D.DOLCI 71
71-03-06-ls-leituras selectas dolci-3-profetas do futuro - notas de leitura
[(*) Este texto foi publicado no semanário « O Século Ilustrado» (Lisboa), na rubrica semanal do autor intitulada «Futuro», em 6/3/1971 ]
Apóstolo de um pacifismo que não desarma, Danilo Dolci vem, na linha de Gandhi e de Luther King, dizer-nos neste livro (1), da urgência que há em pregar a «boa palavra», pois, na medida em que se multiplicarem as acções de boa vontade, diminuirá a violência (acredita ele).
Os críticos do pacifismo chamam a isto reformismo e terão possivelmente, (a sua) razão. Mas vistas bem as coisas, e relendo os seus livros, Danilo Dolci não opta por um reformismo. Ele apenas diz que, quer a revolução violenta se faça quer não, a revolução não violenta terá sempre de fazer-se. E para isso vai adiantando. Uma tal atitude exige uma permanente tensão entre o niilismo e a esperança, pondo à prova as energias e disponibilidades de cada um: nem um instante de «relaxing» ou desatenção, todos os minutos serão contados e não podemos depor (abdicar) a responsabilidade de existir como homens em nenhum deus, governo, partido ou providencialismo histórico. Nada substitui a desperta actividade do homem que resiste e age resistindo, como Danilo Dolci pratica e predica.
«É fácil prever que, com o tempo, se imporá, necessariamente, uma nova figura de médico social, ou melhor, a de um grupo pluriespecializado que saiba colaborar na formulação - dos diagnósticos e das terapias, com base, não em leis mais ou menos dogmáticas, mas em análises das diversas situações.»
Lendo estas palavras de Danilo Dolci, ocorrem-nos as que diriam os apóstolos do cooperativismo, das comunas «hippies», da animação de grupo e ocorre-nos até a disciplina «conventual» dos «kibbutz» que, como iniciativas da base, não dependem do topo para funcionar.
Ler Danilo Dolci é ficar com um desesperado desejo de «agir», de acreditar nos homens e na sua capacidade de mudar o mundo, de trabalhar pela fraternidade humana e por uma civilização da fraternidade, enfim, pelo progresso verdadeiro que, se pode ser feito com a ajuda das máquinas, não depende só nem essencialmente delas.
«Actualmente, cada um tem à disposição - em média - uma energia milhares de vezes superior à que existia há poucos séculos.»
Estas palavras de «Inventar o Futuro» podiam ler-se em «Le Matin des Magiciens» ou na filosofia esotérica de Gurdjieff. Tudo leva a tudo, quando é o ponto central que se procura e pretende, quando não é o princípio do mal - o da desintegração, da análise, da dispersão centrifugante, do «yin» - o vício que exclusivamente nos impulsiona. Há ressonâncias iniciáticas na «praxis» de Danilo Dolci. Por procurarem a unidade, quantos profetas viram a fogueira? Quantos suicidas de Lille ainda terão que surgir? Quantos monges budistas imolados pelo fogo?
Mas é aí, por eles e com eles que, segundo a via de Danilo Dolci, o futuro nasce e se implantam os fundamentos de uma nova ética, é aí que a Nova Utopia vai enraizando alicerces.
Hão-se chover sobre Danilo Dolci as mesmas críticas que choveram sobre René Cassin (Prémio Nobel da Paz), agora que uma comissão universitária dinamarquesa lhe conferiu o Prémio Sonning. Mas é da «condição pacifista» ver-se atacado por todos os sectores extremistas. Porque serve, sem o querer, todas as violências organizadas? Eis a grande questão a debater.
De resto, manter-se firme no meio de todos os ataques faz parte ainda da moral estóica que António Sérgio ensinava e que até antologiou para breviário dos lutadores não violentos: todos conhecem os belos textos de Marco Aurélio. O estóico coexistirá no pacifista, se quiser enfrentar a violência da crítica e a crítica da violência.
A notícia da atribuição do Prémio Sonning ao «socialista italiano» Danilo Dolci foi dada nestes termos, pela Reuter, aos jornais portugueses:
COPENHAGA, 10 - Uma comiss5o universitária dinamarquesa conferiu a noite passada o Prémio Sonning de 1971 ao reformador social italiano Danilo Dolci.
O prémio, de 125 000 coroas dinamarquesas, foi concedido a Dolci, de 46 anos, pela sua luta contra injustiças sociais na Sicília.
Comissões foram criadas na Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental e Suécia para auxiliar Dolci na sua obra e 30 parlamentares suecos recomendaram Dolci para o Prémio Nobel da Paz de 1966.
O Prémio Sonning é conferido por uma comissão eleita pela Universidade de Copenhaga por serviços prestados à cultura europeia.
O prémio foi fundado pelo editor C. H. Sonning, que faleceu em 1937. Foi concedido pela primeira vez em 1950 ao primeiro-ministro britânico, Winston Churchil, e, mais tarde, ao filósofo britânico Bertrand Russell, ao cientista dinamarquês Niels Boohr e ao actor britânico «sir» Laurence Olivier.
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(1) «Inventar o Futuro» de Danilo Dolci, trad. de Maria Irene Frias e Gouveia, Col. «Mundo Imediato,» Morais Ed., Lisboa, 1971.
