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Thursday, February 02, 2006

Y.FRIEDMAN 92

92-02-04 – ls> leituras do ac - yona> [ 868 caracteres - «releituras do acaso» - suplemento «Largo» - hipóteses de ilustração: retratos de M. L. Pintasilgo, Ivan Illich, Yona Friedman, etc]

4-2-1992

RELEITURAS DO ACASO - CONSTRUTORES DO FUTURO

«O que aconteceria se as donas de casa se organizassem em sindicato e entrassem em greve»?
Esta pergunta, formulada por Yona Friedman no livro «The Quarternary Sector», vem reproduzida no número 46 (Agosto/Setembro 1983) da publicação do movimento Graal «Mudar a Vida».
O texto de Yona Friedman que aí se apresenta vem complementado com citações de Ivan Illich retiradas do seu último livro «Le Genre Vernaculaire», análise sobre o que aquele pensador tem designado várias vezes como «trabalho-sombra».
Recorde-se que existe uma obra de Yona Friedman traduzida e publicada em Portugal, «Utopias realizáveis» (Socicultur, 1978) e que ele é actualmente membro da Universidade Internacional da UNESCO, a que também pertence Maria de Lurdes Pintasilgo, igualmente -- como se sabe -- figura destacada do movimento «Graal».
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S. GERMAIN 97

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4-2-1997

«O ENIGMÁTICO CONDE DE S. GERMAIN»

[A reter do livro comentado: (*) «O Enigmático Conde de S. Germain » , Pierre Ceria e François Ethuin, Ed. Minerva - Lisboa, 1970]

O grande Livro da eternidade
Sinarquia
Om mani padme hum
O Devhanagar é a língua sagrada dos indianos ( Pg 253)
Os Rosa-Cruz herdeiros directos da tradição egípcia.
Da Vinci iniciado
Período Pré-adâmico
Templo de Salomão no Monte Moriah
Rituais de Magia
Imortais ainda vivem e governam
Mistérios da iniciação

Livros citados:
«A Missão da Índia na Europa», Saint -Yves de Alveydre
«The Master», Annie Besant
«Animais, Homens e Deuses», Ossendowski
«Formulário de Alta magia», P.V. Piobb
«Dos Princípios», Orígenes

Figuras citadas:
Christian Rosencreutz
Nostradamus
Nicolas Flamel
Ramón Lull
Eliphas Lévy ( Ashé Constant)
Apolónio de Tiana
Martinez de Pasqually
Mesmer
Goethe
W. Shakespeare
Roger Bacon

Correntes citadas no livro:
Albigenses
Cátaros
Essénios
Templários

Lugares-comuns (aproveitáveis):
«Estudo dos fluidos humanos, minerais e celestes»
«Leonardo da Vinci sempre demonstrou possuir uma profunda cultura hermética»
«Chefes supremos da Fraternidader»
«Arcanos da Grande Obra»
«A reunião dos iluminados»
«Pertencia a uma sociedade secreta»
«A origem da Sociedade remonta à mais alta antiguidade egípcia»

Boas frases do livro:
«Só o fantástico tem possibilidades de ser verídico»
Teilhard de Chardin

«A ciência perfeita consiste na distribuição da Sombra e da Luz.»
Leonardo da Vinci

«Separarás a Terra do Fogo, o subtil do espesso, suavemenrte, com grande indústria».
Tábua de esmeralda

«A água representava para os judeus da Kabballa o elemento ou matéria-primas cósmicas.»

«O esquecimento é um favor de Deus»

«O Antigo Testamento cita Enoch, Melquisedeque e Elias, que preside à grande obra hermética e encarna a natureza do Fogo filosófico»

«Para René Guénon, Enoque (Seyidna Isis) e Elias ( Seyidna Dhul Kefe)ambos elevados ao Céu, não passaram pela morte corporal. Diz-se que se devem manifestar de novo (capítulo XI do Apocalipse) e a tradição islâmica situa-os na esfera solar. »

«A busca do segredo da imortalidade prosseguiu tão afincadamente na China como a da Pedra Filosofal no Ocidente:»
Alexandra David Neel

«A magia negra absorve e esgota a vitalidade de outros organismos humanos. No Tibete , só a seita dos Barretes vermelhos se atreve a práticar estas operações » (Pag 121)

«Essa força fluidica, origem de todas as coisas,
é o Od dos Hebreus,
o Aum dos cabalistas,
o Mercúrio Universal da Alquimia,
a Luz Astral dos Magos
o Eter dos Físicos
Uma das modalidade dessa força única é inerente tanto ao organismo humano como à matéria e pode , em certos casos, provocar fenómenos inexplicáveis.

