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Monday, August 14, 2006

C.PAVESE 1968

1-1- pavese-1-ls> quarta-feira, 25 de Dezembro de 2002-scan

DISPARADO O TIRO, VERIFICADO O ÓBITO

15-8-1968 - Disparado o tiro, verificado o óbito, cumpridas as formalidades legais, que outro gozo se pode comparar ao de procurar, nos escaninhos do escritor suicidado, os despojos da sua insensatez e os restos, salpicados de sangue ou simplesmente sujos de pó, d e uma solidão condignamente cumprida?

Vem depois a tentação de nos compararmos ao falecido, nos seus infortúnios e esse lisonjeiro confronto talvez explique a voga que as memórias e os diários continuam a ter, as edições que a indústria cultural exige cada vez em ritmo mais acelerado. Porque - não o esqueçamos - há o consumo e os consumidores.

Pavese, no meio de Malraux e de John dos Passos, pode parecer matéria idêntica, mas ao contacto logo se vê que, apesar de tudo e das aparências, o escritor que o foi por fatalidade difere dos que o são por divertimento ou complemento de outras actividades remuneradoras, Verbi gratia, a de ministro.
Ler Pavese e o seu «Ofício de Viver", trabalhoso esforço que se não conta pelas horas gastas (sai-se fora do tempo quando há um livro destes no caminho!) é tarefa idêntica à de escalar o diário de Kafka ou as confissões de Rousseau. Por aí, começamos um pouco ao de leve a perceber como a literatura é o inferno por excelência dos que não tiveram nenhum céu (ideológico, por exemplo) onde acolher-se. Que a literatura mata, embora muitos vivam dela. Que a literatura é um ofício tão terrível como o de viver, e reciprocamente (embora muitos vivam e peçam bis).

Pavese para ajuda dos dias desconfortáveis - quem pode furtar-se à pena de o ler como um refúgio da tempestade que nele mesmo eclode? Paradoxalmente, uma tempestade onde queremos perder-nos e de que nenhuns receios humanos logram afastar-nos.

Matou-se ele num quarto de hotel, porque odiava o corpo. Acontece. Sem esgar, como se escrevesse as páginas tranquilas de uma novela, arredou de si a mesa, disse que não estava para mais e foi-se. Preparou aquilo com tempo e requinte, e foi-se. No dia anterior ainda apontara no diário a última das palavras possíveis. Esgotara-se com elas. Acontece. A sós com as folhas brancas de que nasce um livro. A sós consigo. Sem tradução para a vida de todos os dias e de toda a gente. Sem complemento ou ponte. E no entanto banal. A coisa mais banal do mundo. Só.

Ficou para nós O Ofício de Viver - documento do que poderia ter sido esse encontro de Jacob com o Anjo, de Pavese com o Anjo
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