E.F.SCHUMACHER 1981
schumacher-1- os dossiês do silêncio
«THE SMALL IS BEAUTIFUL»
18/8/1981 - Acaba de sair em tradução portuguesa a obra mais conhecida e discutida do célebre economista alemão, radicado na Grã-Bretanha, Ernest Frederich Schumacher.
«Small is Beautiful» - título original do famoso livro - tornou-se, em todo o mundo, desde e sua publicação em 1973, sinónimo de economia e tecnologia intermédia, tese fundamental no pensamento da Schumacher.
Este «estudo de Economia em que as pessoas também contam» representa uma crítica tanto mais pertinente ao sistema económico até hoje vigente a Leste e a Oeste, quando o seu autor é um especialista iminente dessa ciência e desse sistema.
Schumacher, com efeito, tem uma brilhante carreira de economista.
Refugiado em Inglaterra, ele voltou à vida académica como investigador científico em Oxford, sendo simultaneamente conselheiro económico do Governo britânico para a reconstrução da Alemanha.
Durante as décadas de 59 e 60 documentou sobre problemas do desenvolvimento numerosos governos.
Fundador do Intermediate Technology Development Group (Grupo para o Desenvolvimento da Tecnologia Intermédia), foi durante anos conselheiro económico do Departamento Nacional do Carvão, do Reino Unido, e conselheiro económico do Governo da Birmânia em 1962 e da Índia em 1966.
As críticas que desfere contra a economia de exploração hoje vigente, quer no bloco capitalista quer no bloco socialista, baseiam-se, portanto, numa longa carreira de investigador, professor e economista político.
Schumacher morreu em 1977, dias antes da publicação do seu livro «Guide for the Perplexed». Mas não morreram as suas teses, difundidas hoje por todo o mundo onde começa a compreender-se que a ecologia e o ecodesenvolvimento são inseparáveis na luta dos povos e dos exploradas contra o imperialismo industrial
Embora a macrocefalia urbana seja em si mesma o maior atentado à qualidade de vida das populações, agrada no entanto à esquerda e à direita que, nos seus programas de urbanismo e habitação, prometem defender essa qualidade de vida dos cidadãos.
A macrocefalia e a superconcentração industrial nas cinturas urbanas - embora causem doenças orgânicas e sociais as mais diversas - trazem enormes vantagens para as estratégias partidárias, quer da esquerda, quer da direita. Para os organismos políticos que controlam os sindicatos, a concentração é vantajosa porque facilita a unidade de luta e da contra-repressão. As importantes greves de metalúrgicos nos arrabaldes de São Paulo, megalópolis tentacular, símbolo do concentracionário urbano, mostram de que maneira a grande cidade facilita a unidade dos trabalhadores e como, portanto, tem vantagens para uma estratégia grevista dos sindicatos.
Para a polícia, o Estado e as multinacionais, por outro lado, (quer dizer, a direita), a macrocefalia é ideal, pois todas essas forças da direita reprimem melhor o trabalhador em grandes concentrados do que se estivessem dispersas.
Com grande dose de objectividade, portanto, poderá dizer-se que a macrocefalia serve a direita e a esquerda com igual proveito.
De onde, portanto, não se vislumbra que possa vir da esquerda ou da direita, qualquer política urbana (e de desenvolvimento global) alternativa à macrocefalia - uma das principais causas da crise ecológica que o mundo vive, como São Paulo ilustra.
De nada serve dizer que a macrocefalia de Lisboa provoca não só a morte do estuário do Tejo mas muitos outros males de que este País padece. Enquanto essa macrocefalia interessar, na perspectiva do concentracionário industrial, os partidos de esquerda tanto como os partidos de direita, Lisboa continuará a crescer, com a Unesco, benfeitora, a dizer que nos vem estudar o estuário.
O exemplo, aliás, repete-se com o mesmo vigor no caso da concentração agrária que é o latifúndio: tem-se visto como ele é particularmente grato aos amigos e inimigos da reforma agrária (sic). Como alternativa ao latifúndio, querido à esquerda e à direita, a revolução ecológica dos campos espera.
Porque também neste caso - o latifúndio - o gigantismo é, ecologicamente falando, a ruína e o desastre.
Os dois exemplos encorajam uma generalização: o gigantismo é sempre antilecológico e só o que estiver à escala humana serve o homem, tudo o que for além disso o destruirá.
«The Small is Beautiful» - foi a paráfrase que o economista Schumacher encontrou para definir um dos vectores fundamentais da política ecológica.
