares por semana. Com três livros publicados desde 1987, Paulo Coelho conseguiu atingir, em menos de cinco anos, um milhão de exemplares vendidos dos seus três livros, o que, no Brasil, nunca antes acontecera com qualquer outro escritor, vivo ou morto, nacional ou estrangeiro.
A palavra «Deus» comparece assiduamente no discurso deste «mago» que se fez escritor, ainda que ele se confesse incapaz de definir o conteúdo da palavra. «Deus é mais uma experiência do que uma definição -- acentua --, posso vivê-lo, mas não explicá-lo». Quando se lhe fala do êxito público que os seus livros constituem e que a maioria da crítica ostensivamente ignora, exclama «Graças a Deus», sem deixar, no entanto, explícito se as artes mágicas também fizeram por isso alguma coisa, o acaso chamado sorte, o carisma que indiscutivelmente possui, o talento de narrador, enfim, os mil e um imponderáveis que, todos ou nenhum, podem ou não ter concorrido para o maior fenómeno editorial brasileiro de todos os tempos. Limita-se a mais uma evasiva: «O sucesso é uma coisa tão difícil de explicar como o insucesso.» E adianta: «Não posso dizer que, de início, esperava tudo isto. A verdade é que o acolhimento público foi muito além do que eu podia esperar. Quando, em Maio de 1987, lancei «O Diário de um Mago», eu visava um público médio de 3000 pessoas, que é aquele número que habitualmente se costuma interessar por estes assuntos. Acresce que o caminho iniciático de Santiago, de que faço o relato nesse livro, é uma coisa absolutamente desconhecida, um assunto sofisticado para o brasileiro.»
«Diário de um Mago» é, com efeito, o relato «jornalístico» da peregrinação que o autor, já então adepto da ordem Regnus Agnus Mundi, fez no caminho de Santiago de Compostela.
Não deixa de ser curioso que um brasileiro, rodeado de tradições mágicas e ocultistas com tão fortes raízes locais, se sentisse atraído por uma mística deste outro lado do Atlântico e que os próprios portugueses, embora lhe fique na fronteira Norte, quase todos ignoram.
Mas assim aconteceu e a verdade é que a TV Manchete, em coprodução com a TV espanhola, está neste momento a filmar, com base no livro de Paulo Coelho, um serial de 12 episódios que provavelmente será um êxito junto dos telespectadores, tanto como o livro o foi junto dos leitores.
A «BOLA DE NEVE»
O «milagre», porém, não de se deu de uma hora para a outra, mas gradualmente, como nos explica o autor: «Após várias edições do «Diário de um Mago», lancei, no ano seguinte, "O Alquimista" (em simultâneo com a editora Pergaminho de Lisboa) e só com o terceiro, "Brida", que é também um relato verídico, me dei conta do número de leitores que eu tinha.»
E foi a «bola de neve»: «De repente, vi-me capa das principais revistas e jornais do Brasil. Era célebre e quase não dera por isso.» Ele próprio repete a pergunta «Qual a razão deste sucesso?», dando logo a seguir a resposta: «Evidentemente que a ajuda de Deus é o mais importante, mas a segunda razão é que o meu livro é escrito de maneira que todo o leitor diz: "Eu podia ter escrito esse livro, está falando das coisas que eu sinto, as coisas que eu nunca coloquei no papel e, no entanto, eu gostaria de escrever".»
O MITO DO RETORNO
«O Alquimista», seu segundo livro, primeiro de ficção, retoma uma velha lenda persa que outros autores -- como Jorge Luís Borges, Jack London e John O'Ohara --- glosaram. Paulo Coelho vê nela, por um lado, o mito do retorno que o apaixona e, por outro, o meio ideal para veicular, através da narrativa, aquilo a que chama «os pilares básicos da Alquimia», e que nada têm a ver com a história, a saber: 1 -- A «anima Mundi» ou «Alma do Mundo», segundo a qual estamos todos responsáveis pelo próximo, tudo o que fazemos de bem se reflecte no mundo; 2 -- A linguagem do coração transmutada em amor; 3 -- A linguagem dos sinais, formando um código que te conduz pela vida; 4 - A lenda pessoal de cada um -- o homem ao encontro do seu próprio destino.
NÃO QUERO O RÓTULO DE GURU
Membro de uma ordem mística iniciática com alguma preponderância em Espanha -- a Regnus Agnus Mundi --, ele confessa que receia sobremaneira o rótulo de «guru», de que tantos se arrogam hoje em dia e que faz cair no descrédito tantas correntes: «Ninguém pode transmitir a sabedoria a ninguém, mas sim a técnica, apenas a técnica se pode ensinar: à maneira das correntes iniciáticas orientais, apenas se transmite a experiência, as técnicas para chegar à sabedoria».
E com toda a humildade de um «peregrino» que já calcurriou os caminhos de Compostela, adianta: «Embora os meus estudos de magia datem de 1969, fase em que a grande vaga era ainda a dos "hippies", só desde 1981 passei a fazer parte dessa ordem iniciática, regida por três grandes princípios: Rigor, Amor, Misericórdia.»
Isto, segundo conta, aconteceu depois de uma «travessia do deserto», em que perdeu totalmente a fé, voltando depois a reencontrá-la: «É sempre mais saboroso encontrar o que perdemos, do que aquilo que possuímos sempre».
Mas a integração em uma ordem iniciática não impede que Paulo Coelho preze, acima de tudo, o individualismo das experiências, o que, aliás, o torna um declarado simpatizante dos «gnósticos», como nos confirma: «A busca individual de Deus sempre me interessou muito nessa corrente.» Esta preferência explica que, no Brasil, tivesse prefaciado a obra organizada por Márcia Maia e editada pela Campus, que se intitula «Evangelhos Gnósticos». É que, hoje, qualquer livro que leve a chancela de Paulo Coelho é êxito editorial pela certa.
A GERAÇÃO DOS «HIPPIES»
Rigor, Amor e Misericórdia, os três princípios da ordem a que pertence, ligam-se assim ao tema do primeiro livro: «Você vê isso no caminho de Santiago. Vê a necessidade de se entregar, mas, ao mesmo tempo, a disciplina -- uma coisa que a minha geração foi muito custosa de aprender. Era uma geração para a qual todas as influências valiam, queria experimentar todos os caminhos e terminava não seguindo nenhum.»
Quando fala em «minha geração», Paulo Coelho assume que pertenceu à vaga dos «hippies» e dos sonhos utopistas que varreram o mundo estudantil nos anos 60: «A minha geração achava que todas as experiências valiam e isso tornou difícil, também para mim, a aceitação de uma disciplina e de um extremo rigor exigidos por uma ordem mística como aquela a que hoje pertenço».
Explicando melhor, afirma: «É a ideia do rigor, da disciplina e de você estipular um caminho no qual esteja aberto para as influências, para a riqueza do próprio caminho. Como dizia o poeta António Machado, "não há caminho, o caminho é feito ao andar".»
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