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Monday, September 11, 2006

L. ARMAND 1971

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A APOSTA EUROPEIA DE LOUIS ARMAND (*)

[ (*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «O Século Ilustrado» (coluna «Futuro»), 11-9-1971 e no «Diário do Alentejo» em 6-9-1971 ]



"Tendo entrado na era planetária, a Humanidade deve encaminhar-se para um Governa planetário."

Poderá afirmar-se que a tecnocracia acaba de perder, com a morte de Louis Armand, um dos seus cérebros mais activos e brilhantes. O ex-presidente da Euratom, que ajudou a fundar, era considerado com Jean Fourastié o grande filósofo do crescimento tecnológico e da prospectiva. Com ele, avançou a ideia de que a Humanidade chegou a um estádio de evolução tal que deverá desenvolver-se sem lutas (de classes) e sem conflitos ideológicos ou doutrinários: todos os problemas deverão ser resolvidos pela gestão administrativa e pela precisão calculadora dos computadores e a política deverá transformar-se, puramente, numa técnica das técnicas, numa "arte de administrar os povos para a produtividade" com a deusa-eficácia por ideal e norte.
Louis Armand foi um brilhante defensor destas ideias, que o partido de J.-J. Servan-Schreiber (outro ilustre tecnocrata num país onde há tantos) paradoxalmente politizaria no famoso "manifesto radical".
Louis Armand falava dos europeus, como se falasse dos naturais de um mesmo país. Acreditava na “idade pós-cibernética" (a expressão pertence-lhe) e que haveria para "os europeus a coincidência de duas mutações: a da dimensão e da compreensão europeias, e a da chegada da cibernética".
"Se em 1980 - escreve ele - a Europa não tiver realizado, ainda, as construções eficazes que tornem os europeus mais produtivos, o seu declínio tornar-se-á irremediável."
Tal como Jean-Jacques Servan-Schreiber, também Louis Armand gostava de acenar com o “desafio americano" para incitar ao trabalho os seus "compatriotas europeus". Para os incitar à concorrência, à competição e à autonomia. Para os ver descolonizados da cada vez mais forte pressão do dólar.
O destino, afinal, nem o poupou ao recente e definitivo golpe que, na confiança europeia, desferiu o dólar americano. Louis Armand deve ter-se sentido compensado, pois de certo modo foi mais uma confirmação (e de força, e de peso) das suas profecias.
Na empresa e na gestão previsional assentavam. as bases do seu pensamento prospectivo. Muito. menos filósofo do que Jean Fourastié, via as coisas com mais chauvinismo e, embora a grandeza da França lhe parecesse uma evidência sem discussões, sonhava, talvez, um degaullismo sem De Gaulle em que os técnicos da gestão tomassem o Poder e governassem, administrassem essa França (face ao desafio norte-americano),como uma província - a mais bela, claro e sem dúvida.- da Europa.
Sem chegar a fazer o elogio da publicidade como o seu brilhante colega Georges Elgozy, o autor de "Le Pari Európeen" (a tradução portuguesa apresenta-se com o título, pouco fiel, de "O Desafio Europeu") depositava uma confiança ilimitada na livre concorrência, porque a supunha ultrapassada pelos avanços da tecnologia. Da electrónica, principalmente.
Não esqueçamos de que ele insistia muito na idade cibernética e póscibernética, tanto quanto Schreiber em "Le Défi Américain". E não admitia que alguém pensasse em travar a marcha irreversível da tecnologia industrial (endeusada na empresa capitalista), definindo, desta maneira magistral, o que era para ele a irreversibilidade tecnocrática:
"Ninguém pode parar o estudo das drogas - seja a pílula, sejam os tranquilizantes transformados em euforizantes - ou impedir os aviões de voar cada vez mais depressa."
Ora aí é que o respeitável académico se enganava redondamente. Aqui é que, cego pelo deslumbramento, se estatelava ao comprido, como um típico representante da histeria tecnocrática que era.
A verdade é que não só o mundo terá de fazer alto às drogas (fármacos), como os aviões terão de começar a refrear a escalada da velocidade e o gigantismo absurdo para que caminham, gigantismo que começa a autodestruir-se. O episódio tragicómico do Concorde o prova, por mais que tentem ocultá-lo na manga.
Num contexto neocapitalista, que vê no chegar primeiro a única meta, Louis Armand talvez tivesse razão. Analisado um pouco de fora, a sua sonhada era pós-cibernética perde um pouco o "élan" e a inércia da velocidade, tendo sido a década de 70 a do alarme contra a poluição, a dos "hippies", a de Maio de 68 e a do fracasso Concorde.
Aparentemente e como todo o tecnocrata lúcido, Louis Armand parece acompanhar os tempos. Mas só aparentemente:
"De facto - afirma - as reacções recentes e brutais da juventude vieram confirmar essas reflexões e testemunhar excessivamente que a Universidade se encontrava tão retardatária quanto ao ensino e seus privilégios como a Igreja ao assumir o mesmo papel no tempo de Galileu,"
Daqui a anexar o movimento de Maio para a tecnocracia vai um passo (mas de gigante cabeçudo...). Mais um pouco e éramos capazes de assistir ao elogio dos "hippies", profetas da contracultura teorizada por Theodore Roszak ("Para Uma Contra Cultura", recente edição portuguesa na Dom Quixot), contracultura que, de princípio e por definição, se opõe à ditadura tecnocrática vigente.
A capacidade mimética do camaleão cibernético ficou exemplarmente ilustrada por Louis Armand, que só não tinha política enquanto o deixavam ter a política que convinha. Como os do manifesto radical, ele advogava a passagem "da noção da sociedade de consumo à de sociedade de desenvolvimento", precioso eufemismo que conheceu e conhece voga nas alas liberais do Parlamento francês, por vezes colocadas ao centro.