«O homem faz parte do Cosmos e deve, custe o que custar, evoluir com ele.»
R. Emmanuel
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GANDHI 84

gandhi-1-ls> = leituras selectas - terça-feira, 31 de dezembro de 2002-scan

APRENDER YIN-YANG - GREVE DA FOME PARA TODOS OS GOSTOS (*)

[«Crónica do Planeta terra», «A Capital», 4-2-1984]

A não violência praticada por Gandhi e o ódio de classes teorizado por Marx são opostos irredutíveis. Dois proveitos não cabem no mesmo saco. Nem mesmo a tolerância dialéctica yin-yang, aprendida dos taoístas, tolerância que é costume invocar quando se quer misturar a água e o fogo, autoriza a meter estes dois contrários absolutos no mesmo pote.

Só os contrários relativos ou complementares entram no jogo taoísta do Yin-yang . E de pouco serve querer conciliar o Satã contemporâneo, o Anti-Cristo da violência erigida em religião, com o Deus das bem aventuranças salvíficas.

Ainda que - como rezam as Escrituras - o Diabo seja um Anjo caído e um filho de Deus não reconhecido pelo pai.

Para nos safar do beco contemporâneo - cuja única saída é o holocausto nuclear - teremos de reaprender sem dúvida, e rapidamente, a jogar o yin-yang, desportivamente encarar o inimigo como um adversário de ping-pong, Mas a condição prévia dessa iniciação no yin-yang é não invocar o seu santo nome em vão, nem admitir em seu nome tudo quanto o destroi.

SACO DE GATOS

Posto isto, as greves da fome - técnica não violenta - para impor posições violentas de ideologias baseadas no ódio e na luta de classes, que se perpetuaria até à ditadura de uma delas, entram em contradição não dialéctica.

Como travestis se devem encarar, igualmente, os belicismos que dizem defender a paz, a luta de classes que apela ao pacto social, os ecologistas que postulam a revolução por meios violentos e outras oposições irredutíveis que se passeiam calmamente em nome do Tao supremo ou mesmo do supremo Mao, seu herdeiro moderno e que consultava o I-Ching como oráculo nos momentos críticos da governação.

"Sobre a Contradição ", do filósofo Mao Tsé Tung, é um texto de leitura aconselhável e que poderia, se praticado, salvar muitas vidas que a luta de classes continua ceifando. Podia também evitar os espectáculos naturalmente chocantes, os travestis da paz, da liberdade, da vida, estes últimos a defenderem agora, à uma, o aborto como supina moral da indecência e da morte. Macaca.

CONTAGEM DECRESCENTE

"A vida e a verdade é que são as verdadeiras forças".

Máximas gandhianas como esta convidam à reviravolta de 180 graus num sistema baseado em princípios antiteticamente e simetricamente opostos.

E suscitam a geral hilariedade, naturalmente. A moral hoje tornou-se ridícula. Só que o espectáculo "is over", com a bomba à vista. Começou a contagem decrescente para a deflagrar na derradeira catástrofe que o homem se permitirá sobre o Planeta Terra.
Aí, os que se riram da pobreza gandhiana e da pobreza franciscana sua ancestra, já só vão rir amarelo. Mas são eles, tefe-tefe, os primeiros a recear o holocausto atómico, a encomendar o abrigo nuclear, a profetizar que mais de metade da humanidade irá para o galheiro à primeira deflagração de mísseis bons. (E a outra metade, chucha no dedo?).