(*) Este texto foi publicado no semanário « O Século Ilustrado» (Lisboa), na rubrica semanal do autor intitulada «Futuro», em 6/3/1971
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LER DANILO DOLCI (*)
[(*) Este texto foi publicado no semanário « O Século Ilustrado» (Lisboa), na rubrica semanal do autor intitulada «Futuro», em 6/3/1971 ]
Apóstolo de um pacifismo que não desarma, Danilo Dolci vem, na linha de Gandhi e de Luther King, dizer-nos neste livro (1), da urgência que há em pregar a «boa palavra», pois, na medida em que se multiplicarem as acções de boa vontade, diminuirá a violência (acredita ele).
Os críticos do pacifismo chamam a isto reformismo e terão possivelmente, (a sua) razão. Mas vistas bem as coisas, e relendo os seus livros, Danilo Dolci não opta por um reformismo. Ele apenas diz que, quer a revolução violenta se faça quer não, a revolução não violenta terá sempre de fazer-se. E para isso vai adiantando. Uma tal atitude exige uma permanente tensão entre o niilismo e a esperança, pondo à prova as energias e disponibilidades de cada um: nem um instante de «relaxing» ou desatenção, todos os minutos serão contados e não podemos depor (abdicar) a responsabilidade de existir como homens em nenhum deus, governo, partido ou providencialismo histórico. Nada substitui a desperta actividade do homem que resiste e age resistindo, como Danilo Dolci pratica e predica.
«É fácil prever que, com o tempo, se imporá, necessariamente, uma nova figura de médico social, ou melhor, a de um grupo pluriespecializado que saiba colaborar na formulação - dos diagnósticos e das terapias, com base, não em leis mais ou menos dogmáticas, mas em análises das diversas situações.»
Lendo estas palavras de Danilo Dolci, ocorrem-nos as que diriam os apóstolos do cooperativismo, das comunas «hippies», da animação de grupo e ocorre-nos até a disciplina «conventual» dos «kibbutz» que, como iniciativas da base, não dependem do topo para funcionar.
Ler Danilo Dolci é ficar com um desesperado desejo de «agir», de acreditar nos homens e na sua capacidade de mudar o mundo, de trabalhar pela fraternidade humana e por uma civilização da fraternidade, enfim, pelo progresso verdadeiro que, se pode ser feito com a ajuda das máquinas, não depende só nem essencialmente delas.
«Actualmente, cada um tem à disposição - em média - uma energia milhares de vezes superior à que existia há poucos séculos.»
Estas palavras de «Inventar o Futuro» podiam ler-se em «Le Matin des Magiciens» ou na filosofia esotérica de Gurdjieff. Tudo leva a tudo, quando é o ponto central que se procura e pretende, quando não é o princípio do mal - o da desintegração, da análise, da dispersão centrifugante, do «yin» - o vício que exclusivamente nos impulsiona. Há ressonâncias iniciáticas na «praxis» de Danilo Dolci. Por procurarem a unidade, quantos profetas viram a fogueira? Quantos suicidas de Lille ainda terão que surgir? Quantos monges budistas imolados pelo fogo?
Mas é aí, por eles e com eles que, segundo a via de Danilo Dolci, o futuro nasce e se implantam os fundamentos de uma nova ética, é aí que a Nova Utopia vai enraizando alicerces.
Hão-se chover sobre Danilo Dolci as mesmas críticas que choveram sobre René Cassin (Prémio Nobel da Paz), agora que uma comissão universitária dinamarquesa lhe conferiu o Prémio Sonning. Mas é da «condição pacifista» ver-se atacado por todos os sectores extremistas. Porque serve, sem o querer, todas as violências organizadas? Eis a grande questão a debater.
De resto, manter-se firme no meio de todos os ataques faz parte ainda da moral estóica que António Sérgio ensinava e que até antologiou para breviário dos lutadores não violentos: todos conhecem os belos textos de Marco Aurélio. O estóico coexistirá no pacifista, se quiser enfrentar a violência da crítica e a crítica da violência.
A notícia da atribuição do Prémio Sonning ao «socialista italiano» Danilo Dolci foi dada nestes termos, pela Reuter, aos jornais portugueses:
COPENHAGA, 10 - Uma comiss5o universitária dinamarquesa conferiu a noite passada o Prémio Sonning de 1971 ao reformador social italiano Danilo Dolci.
O prémio, de 125 000 coroas dinamarquesas, foi concedido a Dolci, de 46 anos, pela sua luta contra injustiças sociais na Sicília.
Comissões foram criadas na Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental e Suécia para auxiliar Dolci na sua obra e 30 parlamentares suecos recomendaram Dolci para o Prémio Nobel da Paz de 1966.
O Prémio Sonning é conferido por uma comissão eleita pela Universidade de Copenhaga por serviços prestados à cultura europeia.
O prémio foi fundado pelo editor C. H. Sonning, que faleceu em 1937. Foi concedido pela primeira vez em 1950 ao primeiro-ministro britânico, Winston Churchil, e, mais tarde, ao filósofo britânico Bertrand Russell, ao cientista dinamarquês Niels Boohr e ao actor britânico «sir» Laurence Olivier.
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(1) «Inventar o Futuro» de Danilo Dolci, trad. de Maria Irene Frias e Gouveia, Col. «Mundo Imediato,» Morais Ed., Lisboa, 1971.
(*) Este texto foi publicado no semanário « O Século Ilustrado» (Lisboa), na rubrica semanal do autor intitulada «Futuro», em 6/3/1971
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