CLAUDE LÉVY-STRAUSS 1978
1-2 - lévy-1-ls> terça-feira, 24 de Dezembro de 2002-scan
FOLHETIM DO APOCALIPSE - PENSAR O IMPENSÁVEL (*)
[«Edição Especial»,10-9-1978] - Já Dostoievsky o afirmara pela boca do seu personagem de A Voz Subterrânea : no dia em que dois e dois deixarem de ser quatro, o Mundo desabará... E o homem, enlouquecido, entrará na fase final da sua derrocada. Talvez no primeiro episódio do Apocalipse, folhetim que substituirá, com vantagem, O Casarão.
Ao publicar, no dia 3 de Setembro de 1978, parte de uma entrevista com Claude Lévy-Strauss, só foi pena que o semanário "Edição Especial" não a publicasse na íntegra e não referisse a fonte, de tal modo importante, de tal modo apocalíptico é o que afirma este célebre antropologista (à parte os equívocos dos académicos estruturalistas que se jogaram a ele como vorazes roedores).
"O mundo contemporâneo é impensável" - diz Claude Lévy-Strauss.
Na boca de alguém cuja profissão é pensar, e pensar o universo que é cada cultura, (o sistema de cada ecossistema chamado "civilização") não deixa de ser interessante tão bombástica afirmação de "impotência". Ou de rendição às bestas do Apocalipse...
De facto, a sensação diária de quem pensa (mesmo dos que, como eu, pertencem ao lumpen-proletariado da Inteligência) é de que o mundo se tornou impensável, não tanto pela colossal complexidade de técnicas, ciências, matérias, disciplinas, etc; não tanto pela velocidade exponencial dos acontecimentos; não tanto pela vertiginosa contradição das forças em presença, mas principalmente pela bojuda capacidade suicida ou auto-destrutiva que este mundo armazenou e continua armazenando em minas de sal gema.
O absurdo instalou-se em plena História (que ultrapassa assim lendas, mitos, ficções) e os profetas que, na arte e na literatura o afirmaram, são hoje confirmados mas largamente ultrapassados pelos factos nas suas antevisões.
Kafka, ao lado disto, é um conto infantil...
Uma economia que deseconomicamente teima, aos gritos, em prosseguir a curva de crescimento até ao infinito, sabendo que o terá de fazer numa biosfera finita de recursos esgotáveis, seria apenas um aspecto desse Super-Absurdo do Mundo Contemporâneo.
Ou então, dessa Super-Lógica que, por enquanto, nos ultrapasse, cérebros ainda aristotélico-cartesianos que somos.
Acostumado a estudar culturas de ecossistema praticamente inalterável, para as quais Aristóteles funcionava, eis que a impensabilidade desta nossa sociedade do desperdício, do absurdo, do humor e do terror é para Strauss, apanhado no banho, a impossibilidade de o cérebro abarcar, dominar e controlar, sequer teoricamente, os mecanismos de desequilíbrio ecológico que a tal paranóia tecno-fascista imprimiu ao ecossistema chamado Planeta Terra.
A lista nunca acaba: cientistas vão produzir chuvas, desviar a corrente marítima do Golfo, transportar icebergues do pólo para os mares temperados, mandar para a lua foguetões com plutónio, aumentar o parque mundial de centrais nucleares até ao infinito (sabendo eles que o urânio está por horas e dá para meia dúzia de anos...), curar o cancro com aquilo que o provoca (radiações ou produtos químicos), evitar sismos provocando explosões atómicas subterrâneas ...que exactamente os provocam.
Enfim, a lista da Anedota, do Absurdo, do colossalmente idiota não termina nunca. É também uma curva exponencial a caminho do infinito.
Será isto a que Lévy-Strauss chama o "impensável"?
Mas não será tudo isto que torna a Ecologia metodologicamente inadiável como dialéctica que se propõe, in extremis, pensar este impensável Mundo?
Não terá de ser ecológica (3° termo da contradição) a lógica da ilógica contemporânea?
Não é preciso ser Lévy-Strauss, nem pai da antropologia estrutural, para ficar perplexo e estupefacto perante o absurdo da lógica contemporânea.
Qualquer mísero cérebro de computador M.I.T. poderá ter idêntico susto.
Muitos como eu, apenas cidadãos do Mundo, Náufragos do Apocalipse, olhando em volta pensam estar a ver um filme de non-sense.
35 centrais nucleares até 1990 para a Península Ibérica não é só algo de impensável pela lei da identidade ou do terço excluído...