Sendo o gigantismo - quer a macrocefalia urbana, quer o latifúndio, quer o complexo megalómano do tipo Sines, quer o empreendimento gigantesco do tipo Alqueva - inerente aos imperialismos que planificam a pilhagem dos recursos naturais da Terra - e dos países, é natural que os representantes, nesses países, desses imperialismos, à esquerda e à direita, sirvam os seus donos a senhores lançando o «slogan» «The Large is Beautiful».
QUANDO O PROMETIDO CONFORTO DA CIDADE SE TRANSFORMA EM INCÓMODO PESADELO
Também não é por falta de informação que a auto-suficiência se encontra impossibilitada. Hoje tudo está praticamente investigado. E se nos dizem que não está, é essa mais uma das habituais mentiras com que o sistema pretende travar a marcha inevitável dos homens para a libertação eco-alternativa.
Para que o «regresso ao campo» encontre a sua principal justificação, há que não perder de vista este facto dominante: o famigerado conforto, o emprego, o posto de trabalho, o bem-estar que se prometia ao rural quando o aliciaram para a cidade, é cada vez mais uma fraude maior.
O que nós temos mais certo, suspenso como um cutelo sobra as nossas vidas, é a mais atroz das incomodidades, o maior desconforto e o mais vergonhoso dos sofrimentos, quando, por exemplo, a torneira dos combustíveis voltar a fechar como fechou em 1973.
Na total dependência de uma fonte energética que de repente termina, como iremos pagar uma bilha de gás? Mil, dois mil escudos? E haverá bilhas de gás para comprar, mesmo a preço de ouro? Já se viu o ritmo a que o preço cresceu desde 1973? Pode calcular-se o ritmo em que vai crescer?
Porque nos continuam a embalar com histórias de fadas?
Este é apenas um facto para servir de símbolo a tudo o mais que nos conta a mitologia da felicidade pregada pela sociedade de consumo a seus anúncios.
Quando o sonho desse conforto - a água quente - se transformar num pesadelo (devido ao custo do gás), onde está afinal a teoria do conforto que nos tem sido prometido a troco da «dura vida dos campos»?
Mantidos na prisão da cidade, só já tarde compreenderemos o logro e as mentiras da mitologia publicitária: conforto, afinal, onde estás tu?
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 18/8/1981
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«THE SMALL IS BEAUTIFUL»
18/8/1981 - Acaba de sair em tradução portuguesa a obra mais conhecida e discutida do célebre economista alemão, radicado na Grã-Bretanha, Ernest Frederich Schumacher.
«Small is Beautiful» - título original do famoso livro - tornou-se, em todo o mundo, desde e sua publicação em 1973, sinónimo de economia e tecnologia intermédia, tese fundamental no pensamento da Schumacher.
Este «estudo de Economia em que as pessoas também contam» representa uma crítica tanto mais pertinente ao sistema económico até hoje vigente a Leste e a Oeste, quando o seu autor é um especialista iminente dessa ciência e desse sistema.
Schumacher, com efeito, tem uma brilhante carreira de economista.
Refugiado em Inglaterra, ele voltou à vida académica como investigador científico em Oxford, sendo simultaneamente conselheiro económico do Governo britânico para a reconstrução da Alemanha.
Durante as décadas de 59 e 60 documentou sobre problemas do desenvolvimento numerosos governos.
Fundador do Intermediate Technology Development Group (Grupo para o Desenvolvimento da Tecnologia Intermédia), foi durante anos conselheiro económico do Departamento Nacional do Carvão, do Reino Unido, e conselheiro económico do Governo da Birmânia em 1962 e da Índia em 1966.
As críticas que desfere contra a economia de exploração hoje vigente, quer no bloco capitalista quer no bloco socialista, baseiam-se, portanto, numa longa carreira de investigador, professor e economista político.
Schumacher morreu em 1977, dias antes da publicação do seu livro «Guide for the Perplexed». Mas não morreram as suas teses, difundidas hoje por todo o mundo onde começa a compreender-se que a ecologia e o ecodesenvolvimento são inseparáveis na luta dos povos e dos exploradas contra o imperialismo industrial
Embora a macrocefalia urbana seja em si mesma o maior atentado à qualidade de vida das populações, agrada no entanto à esquerda e à direita que, nos seus programas de urbanismo e habitação, prometem defender essa qualidade de vida dos cidadãos.
