THOMAS BERNHARD E GEORGES ORWELL EM 1991
1-1 - 91-07-25-ls> leituras selectas do ac - naufrago>
25-7-1991
HUMOR NEGRO EMERGE DE UMA ESPESSA ANGÚSTIA
Um dos maiores escritores contemporâneos, o austríaco Thomas Bernhard, pode agora ser lido em língua portuguesa e nada melhor do que as férias para agarrar «O Náufrago»(*): breve nas suas 140 páginas mas denso e profundo. E «que se lê de um trago».
Findou para sempre a ideia de que o crítico é o juiz que classifica um livro de mau a óptimo. A perspectiva de escala ou relativismo, foi o melhor contributo que a Modernidade trouxe à cultura ocidental. O paradoxo da arte, hoje, é este e está contido, em termos quase didácticos, no romance alegórico de Thomas Bernhard.
Ainda que por um processo de translação alegórica, mas toda a narrativa de Bernhard é uma autobiografia (principalmente mental) na medida em que evidencia manias, dúvidas, inquietações, medos, desesperos que obcecam o escritor no seu próprio trabalho.
O irrisório de todos os actos humanos, a ausência de regras que estipulam onde está o «virtuose» e o virtuosismo, a cilindragem dos discípulos pelos mestres-galinha (que o romance cobre de vários adjectivos pejorativos) é o que Thomas Bernhard pensava de si próprio e dos seus problemas de autor: onde está a linha demarcatória entre o bom e o mau romance, o bom e o mau escritor? Não existe. E não existindo, a sociedade perde o suporte e o autor também. Desabam ambos. E ele atira-se da ponte abaixo.
Ao transferir a história para uma comunidade de músicos, é por demais evidente que Bernhard quer contar-nos, no entanto, as vicissitudes estruturais do escritor e sua vulnerabilidade. Afinal, vivendo na Áustria, pátria da música (?) podia dar assim melhor o arquétipo do artista que ele pretendia.
Se o suicídio (ou seus sucedâneos) aparece como pano de fundo permanente das situações contadas por Bernhard -- cujo fascínio narrativo é indiscutível -- se um ténue fio de humor negro e de ironia emerge de uma espessa angústia, o homem está sempre omnipresente nessas páginas aparentemente supérfluas.
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(*) «O Náufrago», Thomas Bernhard, Ed. Relógio D'Água
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1-1- orwell-3-ls> = leituras selectas - quarta-feira, 25 de Dezembro de 2002-scan
UMA FASCINANTE FÁBULA MODERNA(*)
[Leituras de Verão», «A Capital», 25-7-1991] - Espelho fiel da actualidade política, ontem, hoje e amanhã, a obra do escritor inglês George Orwell continua a contar reedições consecutivas, sem que as suas histórias de antecipação percam verosimilhança e força.
A crítica do autoritarismo não perdeu, infelizmente, oportunidade. E o sistema totalitário da tecnocracia nunca foi denunciado com tanta veemência como no seu «1984», romance de antecipação publicado em 1949.
Fábula política do século XX, «O Triunfo dos Porcos»(') não teve tão grande sucesso como o «1984», mas o seu impacto no imaginário contemporâneo não é menor, nem menor a força com que denuncia o despotismo dos regimes totalitários e também dos chamados democráticos sob a capa da tecnocracia.
Nada escapa à análise deste escritor inglês, nascido na Índia em 1905 e falecido em Londres em 1950, misto de profeta e vidente, que veio combater na Guerra Civil de Espanha, pelo lado das forças anarquistas, depois de romper com a extrema esquerda.
Sob a forma de uma história entre os animais de uma quinta («Animal Farm» é o título original), George Orwell relata neste livro, publicado pela primeira vez em 1945, a degeneração do processo revolucionário russo, mostrando por alegoria como o idealismo pode ser traído pelo poder, pela corrupção e pela mentira. São apenas 120 páginas de leitura apaixonante, que certamente despertarão o apetite para outros livros do autor publicados em língua portuguesa: além do célebre «1984», com edições sucessivas, pode ler-se «Homenagem a Catalunha » (Livros do Brasil), «Na Penúria em Paris e em Londres» (Antígona) e «Recordando a Guerra Espanhola» (Antígona).
