D. DOLCI 1965
65-09-01-ls> = leituras selectas do ac - dolci-4> profetas do futuro - notas de leitura
DANILO DOLCI: INQUÉRITO EM PALERMO
1-9-1965
[(*) Este texto foi publicado na revista mensal «Ocidente» (Lisboa), nº 327, Setembro de 1965 ]
Sobre uma das regiões mais áridas e desprotegidas do globo - a Sicília - incide este estudo estatístico de Danilo Dolci. Inquérito ao camponês da Sicília, documentário sem concessões fáceis ao demagógico, a realidade apresenta-se desmistificada e, seja qual for o propósito com que depois se aproveite o material recolhido, não deixa de ter valor intrínseco e de incitar, não só a estudos idênticos mas a uma acção planificada de fomento nessas e noutras regiões.
Para uma acção política inteligente, esta é a base imprescindível, a base experimental e segura de que se pode e deve partir. O autor inspira-se numa ideologia com afinidades no internacional-sindicalismo, forma de solucionar os problemas que está longe de evitar e vencer contradições gritantes, escandalosas. O livro terá por isso de ler-se com a prudência que a sua inspiração ideológica aconselha. Mas também com o entusiasmo e a objectividade que suscita. Se as boas intenções não chegam, e são às vezes mais trágicas que as más (declaradamente más), cremos que o livro ‘Inquérito em Palermo’ (**) está cheio de boas intenções e constitui um contributo positivo para as soluções do problema siciliano e o de regiões similares (o nosso Alentejo, por exemplo e para não irmos mais longe).
A realização de inquéritos congéneres reflecte aliás o clima político sui-generis que se respira actualmente em Itália, depois de o seu povo ter conhecido o alto preço a pagar por uma política radical. Compete aos escritores de todas as tendências aproveitar as abertas liberais que lhes permitam dar voz ao seu povo e acelerar assim o progresso, o que os católicos estão a fazer, com zelo e denodo.
Mesmo literariamente, ‘Inquérito em Palermo’ resulta um livro fascinante, muito acima dos trechos literários realistas, a meio caminho entre a realidade desmascarada e a realidade mistificada. Por este livro se conclui como as morais em uso são obsoletas e como o ofício de pregador tem de substituir-se, urgentemente, pelo do investigador sociológico. Saber e compreender as causas dos problemas, se não é resolvê-los, é pelo menos tornar obsoletos, anacrónicos e absurdos os discursos sobre o dever, o crime, a justiça, o pecado e etc.,- em que aliás a moral inspiradora destes e de outros livros continua teimando. De onde emana a contradição básica que teremos de assinalar na obra.
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(*) Este texto foi publicado na revista mensal «Ocidente» (Lisboa), nº 327, Setembro de 1965
(**) «Inquérito em Palermo», por Danilo Dolci, Col. «História de Hoje», Morais Editora - Lisboa, 1964
DANILO DOLCI: INQUÉRITO EM PALERMO
1-9-1965
[(*) Este texto foi publicado na revista mensal «Ocidente» (Lisboa), nº 327, Setembro de 1965 ]
Sobre uma das regiões mais áridas e desprotegidas do globo - a Sicília - incide este estudo estatístico de Danilo Dolci. Inquérito ao camponês da Sicília, documentário sem concessões fáceis ao demagógico, a realidade apresenta-se desmistificada e, seja qual for o propósito com que depois se aproveite o material recolhido, não deixa de ter valor intrínseco e de incitar, não só a estudos idênticos mas a uma acção planificada de fomento nessas e noutras regiões.
Para uma acção política inteligente, esta é a base imprescindível, a base experimental e segura de que se pode e deve partir. O autor inspira-se numa ideologia com afinidades no internacional-sindicalismo, forma de solucionar os problemas que está longe de evitar e vencer contradições gritantes, escandalosas. O livro terá por isso de ler-se com a prudência que a sua inspiração ideológica aconselha. Mas também com o entusiasmo e a objectividade que suscita. Se as boas intenções não chegam, e são às vezes mais trágicas que as más (declaradamente más), cremos que o livro ‘Inquérito em Palermo’ (**) está cheio de boas intenções e constitui um contributo positivo para as soluções do problema siciliano e o de regiões similares (o nosso Alentejo, por exemplo e para não irmos mais longe).
A realização de inquéritos congéneres reflecte aliás o clima político sui-generis que se respira actualmente em Itália, depois de o seu povo ter conhecido o alto preço a pagar por uma política radical. Compete aos escritores de todas as tendências aproveitar as abertas liberais que lhes permitam dar voz ao seu povo e acelerar assim o progresso, o que os católicos estão a fazer, com zelo e denodo.
Mesmo literariamente, ‘Inquérito em Palermo’ resulta um livro fascinante, muito acima dos trechos literários realistas, a meio caminho entre a realidade desmascarada e a realidade mistificada. Por este livro se conclui como as morais em uso são obsoletas e como o ofício de pregador tem de substituir-se, urgentemente, pelo do investigador sociológico. Saber e compreender as causas dos problemas, se não é resolvê-los, é pelo menos tornar obsoletos, anacrónicos e absurdos os discursos sobre o dever, o crime, a justiça, o pecado e etc.,- em que aliás a moral inspiradora destes e de outros livros continua teimando. De onde emana a contradição básica que teremos de assinalar na obra.
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(*) Este texto foi publicado na revista mensal «Ocidente» (Lisboa), nº 327, Setembro de 1965
(**) «Inquérito em Palermo», por Danilo Dolci, Col. «História de Hoje», Morais Editora - Lisboa, 1964
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