O medinho de morrer, aí, à Gerontocracia contemporânea, já não lhe parece ridículo. Mas os abrigos anti-atómicos, então, o que são? Como verão hoje esses compradores de abrigos as máximas gandhianas da não violência? Perceberão ao menos a estreita relação de causa e efeito?

Os valores morais da não violência (única Ética hoje possível) atrofiam-se e ninguém acredita que o imponderável do espírito tenha peso no meio da truculência e da violência instaladas. À santíssima trindade - liberdade, igualdade e fraternidade - faltou apenas o golpe de asa: a Tolerância dialéctica yin-yang. E falta. Mas até quando, face à contagem decrescente para o abismo?

PACIÊNCIA EVANGÉLICA

Os gandhianos, no entanto, insistem com paciência evangélica, em fazer a revolução por dentro. E têm cada vez mais razão quando denunciam o fascismo latente de todas as revoluções feitas por fora.

Sabem que é um longo trabalho de paciência, mas se forem muitos a ajudar... Estamos quase no zero da contagem decrescente, quem se filia na Arca?


"Há outras forças além da força armada - disse-nos Parodi, sucessor de Lanza del Vasto na Comunidade da Arca - a vida é uma força, a união dos homens, o trabalho, a verdade também são forças construtivas. "

E concretiza, como La Palisse: " Não se pode construir nada com a força das armas."

Igualmente olhado com um sorriso trocista, que ainda não era amarelo, o jejum praticado por monges budistas, durante a guerra do Vietname, chegava ao Ocidente super-star (através
das endiabradas agências noticiosas) com ar de exotismo execrável.

Quando os violentos guerrilheiros de Esquerda revolucionária adoptaram na Europa (na Irlanda, por exemplo) a "greve da fome" como forma de pressão sobre o Estado - que incarna a excelência fascista em todas as épocas e lugares - as coisas mudaram de figura.

Afinal, jejuar à Gandhi já não era uma mania mística: era uma forma de luta e podia inscrever-se nas alíneas de um caderno reivindicativo, perfeitamente enquadrado na dialéctica da luta de classes.

Quem terá de engolir mais este sapo vivo, quer dizer, mais este paradoxo?

É preciso um espírito aberto e sem preconceitos raciais para olhar as tácticas da luta não violenta sem um riso de comiseração. É preciso saber que estamos a contar para o zero final. É preciso a noção vivida do simples, do pobre e (agora tanto em voga) do "small is beautiful" como valores humanos fundamentais, base de qualquer Declaração de Direitos.

É preciso , em suma, o inverso das ideologias violentas, a Leste ou e a Oeste, fazer stop neste «continuum» ou «perpetum mobile" até ao holocausto final. É preciso, para levar a sério os conselhos tácticos da não violência, acreditar mais na lei da causalidade cármica do que na lei da identidade lógica.

Como escreveu Helena Santos, aliada da Arca em Portugal e tradutora para português da obra de Lanza dal Vasto, "a profecia da ruína futura tem implícito um convite à conversão interior de cada homem (inteligência, coração e corpo) que é a não violência." Outros dirão sinónimos: o Princípio Único, o Tao, o yin-yang.

Esta profecia da ruína planetária, que aproxima os não violentos dos ecologistas, viu-se recentemente adoptada pelos próprios violentos de repente travestidos de pombas evangélicas e pacifistas. Anedota trágica, humor negro.


O TESOURO DOS LAMAS

Escolas de não violência , as comunidades da Arca espalhadas pelo Mundo preparam os seus aliados para acções de resistência passiva, objecção de consciência, greves da fome (a que eles preferem obviamente chamar jejuns), manifestações silenciosas, sit-ins, enfim, as várias formas que assume o combate ensinado por Gandhi e por ele praticado.

"Aprendizagem é inseparável da prática" - repete Pierre Parodi, herdeiro de Lanza del Vasto na "chefia" espiritual da Comunidade-mãe em França.

Tem de facto muito a ver com os conceitos preservados nos países do Oriente esta aliança indissolúvel da doutrina e da prática. Resta um mistério na história contemporânea a invasão sangrenta que Mao Tse Tung fez do Tibete, queimando e saqueando mosteiros da Ordem Nyingma.