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(1) George Orwell, «O Triunfo dos Porcos», Ed. Publicações Europa América
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado em «Leituras de Verão», «A Capital», 25-7-1991
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25-7-1991
MIDAS NO SACO DE PRAIA
A propósito de prosperidade e férias em Miami, não se pode deixar de citar um livro aparecido na grande colecção da Presença «Biblioteca da Gestão Moderna», onde figura com o número 43.
É o célebre Robert Heller, que ensina a ganhar dinheiro como quem bebe um refresco: neste fantástico livro, que você deve passar a ter no saco de praia, se fala «dos novos milhões cada vez mais fáceis de fazer e dos novos milionários» que nascem como cogumelos depois da chuva. Este livro que nos fala das «formas de enriquecimento nos nossos dias», entra no reino dos «yuppies» para nos narrar a carreira desses homens de «vida fácil» que as mulheres de fácil vida não desdenhariam.
O mundo dos «milionarismos» é, como detalhadamente se mostra neste relato aos confins da divindade moderna, um mundo que nada tem a ver com os simples mortais que ainda conseguem ir sobrevivendo como cascas no oceano da Prosperidade.
Uma nova ética( o dinheiro é o Bem), uma nova estética(só o luxo é belo) e uma nova religião (deus está com os ricos) emergem destes «novos milionários». E não se compreende como os escritores de ficção continuam a debitar os temas tão arcaicos das «relações humanas» quando a humanidade, na acepção clássica de maioria sem dinheiro, está totalmente fora de moda e posta em causa por esta nova raça que, nada tendo a ver com a espécie humana, é muito provavelmente o embrião de uma nova raça de deuses. Ou de macacos.
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(*)«Os Novos Milionários -- As Formas de Enriquecimento nos Nossos Dias», Robert Heller, Ed. Presença
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25-7-1991
HUMOR NEGRO EMERGE DE UMA ESPESSA ANGÚSTIA
Um dos maiores escritores contemporâneos, o austríaco Thomas Bernhard, pode agora ser lido em língua portuguesa e nada melhor do que as férias para agarrar «O Náufrago»(*): breve nas suas 140 páginas mas denso e profundo. E «que se lê de um trago».
Findou para sempre a ideia de que o crítico é o juiz que classifica um livro de mau a óptimo. A perspectiva de escala ou relativismo, foi o melhor contributo que a Modernidade trouxe à cultura ocidental. O paradoxo da arte, hoje, é este e está contido, em termos quase didácticos, no romance alegórico de Thomas Bernhard.
Ainda que por um processo de translação alegórica, mas toda a narrativa de Bernhard é uma autobiografia (principalmente mental) na medida em que evidencia manias, dúvidas, inquietações, medos, desesperos que obcecam o escritor no seu próprio trabalho.
O irrisório de todos os actos humanos, a ausência de regras que estipulam onde está o «virtuose» e o virtuosismo, a cilindragem dos discípulos pelos mestres-galinha (que o romance cobre de vários adjectivos pejorativos) é o que Thomas Bernhard pensava de si próprio e dos seus problemas de autor: onde está a linha demarcatória entre o bom e o mau romance, o bom e o mau escritor? Não existe. E não existindo, a sociedade perde o suporte e o autor também. Desabam ambos. E ele atira-se da ponte abaixo.
Ao transferir a história para uma comunidade de músicos, é por demais evidente que Bernhard quer contar-nos, no entanto, as vicissitudes estruturais do escritor e sua vulnerabilidade. Afinal, vivendo na Áustria, pátria da música (?) podia dar assim melhor o arquétipo do artista que ele pretendia.
