O ESCRIBA EM 1962
62-02-03-ls> = leituras selectas - quinta-feira, 16 de Janeiro de 2003-scan – um dos mais medíocres textos que escrevi – de uma fase igualmente medíocre e de que existem muitos manuscritos por scanar – que talvez não tenha a paciência de passar no scan, tamanha é a sua mediocridade
PARTICIPAR NA "BATALHA DA CULTURA"
3-2-1962
No livro e na imprensa, o escritor pode sempre participar na "batalha da cultura", manifestando-se em todas as circunstâncias um espírito livre.
Quando os intelectuais chamados humanistas se furtam, com desculpas pueris, a colaborar na imprensa, se negam a dar entrevistas ou, se ali escrevem, voltam as costas ao público que deviam educar, preferindo o ensaismo metafísico, a propaganda tendenciosa, a crítica "ao serviço de" ou o articulismo cândido e sem consequências, não se pode concordar nem deixar de protestar.
Que se reconheça a perpétua humilhação de escrever na imprensa, de acordo. Que o escritor desista de escrever nela, não o censuramos. Mas há-de continuar, pelo livro, a combater o que na imprensa lhe não foi consentido, através daqueles géneros que se consideram típicos do jornalismo, isto é, da acção intelectual, se continuar no jornalismo, não poderá empatar o burguês, com os géneros que se costumam considerar típicos do livro, isto é, da criação intelectual.
De uma ou outra maneira, como escritor-jornalista ou como jornalista-escritor, não poderá furtar-se aos géneros de combate, a polémica e a sátira, o manifesto e a crítica. De contrário é mister dizer que desistiu, que já não milita nada, que deixou de "combater pela cultura”. Porque não agiu por nenhuma das maneiras em que a criação literária pode agir; a curto prazo, pelo combate específico sobre determinadas condições e em determinadas circunstâncias; a longo prazo, como obra de criação que persiste em acto para lá de si própria.
A obra de criação continua a transformar o mundo, desde que sai das mãos do artista. É por si própria, obra de combate, um combate, digamos, virtual, mas não menos efectivo. A acção da obra de arte só pode sentir-se com uma vasta perspectiva de tempo e de espaço; o escritor de combate também não vê os efeitos da sua acção, embora ela incida mais imediatamente sobre o concreto, competindo-lhe acreditar que os efeitos hão-de vir (toda a obra educativa se obtém a longo prazo).
É essa crença, essa fé, tantas vezes malograda, que torna quixotesca a acção do escritor-jornalista. O escritor-militante sabe que semeia no vento e não deve parar a sementeira. Sabe inclusivamente que não trabalha para a glória, como o escritor que se limita à pura criação; Mas continua, tem de continuar, porque sente ser esse o seu dever de escritor-pedagogo.
Perante isto, parece-nos o realismo estático a mais ociosa das formas literárias, porque, por um lado, não age a curto prazo, nem como panfleto crítico, nem como arma polémica, nem como manifesto revulsivo; e por outro lados não age a longo prazo como obra de criação, nível este que a ficção realista, em regra, não atinge. A melhor prosa realista equipara-se, em efeito revolucionário, à pior poesia lírica.
Um bom poema lírico dirá mais profundamente do que todas as sofríveis ou mesmo suficientes ficções realistas.
Os realistas dizem estar na luta mas estão de pantufas; dizem ir para a batalha mas ficam-se por uma esplanada. Nada se adianta com as palavras mansas, os artigos neutrais, com as atitudes serenas Uma posição madraça já não vai a tempo.
O realismo socialista tem ainda sobre o realismo tout court , uma agravante: o escritor, nele, além de não funcionar como combatente a curto ou longo prazo, pelas razões que apontámos, também não funciona como espírito livre, isto é, como autor de um ideário individualizado.
Universalmente ao serviço de uma ideologia, o escritor "comprometido" (tantas vezes confundido, por ironia, com o escritor militante) poderá "militar" ao serviço de qualquer instituição internacional, mas nesse caso funciona de político e nunca de escritor, propagandista e nunca de crítico, de correligionário e nunca de intelectual.
Intelectual é o que milita na inteligência. Desta confusão resulta nunca se saber o que é um homem livre ou de minorizar o valor de liberdade intelectual em proveito de outros factores: o económico, o agitador profissional de qualquer origem aponta o escritor social ou o político.
Quando o independente (que, repito, é sinónimo de militante) é acusado de burguês reaccionário, de conformista retrógrado, de conservador passivo, será bom que o escritor aponte a pura inactividade que representa o intelectual" engagé “, activo apenas enquanto agitado: enquanto político, enquanto homem de acção, e não como por natureza e definição lhe cabia, como intelectual, como escritor, como batalhador da inteligência.
O intelectual socialista, por exemplo, enquanto intelectual, só nos dá palha descritiva no romance, retórica da fraternidade na lírica, demagogia no cinema ou no teatro, propaganda na crítica e no ensaio; para agir terá de passar automaticamente à esfera da política; enquanto o intelectual militante, sem sair da esfera que lhe cabe - a pedagógica - luta sempre com as armas da inteligência e só essas.
Em qualquer política, nunca trai, a sua causa não muda, os seus objectivos permanecem. Sabe que por si mesmo, fora de poderes e autoridades, terá de apostar tudo para perder ou ganhar .