Não está ainda esclarecido se o grande Estadista queria libertar os camponeses tibetanos da miséria, se queria descobrir o tesouro guardado nos subterrâneos do Himalaia, a raiz última da Sabedoria, a pedra filosofal ou, segundo outros, o Santo Graal.

O namoro que recentemente a China e a URSS têm feito ao Dalai Lama, para que ele regresse ao Tibete saqueado, faz pensar que não encontram o tesouro e querem guia.

De facto, esclerosada até aos limites do inverosímil (e agora até aos limites do suportável pelo Ecossistema Terra), a ciência enveredou no Ocidente pelo delírio teórico e, ao perder o centro de gravidade, entrou em órbita da Asneira pelo espaço astral fora. Esta perversão explica muitas , se não todas as perversões dominantes neste tempo-e-mundo (imundo) ocidental.

A unidade tão insistentemente procurada e proclamada por Lanza del Vasto é a démarche aparentemente metafísica para reencontrar o real numa civilização de fantasmas (as teorias, as ideologias, os ismos, os sistemas).

Ao falar de realismo, é às fontes do realismo e da dialéctica yin-yang (taoísmo, Zen, budismo tibetano) que o Ocidente tem de recorrer. Se tiver tempo, dada a contagem decrescente...

Gabriel Marcel atribuía os crematórios nazis ao "espírito de abstracção", hoje transformado em religião - a Tecnocracia. Quando se perde o fim e os princípios, tudo é possível. Tudo tem sido possível, soando a heresia as máximas não violentas de Gandhi.

Um personagem de Dostoievski, com certeza dos irmãos Karamazov, dizia o mesmo aludindo à morte de Deus: "Agora tudo é possível". Tem sido, e foi, até aos crematórios nazis. Mas ainda será?

PLENÁRIOS DE TRABALHADORES

Da heresia passamos ao estratosférico.

A democracia que se pratica nas comunidades da Arca, é algo que não se acreditaria neste planeta Terra.

Afirmar que nas comunidades fundadas por Lanza del Vasto, só se tomam decisões por unanimidade, pode parecer um gracejo.

Democracia, nos nossos costumes, é o governo da maioria, em nome da maioria. As minorias metem-se na ratoeira e dá-se-lhes raticida.

O "direito de minoria" é ignorado por essas democracias, por isso também alcunhadas de mediocracias. Embora seja o direito fundamental. do homem - ser o que é, pensar o que pensa - , varreu-se dos nossos costumes.

Curioso mas não único paradoxo do sistema em que estamos entalados. O movimento da Arca, embora não o explore demagogicamente, na prática dá uma lição e uma bofetada com luva na fraude institucionalizada das ditaduras da maioria. Uma bofetada não violenta, claro, amigável.

Segundo Pierre Parodi, a verdadeira democracia é a que se pratica nas comunidades da Arca. Mas também reconhece que esta democracia autêntica só é possível num pequeno grupo orientado no mesmo sentido espiritual.

Os cépticos duvidarão mas os não violentos teimam: "Não há autoridade autoritária nas nossas comunidades, todos temos a responsabilidade dos nossos actos."

Se só se tomam decisões por unanimidade, os cépticos constitucionalistas dirão que na Arca não se tomam nunca decisões.

Puro engano. Numa assembleia os discordantes fazem um esforço convergente, no sentido de se aproximarem das outras posições, em vez de se encarniçarem na defesa das próprias posições."

É a dialéctica yin-yang em acção, o segredo de Polichinelo : "Cada um não defende a sua própria opinião mas pesquisa a dos outros."

E assim o dom de cada um é oferecido para o bem de todos.

E assim não é o chefe que toma decisões, mas cada um e todos.

