DE METAMORFOSE EM METAMORFOSE: A MAGIA SOBREVIVE EM LIVRO
Desde «As Mil e Uma Noites» ao «Pinóquio» de Carlo Collodi, o mito da metamorfose existe, sob as mais variadas formas e abundância de pormenores, nas narrativas lendárias e nos contos de encantar.
O génio da lâmpada, na história de Aladino, é alegoria à mudança, como é o gato das botas. Pinóquio, através de perigos e ciladas, e antes de assumir a sua identidade, crescem-lhe as orelhas e o nariz. O suspense de não (se) saber quem é, acompanha as metamorfoses da identidade ou fases alquímicas.
O Diabinho dentro da Garrafa (retomado por Robert Louis Stevenson) é uma reminiscência da pedra filosofal, ou seja, a detenção (fechada) de um poder especial por parte de quem o possui.
A pobreza da literatura dita realista reside na ausência de metamorfose e Kafka abriu com uma «Metamorfose» a porta à Idade Moderna.
Mesa mágica (mesa encantada) que se enche de repente de iguarias, burro mágico que fazia moedas de ouro, pau mágico que se põe a bater sem ninguém lhe pegar: são histórias de encantar que se contam às crianças.
O gato das botas que se veste de pagem vai, de metamorfose em metamorfose, de ludíbrio em ludíbrio, até casar com a filha do Rei. Ele simula a queda do pai ao rio, simula que o pai é aclamado pelo povo e quando chega a um gigante que se transforma em rato, o gato come-o. De metamorfose em metamorfose, de logro em logro, de simulacro em simulacro, a história do gato das botas é uma alegoria óbvia das fases alquímicas da mudança, que termina ( em mal ou em bem, conforme a perspectiva é materialista ou iniciática) com a posse do poder: casaram e foram muito felizes... O que é, evidentemente, outro logro, mas esse do próprio narrador, que não percebeu nada da simbologia alquímica da história que contou. Pelo som da flauta, Hamelin, o mago, consegue a metamorfose: havia ratos aos milhares na cidade, ele leva-os a afogarem-se. Havia crianças e ele, com a flauta, leva-as para um mundo diferente. A Bela Isabel é aos 16 anos que, cumprindo a profecia da Bruxa Má, se pica na Roca e se torna a Bela Adormecida. Vem a Fada Boa para a desencantar: a metamorfose, obviamente.
À sua metamorfose alquímica dedica uma vida inteira o Dr. Jekil, até se transformar em Mr. Hyde e a Cinderela não se liberta enquanto não calça o sapato mágico (muda, ainda que efemeramente). O lobo traveste-se de avózinha para melhor comer o Capuchinho vermelho. O Patinho feio há-de um dia ser alguém diferente, apesar de feio.
Restos quase irreconhecíveis da linguagem primordial, lendas e contos guardam ainda a estrutura informativa, o paradigma dessas origens. O mito da metamorfose, por exemplo, talvez o mais frequente da literatura que se classifica de fantástica por oposição a realista, aparece com a óbvia claridade do seu simbolismo alquímico. De mão em mão, de língua em língua, de mundo em mundo, de continente em continente, os contos e lendas de encantar (a magia foi a ciência dos tempos iniciais), as histórias de mudança, as metamorfoses, as iniciações diferentes ainda hoje servem de regalo a crianças e adultos, por mais que as traduções sucessivas, de idioma em idioma, tenham sido sucessivas traições.
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