Se o suicídio (ou seus sucedâneos) aparece como pano de fundo permanente das situações contadas por Bernhard -- cujo fascínio narrativo é indiscutível -- se um ténue fio de humor negro e de ironia emerge de uma espessa angústia, o homem está sempre omnipresente nessas páginas aparentemente supérfluas.
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(*) «O Náufrago», Thomas Bernhard, Ed. Relógio D'Água
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1-1- orwell-3-ls> = leituras selectas - quarta-feira, 25 de Dezembro de 2002-scan
UMA FASCINANTE FÁBULA MODERNA(*)
[Leituras de Verão», «A Capital», 25-7-1991] - Espelho fiel da actualidade política, ontem, hoje e amanhã, a obra do escritor inglês George Orwell continua a contar reedições consecutivas, sem que as suas histórias de antecipação percam verosimilhança e força.
A crítica do autoritarismo não perdeu, infelizmente, oportunidade. E o sistema totalitário da tecnocracia nunca foi denunciado com tanta veemência como no seu «1984», romance de antecipação publicado em 1949.
Fábula política do século XX, «O Triunfo dos Porcos»(') não teve tão grande sucesso como o «1984», mas o seu impacto no imaginário contemporâneo não é menor, nem menor a força com que denuncia o despotismo dos regimes totalitários e também dos chamados democráticos sob a capa da tecnocracia.
Nada escapa à análise deste escritor inglês, nascido na Índia em 1905 e falecido em Londres em 1950, misto de profeta e vidente, que veio combater na Guerra Civil de Espanha, pelo lado das forças anarquistas, depois de romper com a extrema esquerda.
Sob a forma de uma história entre os animais de uma quinta («Animal Farm» é o título original), George Orwell relata neste livro, publicado pela primeira vez em 1945, a degeneração do processo revolucionário russo, mostrando por alegoria como o idealismo pode ser traído pelo poder, pela corrupção e pela mentira. São apenas 120 páginas de leitura apaixonante, que certamente despertarão o apetite para outros livros do autor publicados em língua portuguesa: além do célebre «1984», com edições sucessivas, pode ler-se «Homenagem a Catalunha » (Livros do Brasil), «Na Penúria em Paris e em Londres» (Antígona) e «Recordando a Guerra Espanhola» (Antígona).
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(1) George Orwell, «O Triunfo dos Porcos», Ed. Publicações Europa América
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado em «Leituras de Verão», «A Capital», 25-7-1991
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25-7-1991
MIDAS NO SACO DE PRAIA
A propósito de prosperidade e férias em Miami, não se pode deixar de citar um livro aparecido na grande colecção da Presença «Biblioteca da Gestão Moderna», onde figura com o número 43.
É o célebre Robert Heller, que ensina a ganhar dinheiro como quem bebe um refresco: neste fantástico livro, que você deve passar a ter no saco de praia, se fala «dos novos milhões cada vez mais fáceis de fazer e dos novos milionários» que nascem como cogumelos depois da chuva. Este livro que nos fala das «formas de enriquecimento nos nossos dias», entra no reino dos «yuppies» para nos narrar a carreira desses homens de «vida fácil» que as mulheres de fácil vida não desdenhariam.
O mundo dos «milionarismos» é, como detalhadamente se mostra neste relato aos confins da divindade moderna, um mundo que nada tem a ver com os simples mortais que ainda conseguem ir sobrevivendo como cascas no oceano da Prosperidade.
Uma nova ética( o dinheiro é o Bem), uma nova estética(só o luxo é belo) e uma nova religião (deus está com os ricos) emergem destes «novos milionários». E não se compreende como os escritores de ficção continuam a debitar os temas tão arcaicos das «relações humanas» quando a humanidade, na acepção clássica de maioria sem dinheiro, está totalmente fora de moda e posta em causa por esta nova raça que, nada tendo a ver com a espécie humana, é muito provavelmente o embrião de uma nova raça de deuses. Ou de macacos.
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(*)«Os Novos Milionários -- As Formas de Enriquecimento nos Nossos Dias», Robert Heller, Ed. Presença
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