A macrocefalia e a superconcentração industrial nas cinturas urbanas - embora causem doenças orgânicas e sociais as mais diversas - trazem enormes vantagens para as estratégias partidárias, quer da esquerda, quer da direita. Para os organismos políticos que controlam os sindicatos, a concentração é vantajosa porque facilita a unidade de luta e da contra-repressão. As importantes greves de metalúrgicos nos arrabaldes de São Paulo, megalópolis tentacular, símbolo do concentracionário urbano, mostram de que maneira a grande cidade facilita a unidade dos trabalhadores e como, portanto, tem vantagens para uma estratégia grevista dos sindicatos.
Para a polícia, o Estado e as multinacionais, por outro lado, (quer dizer, a direita), a macrocefalia é ideal, pois todas essas forças da direita reprimem melhor o trabalhador em grandes concentrados do que se estivessem dispersas.
Com grande dose de objectividade, portanto, poderá dizer-se que a macrocefalia serve a direita e a esquerda com igual proveito.
De onde, portanto, não se vislumbra que possa vir da esquerda ou da direita, qualquer política urbana (e de desenvolvimento global) alternativa à macrocefalia - uma das principais causas da crise ecológica que o mundo vive, como São Paulo ilustra.
De nada serve dizer que a macrocefalia de Lisboa provoca não só a morte do estuário do Tejo mas muitos outros males de que este País padece. Enquanto essa macrocefalia interessar, na perspectiva do concentracionário industrial, os partidos de esquerda tanto como os partidos de direita, Lisboa continuará a crescer, com a Unesco, benfeitora, a dizer que nos vem estudar o estuário.
O exemplo, aliás, repete-se com o mesmo vigor no caso da concentração agrária que é o latifúndio: tem-se visto como ele é particularmente grato aos amigos e inimigos da reforma agrária (sic). Como alternativa ao latifúndio, querido à esquerda e à direita, a revolução ecológica dos campos espera.
Porque também neste caso - o latifúndio - o gigantismo é, ecologicamente falando, a ruína e o desastre.
Os dois exemplos encorajam uma generalização: o gigantismo é sempre antilecológico e só o que estiver à escala humana serve o homem, tudo o que for além disso o destruirá.
«The Small is Beautiful» - foi a paráfrase que o economista Schumacher encontrou para definir um dos vectores fundamentais da política ecológica.
Sendo o gigantismo - quer a macrocefalia urbana, quer o latifúndio, quer o complexo megalómano do tipo Sines, quer o empreendimento gigantesco do tipo Alqueva - inerente aos imperialismos que planificam a pilhagem dos recursos naturais da Terra - e dos países, é natural que os representantes, nesses países, desses imperialismos, à esquerda e à direita, sirvam os seus donos a senhores lançando o «slogan» «The Large is Beautiful».
QUANDO O PROMETIDO CONFORTO DA CIDADE SE TRANSFORMA EM INCÓMODO PESADELO
Também não é por falta de informação que a auto-suficiência se encontra impossibilitada. Hoje tudo está praticamente investigado. E se nos dizem que não está, é essa mais uma das habituais mentiras com que o sistema pretende travar a marcha inevitável dos homens para a libertação eco-alternativa.
Para que o «regresso ao campo» encontre a sua principal justificação, há que não perder de vista este facto dominante: o famigerado conforto, o emprego, o posto de trabalho, o bem-estar que se prometia ao rural quando o aliciaram para a cidade, é cada vez mais uma fraude maior.
O que nós temos mais certo, suspenso como um cutelo sobra as nossas vidas, é a mais atroz das incomodidades, o maior desconforto e o mais vergonhoso dos sofrimentos, quando, por exemplo, a torneira dos combustíveis voltar a fechar como fechou em 1973.
Na total dependência de uma fonte energética que de repente termina, como iremos pagar uma bilha de gás? Mil, dois mil escudos? E haverá bilhas de gás para comprar, mesmo a preço de ouro? Já se viu o ritmo a que o preço cresceu desde 1973? Pode calcular-se o ritmo em que vai crescer?
Porque nos continuam a embalar com histórias de fadas?
Este é apenas um facto para servir de símbolo a tudo o mais que nos conta a mitologia da felicidade pregada pela sociedade de consumo a seus anúncios.
Quando o sonho desse conforto - a água quente - se transformar num pesadelo (devido ao custo do gás), onde está afinal a teoria do conforto que nos tem sido prometido a troco da «dura vida dos campos»?
Mantidos na prisão da cidade, só já tarde compreenderemos o logro e as mentiras da mitologia publicitária: conforto, afinal, onde estás tu?
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 18/8/1981
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