E. FROMM 1965
fromm-1> notas de leitura
A PSICANÁLISE DE ERICH FROMM (*)
[(*) Este texto foi publicado na revista «Ocidente» (Lisboa) , nº 327, Setembro de 1965 ]
Sem valores ou pseudo-valores, sem ideais que mobilizem a vontade, sem molas ou mitos que impulsionem a acção, as sociedades não podem viver.
Erich Fromm, na linha de todos os moralistas, verifica a falência geral de valores e propõe que se adoptem outros. Estes, por sua vez, hão-de ser negados e substituídos. A arte de viver não se aprende, a felicidade existe apenas nos folhetins (ou nos livros de lorde Bertrand Russell) e os sistemas de moral fizeram-se para encher papel e para os seus autores dormirem ao pé, de consciência enfim apaziguada.
Entre o niilismo e a hipocrisia, o homem ocidental não tem saída, e é sempre comovedor ver os esforços dos intelectuais, filósofos e mais gente de bem, encarregados de imaginar a «grandeza» dos homens sobre a sua abjecção. Sem saída, talvez sem solução, o animal civilizado limita-se a cumprir o absurdo histórico da maneira mais cómoda e com a maior soma de prazeres físicos.
Erich Fromm retoma, neste ensaio editado pela Minotauro,(**) o rochedo de Sísifo. Para a subida, enfeitou-se de bons mestres: Buda, Lao Tse, Platão, Espinosa, Stirner, Nietzsche. Leu os moralistas de todas as épocas, aprendeu os seus conselhos, abstraiu das existências concretas (as únicas onde a moral se decide e, mais cedo ou mais tarde, malogra) e, à luz da psicanálise, propõe mais um sistema ético, mais um humanismo onde se afirma a esperança nos homens e nos valores. Pretende indicar aos leitores uma ciência aplicada da arte de viver. Repete a lição e repetir-se-á, com certeza, a sua inanidade.
O psicanalista iria encontrar abundante matéria-prima na sociedade fabril dos grandes urbes capitalistas. Muitos fariam carreira e fortuna, abrindo clínica e psicanalisando pessoas da alta ou média burguesia. Outros escreveriam livros e o seu nome seria célebre em todo o mundo: Karen Horney e Erich Fromm, cujos livros falam às multidões e dão o sustento teórico de que o cidadão médio americano carece depois de ver ou ler Tennessee Williams, são dois desses nomes.
Erich Fromm, além da sedução própria de todos os moralistas (que prometem a felicidade a toda a gente) possui mesmo um estilo vivo e cativante, claro, didacticamente acessível, que o recomenda a largos públicos. Ele e os da sua escola contribuíram na América do Norte para corrigir, com uma perspectiva social, o individualismo puramente biológico de Freud. A escola americana da psicanálise, conseguiu juntar o útil ao agradável e remoçou os dogmas da ortodoxia inicial.
O mais filósofo de todos eles - Erich Fromm - procurou para as teorias científicas um suporte filosófico, uma audaciosa síntese de todos os humanismos clássicos e contemporâneos, incluindo o marxista. Desafiaria os monismos rígidos que, mesmo em nome da dialéctica, se mostram por vezes tão pouco dialécticos. Resta saber até que ponto essa síntese, idealmente desejável, se concretizará numa futura praxis. Por enquanto a voz dos niilistas continua a ter muita razão e a dar dores de cabeça aos autores de sistemas morais.
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(*) Este texto foi publicado na revista «Ocidente» (Lisboa) , nº 327, Setembro de 1965
(**) «Ética e psicanálise» - ensaio de Erich Fromm - tradução de João José Esteves da Silva - Editorial Minotauro - Lisboa -1966
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A PSICANÁLISE DE ERICH FROMM (*)
[(*) Este texto foi publicado na revista «Ocidente» (Lisboa) , nº 327, Setembro de 1965 ]
Sem valores ou pseudo-valores, sem ideais que mobilizem a vontade, sem molas ou mitos que impulsionem a acção, as sociedades não podem viver.
Erich Fromm, na linha de todos os moralistas, verifica a falência geral de valores e propõe que se adoptem outros. Estes, por sua vez, hão-de ser negados e substituídos. A arte de viver não se aprende, a felicidade existe apenas nos folhetins (ou nos livros de lorde Bertrand Russell) e os sistemas de moral fizeram-se para encher papel e para os seus autores dormirem ao pé, de consciência enfim apaziguada.
Entre o niilismo e a hipocrisia, o homem ocidental não tem saída, e é sempre comovedor ver os esforços dos intelectuais, filósofos e mais gente de bem, encarregados de imaginar a «grandeza» dos homens sobre a sua abjecção. Sem saída, talvez sem solução, o animal civilizado limita-se a cumprir o absurdo histórico da maneira mais cómoda e com a maior soma de prazeres físicos.
Erich Fromm retoma, neste ensaio editado pela Minotauro,(**) o rochedo de Sísifo. Para a subida, enfeitou-se de bons mestres: Buda, Lao Tse, Platão, Espinosa, Stirner, Nietzsche. Leu os moralistas de todas as épocas, aprendeu os seus conselhos, abstraiu das existências concretas (as únicas onde a moral se decide e, mais cedo ou mais tarde, malogra) e, à luz da psicanálise, propõe mais um sistema ético, mais um humanismo onde se afirma a esperança nos homens e nos valores. Pretende indicar aos leitores uma ciência aplicada da arte de viver. Repete a lição e repetir-se-á, com certeza, a sua inanidade.
O psicanalista iria encontrar abundante matéria-prima na sociedade fabril dos grandes urbes capitalistas. Muitos fariam carreira e fortuna, abrindo clínica e psicanalisando pessoas da alta ou média burguesia. Outros escreveriam livros e o seu nome seria célebre em todo o mundo: Karen Horney e Erich Fromm, cujos livros falam às multidões e dão o sustento teórico de que o cidadão médio americano carece depois de ver ou ler Tennessee Williams, são dois desses nomes.
Erich Fromm, além da sedução própria de todos os moralistas (que prometem a felicidade a toda a gente) possui mesmo um estilo vivo e cativante, claro, didacticamente acessível, que o recomenda a largos públicos. Ele e os da sua escola contribuíram na América do Norte para corrigir, com uma perspectiva social, o individualismo puramente biológico de Freud. A escola americana da psicanálise, conseguiu juntar o útil ao agradável e remoçou os dogmas da ortodoxia inicial.
O mais filósofo de todos eles - Erich Fromm - procurou para as teorias científicas um suporte filosófico, uma audaciosa síntese de todos os humanismos clássicos e contemporâneos, incluindo o marxista. Desafiaria os monismos rígidos que, mesmo em nome da dialéctica, se mostram por vezes tão pouco dialécticos. Resta saber até que ponto essa síntese, idealmente desejável, se concretizará numa futura praxis. Por enquanto a voz dos niilistas continua a ter muita razão e a dar dores de cabeça aos autores de sistemas morais.
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(*) Este texto foi publicado na revista «Ocidente» (Lisboa) , nº 327, Setembro de 1965
(**) «Ética e psicanálise» - ensaio de Erich Fromm - tradução de João José Esteves da Silva - Editorial Minotauro - Lisboa -1966
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