Não reclama nenhum advento, nenhum messianismo ideológico o conduz, nenhuma salvação do mundo preconiza. Sabe apenas que trabalhará até ao esgotamento que se entregou, de alma e coração, à missão apaixonada de criar, de escrever os seus livros, de batalhar assim, sem partidos, sem manobras, sem programas, pela cultura.
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PARTICIPAR NA "BATALHA DA CULTURA"
3-2-1962
No livro e na imprensa, o escritor pode sempre participar na "batalha da cultura", manifestando-se em todas as circunstâncias um espírito livre.
Quando os intelectuais chamados humanistas se furtam, com desculpas pueris, a colaborar na imprensa, se negam a dar entrevistas ou, se ali escrevem, voltam as costas ao público que deviam educar, preferindo o ensaismo metafísico, a propaganda tendenciosa, a crítica "ao serviço de" ou o articulismo cândido e sem consequências, não se pode concordar nem deixar de protestar.
Que se reconheça a perpétua humilhação de escrever na imprensa, de acordo. Que o escritor desista de escrever nela, não o censuramos. Mas há-de continuar, pelo livro, a combater o que na imprensa lhe não foi consentido, através daqueles géneros que se consideram típicos do jornalismo, isto é, da acção intelectual, se continuar no jornalismo, não poderá empatar o burguês, com os géneros que se costumam considerar típicos do livro, isto é, da criação intelectual.
De uma ou outra maneira, como escritor-jornalista ou como jornalista-escritor, não poderá furtar-se aos géneros de combate, a polémica e a sátira, o manifesto e a crítica. De contrário é mister dizer que desistiu, que já não milita nada, que deixou de "combater pela cultura”. Porque não agiu por nenhuma das maneiras em que a criação literária pode agir; a curto prazo, pelo combate específico sobre determinadas condições e em determinadas circunstâncias; a longo prazo, como obra de criação que persiste em acto para lá de si própria.
A obra de criação continua a transformar o mundo, desde que sai das mãos do artista. É por si própria, obra de combate, um combate, digamos, virtual, mas não menos efectivo. A acção da obra de arte só pode sentir-se com uma vasta perspectiva de tempo e de espaço; o escritor de combate também não vê os efeitos da sua acção, embora ela incida mais imediatamente sobre o concreto, competindo-lhe acreditar que os efeitos hão-de vir (toda a obra educativa se obtém a longo prazo).
É essa crença, essa fé, tantas vezes malograda, que torna quixotesca a acção do escritor-jornalista. O escritor-militante sabe que semeia no vento e não deve parar a sementeira. Sabe inclusivamente que não trabalha para a glória, como o escritor que se limita à pura criação; Mas continua, tem de continuar, porque sente ser esse o seu dever de escritor-pedagogo.
Perante isto, parece-nos o realismo estático a mais ociosa das formas literárias, porque, por um lado, não age a curto prazo, nem como panfleto crítico, nem como arma polémica, nem como manifesto revulsivo; e por outro lados não age a longo prazo como obra de criação, nível este que a ficção realista, em regra, não atinge. A melhor prosa realista equipara-se, em efeito revolucionário, à pior poesia lírica.
Um bom poema lírico dirá mais profundamente do que todas as sofríveis ou mesmo suficientes ficções realistas.
Os realistas dizem estar na luta mas estão de pantufas; dizem ir para a batalha mas ficam-se por uma esplanada. Nada se adianta com as palavras mansas, os artigos neutrais, com as atitudes serenas Uma posição madraça já não vai a tempo.
O realismo socialista tem ainda sobre o realismo tout court , uma agravante: o escritor, nele, além de não funcionar como combatente a curto ou longo prazo, pelas razões que apontámos, também não funciona como espírito livre, isto é, como autor de um ideário individualizado.
Universalmente ao serviço de uma ideologia, o escritor "comprometido" (tantas vezes confundido, por ironia, com o escritor militante) poderá "militar" ao serviço de qualquer instituição internacional, mas nesse caso funciona de político e nunca de escritor, propagandista e nunca de crítico, de correligionário e nunca de intelectual.
Intelectual é o que milita na inteligência. Desta confusão resulta nunca se saber o que é um homem livre ou de minorizar o valor de liberdade intelectual em proveito de outros factores: o económico, o agitador profissional de qualquer origem aponta o escritor social ou o político.
Quando o independente (que, repito, é sinónimo de militante) é acusado de burguês reaccionário, de conformista retrógrado, de conservador passivo, será bom que o escritor aponte a pura inactividade que representa o intelectual" engagé “, activo apenas enquanto agitado: enquanto político, enquanto homem de acção, e não como por natureza e definição lhe cabia, como intelectual, como escritor, como batalhador da inteligência.
O intelectual socialista, por exemplo, enquanto intelectual, só nos dá palha descritiva no romance, retórica da fraternidade na lírica, demagogia no cinema ou no teatro, propaganda na crítica e no ensaio; para agir terá de passar automaticamente à esfera da política; enquanto o intelectual militante, sem sair da esfera que lhe cabe - a pedagógica - luta sempre com as armas da inteligência e só essas.
Em qualquer política, nunca trai, a sua causa não muda, os seus objectivos permanecem. Sabe que por si mesmo, fora de poderes e autoridades, terá de apostar tudo para perder ou ganhar .
Não reclama nenhum advento, nenhum messianismo ideológico o conduz, nenhuma salvação do mundo preconiza. Sabe apenas que trabalhará até ao esgotamento que se entregou, de alma e coração, à missão apaixonada de criar, de escrever os seus livros, de batalhar assim, sem partidos, sem manobras, sem programas, pela cultura.
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