"Tendo entrado na era planetária, a Humanidade deve encaminhar-se para um Governo planetário" - diz Armand. Só não diz, embora pense, que a França deverá presidir a esse Governo, com qualquer descendente do general De Gaulle ou de Sérvan-Schreiber. Porque - não esqueçamos - foi ele, também, quem escreveu: "O futuro da França chama-se Europa."

PERFIL DE LOUIS ARMAND

Louis Armand nasceu em 1905 e morreu em 1971. Faleceu, portanto, apenas com 66 anos.
Engenheiro formado pela Escola Politécnica e pela Escola de Minas, as suas actividades tiveram sempre dimensão internacional. Director-geral, depois presidente da S.N.C.F. (a C.P. francesa), ocupava, ultimamente, o cargo de secretário-geral da União Internacional dos Caminhos de Ferro.
As actividades de Louis Armand manifestaram-se, igualmente, no domínio da energia, tendo-lhe confiado a Organização Europeia de Cooperação Económica importantes trabalhos. Promotor e primeiro presidente da Euratom (1957-59), participou na elaboração dos tratados de Roma.
A sua acção incessante para conciliar a ciência com o humanismo valeu-lhe a entrada para a Academia das Ciências Morais e Políticas e, depois, para a Academia Francesa.
Em 1968 publicou "Simples Propos". De colaboração com Michel Drancourt, que, como seu discípulo dilecto, será, agora, o seu continuador, publicou: "Plaidoyer pour I'Avenir" (1961) e "Le Pari Européen" (1968).
Estes dois últimos livros de Louis Armand encontram-se traduzidos para português, respectivamente com os títulos "Preparar o Futuro" (Ed. Pórtico) e "O Desafio Europeu" (Ed. Bertrand). Em "Como Viveremos em 1980" (Colecção "Cadernos do Século-, número 8) pode ler-se um interessante texto, balanço das suas ideias, intitulado "O futuro da França chama-se Europa".

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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «O Século Ilustrado» (coluna «Futuro») , 11-9-1971 e no «Diário do Alentejo» em 6-9-1971
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