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Saturday, August 26, 2006

S.JOÃO DA CRUZ 1990

cantico > notas de leitura - leituras de verão

JOÃO DA CRUZ EM «COMPACT»

16/8/1990 - Conta a lenda que o bíblico «Cântico dos Cânticos» teria servido de inspiração ao monge João da Cruz, mais tarde canonizado santo, para escrever este « Cântico Espiritual», que alguns classificam como o maior poema da língua hispânica e que foi agora publicado em português pela Assírio & Alvim(*), quatro séculos depois da morte do autor(1591) e quase outros tantos depois da primeira edição em língua castelhana(1627).
Vários níveis e sedimentos geológicos, entre o céu e a terra, se encontram nestas estrofes, que logo se tornam imperativas pela força que emitem, pela densidade do seu conteúdo informacional... João da Cruz tê-las-ia escrito quando, após um enclausuramento preventivo, movido pelos vigários da época, no convento carmelita de Toledo (onde não viu, durante meses, a luz do dia), recebeu finalmente a compaixão de um carcereiro amigo, que lhe arranjou papel e esferográfica.
«Estes textos, que parecem ter jorrado do êxtase, foram longamente amadurecidos» - garante o crítico francês Pierre Emmanuel. Na época do «compact disc» pode compreender-se melhor a vantagem e utilidade de explosivos concentrados místico-espirituais como este que, na edição formato bolso da Assírio e Alvim, pode perfeitamente concorrer com os da Patrícia Highsmith, uma das senhoras que, actualmente, consegue queimar mais tempo, noites de sono e energias por minuto ao desprevenido leitor de livros.
Este volume das «Poesias Completas», denso que nem uma constelação, permite um primeiro contacto, corpo a corpo, um encontro imediato do segundo grau muito funcional e directo, com a dimensão mística da vida - a mais nobre que, em terras profanas do Ocidente e em plena sociedade do consumo esquizofrénico, se consegue, antes de claudicar na miséria da abjecção contemporânea.
João da Cruz, nas prosas da «Subida do Monte Carmelo» mas principalmente nos cânticos deste seu «Cântico», é um dos mais altos cumes dessa cordilheira andina que se chamou, na literatura hispânica, «siglo de Oro» e que os portugueses, de voo muito mais rasteiro e terra a terra, vão tendo oportunidade de cheirar, graças à porfiada acção dessa equipa excepcional e verdadeiramente providencial de «místicos contemporâneos» que são o tradutor José Bento e o editor Hermínio Monteiro (não confundir nunca e em caso algum, com Martinho).
Graças a eles, é muito menos humilhante o sentido retrógrado que todo o progresso assume em Portugal, sabe-se lá porque ancestrais culpas do nosso colectivo: por aqui e por enqunto, não são os doutores místicos da Igreja, como S. Juan de la Cruz, quem impera, mas os da Mula Ruça.
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(*) «Poesias Completas», S. João da Cruz, tradução de José Bento, ed. Assírio & Alvim
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