Absurdo do absurdo é que este absurdo não espante ninguém. E que todo o absurdo (impensável diz Claude Lévy-Strauss) do Mundo Contemporâneo seja aceite com calma aristotélica por nós todos...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas e com muita honra, foi publicado no semanário de Lisboa, «Edição Especial»,10-9-1978, onde o Fernando Dil me acolheu durante uns tempos que o semanário durou
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FOLHETIM DO APOCALIPSE - PENSAR O IMPENSÁVEL (*)
[«Edição Especial»,10-9-1978] - Já Dostoievsky o afirmara pela boca do seu personagem de A Voz Subterrânea : no dia em que dois e dois deixarem de ser quatro, o Mundo desabará... E o homem, enlouquecido, entrará na fase final da sua derrocada. Talvez no primeiro episódio do Apocalipse, folhetim que substituirá, com vantagem, O Casarão.
Ao publicar, no dia 3 de Setembro de 1978, parte de uma entrevista com Claude Lévy-Strauss, só foi pena que o semanário "Edição Especial" não a publicasse na íntegra e não referisse a fonte, de tal modo importante, de tal modo apocalíptico é o que afirma este célebre antropologista (à parte os equívocos dos académicos estruturalistas que se jogaram a ele como vorazes roedores).
"O mundo contemporâneo é impensável" - diz Claude Lévy-Strauss.
Na boca de alguém cuja profissão é pensar, e pensar o universo que é cada cultura, (o sistema de cada ecossistema chamado "civilização") não deixa de ser interessante tão bombástica afirmação de "impotência". Ou de rendição às bestas do Apocalipse...
De facto, a sensação diária de quem pensa (mesmo dos que, como eu, pertencem ao lumpen-proletariado da Inteligência) é de que o mundo se tornou impensável, não tanto pela colossal complexidade de técnicas, ciências, matérias, disciplinas, etc; não tanto pela velocidade exponencial dos acontecimentos; não tanto pela vertiginosa contradição das forças em presença, mas principalmente pela bojuda capacidade suicida ou auto-destrutiva que este mundo armazenou e continua armazenando em minas de sal gema.
O absurdo instalou-se em plena História (que ultrapassa assim lendas, mitos, ficções) e os profetas que, na arte e na literatura o afirmaram, são hoje confirmados mas largamente ultrapassados pelos factos nas suas antevisões.
Kafka, ao lado disto, é um conto infantil...
Uma economia que deseconomicamente teima, aos gritos, em prosseguir a curva de crescimento até ao infinito, sabendo que o terá de fazer numa biosfera finita de recursos esgotáveis, seria apenas um aspecto desse Super-Absurdo do Mundo Contemporâneo.
Ou então, dessa Super-Lógica que, por enquanto, nos ultrapasse, cérebros ainda aristotélico-cartesianos que somos.
Acostumado a estudar culturas de ecossistema praticamente inalterável, para as quais Aristóteles funcionava, eis que a impensabilidade desta nossa sociedade do desperdício, do absurdo, do humor e do terror é para Strauss, apanhado no banho, a impossibilidade de o cérebro abarcar, dominar e controlar, sequer teoricamente, os mecanismos de desequilíbrio ecológico que a tal paranóia tecno-fascista imprimiu ao ecossistema chamado Planeta Terra.
A lista nunca acaba: cientistas vão produzir chuvas, desviar a corrente marítima do Golfo, transportar icebergues do pólo para os mares temperados, mandar para a lua foguetões com plutónio, aumentar o parque mundial de centrais nucleares até ao infinito (sabendo eles que o urânio está por horas e dá para meia dúzia de anos...), curar o cancro com aquilo que o provoca (radiações ou produtos químicos), evitar sismos provocando explosões atómicas subterrâneas ...que exactamente os provocam.
Enfim, a lista da Anedota, do Absurdo, do colossalmente idiota não termina nunca. É também uma curva exponencial a caminho do infinito.
Será isto a que Lévy-Strauss chama o "impensável"?
Mas não será tudo isto que torna a Ecologia metodologicamente inadiável como dialéctica que se propõe, in extremis, pensar este impensável Mundo?
Não terá de ser ecológica (3° termo da contradição) a lógica da ilógica contemporânea?
Não é preciso ser Lévy-Strauss, nem pai da antropologia estrutural, para ficar perplexo e estupefacto perante o absurdo da lógica contemporânea.
Qualquer mísero cérebro de computador M.I.T. poderá ter idêntico susto.
Muitos como eu, apenas cidadãos do Mundo, Náufragos do Apocalipse, olhando em volta pensam estar a ver um filme de non-sense.
35 centrais nucleares até 1990 para a Península Ibérica não é só algo de impensável pela lei da identidade ou do terço excluído...
Absurdo do absurdo é que este absurdo não espante ninguém. E que todo o absurdo (impensável diz Claude Lévy-Strauss) do Mundo Contemporâneo seja aceite com calma aristotélica por nós todos...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas e com muita honra, foi publicado no semanário de Lisboa, «Edição Especial»,10-9-1978, onde o Fernando Dil me acolheu durante uns tempos que o semanário durou
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