Os adeptos da não violência não hesitam em acusar: "Somos uma sociedade de irresponsáveis.'' Salvo seja. E salvo aquele pequeno defeito já citado : temos os minutos contados.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas, foi publicado com este título e ainda bem (oxalá possa publicá-lo mais vezes) na «Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 4-2-1984
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Wednesday, February 01, 2006

L. CHESTOV 92

chestov3> notas de leitura [ solta - suplemento «largo» - 868 caracteres] releituras do acaso - as correspondências imaginárias - visionários ou parentes do surrealismo

O «A» QUE É «A»

3/2/1992 - O princípio da identidade que ainda se estuda na secção dos compêndios de Filosofia chamada «Lógica», aparece discutido por Leão Chestov, entre outras obras n'«As Revelações da Morte» e a pretexto de um livro de Dostoievski, quase esquecida, «A Voz Subterrânea»
É interessante a revolta que em certos autores modernos se verifica contra esse soberano princípio -- base da lógica aristotélica e do raciocínio dualista tal como veio sendo praticado nas culturas de herança greco-latina -- contra a «ditadura» desse princípio - «o que é, é» -- revolta que se sabe antecipadamente frustrada, que de vez em quando recrudesce de intensidade e que a dialéctica, mediante uma ligeira modificação no princípio - A pode não ser A -- pretende superar.
Todavia, quem se pode gabar de poder fugir à tirania do A que é A? Quem?
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E.MORIN 92

morin-1-ls= leituras selectas - solta ou em secção «releituras do acaso» - suplemento «largo» - 1452 caracteres - correspondências mágicas - caminhos do maravilhoso

O SÁBIO É O INOCENTE 
PENSAMENTO ANALÓGICO PARA PENSAR O IMPENSÁVEL

[3-2-1992] - Na sua obra «O Homem e a Morte», página 102 da edição em língua castelhana, Edgar Morin considera que a velha máxima ocultista «o «macrocosmos reproduz o microcosmos» é imediatamente mágica», isto é, «está intimamente ligada à vontade do microcosmos de identificar-se com o macrocosmos ou de se apropriar dele, imitando-o ou ordenando-o».
Edgar Morin cita depois S. Anthony para definir magia: «comportamento que implica que as coisas ocorrem tal como foram pensadas, desejadas ou imitadas.»
As tecnologias apropriadas (TA's) poderão ter algo de mágico, nesta acepção, mas a áurea mitológica desaparece dessas técnicas, que se mostram afinal de um pretenso rigor experimental e científico.
Tornar «mágicos» os poderes do homem é o convite das tecnologias humanas apropriadas, sem que esse objectivo de poderio seja necessariamente deliberado. Para não ser violência nem violento, o poder só pode acontecer em simultâneo com a sabedoria, que se traduzirá por inocência ou candura na nomenclatura original (radical, de raiz).
Daqui resulta a noção de oculto inerente ao poder verdadeiramente demiúrgico do homem possesso da sua ligação com Deus!
O pensamento contraditório ou paradoxal, a que os livros chamam analógico ou sincrónico, é, por isso, o único instrumento capaz de acompanhar o desafio do fantástico.
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M. LARANJEIRA 92

92-02-03-ls> = leituras selectas - laranjei> [solta - «Largo - 1745 caracteres]

EVOCAÇÃO DE MANUEL LARANJEIRA - CONSCIÊNCIA DO PESSIMISMO NACIONAL

3-2-1992

[(*) Este texto de Afonso Cautela terá sido publicado no «Diário do Alentejo», suplemento «Largo» , dirigido por Miguel Serrano, em data por determinar]

Representante do «pessimismo nacional», como ele próprio o designou, Manuel Laranjeira, médico, filósofo e escritor, morreu (suicidou-se) aos 35 anos, em 1912, praticamente inédito. Lentamente, sazonalmente, a edição recupera-o como um caso perdido e um precioso achado, através de três das suas colectâneas, textos reunidos e cremos que póstumos: «Diário», «Prosas Perdidas», «Cartas».
São estes dois últimos títulos que voltam agora em reedição Relógio d'Agua, para nos confrontar de novo com a estranheza deste meio estrangeirado no mundo e em qualquer pátria.
Laranjeira incarna a frustração pessoal de muitos ideais e mitos da civilização cristã ocidental (contra a qual geneticamente se encontrava incompatibilizado desde anteriores reencarnações) mas, curiosamente, e na perspectiva em que o tempo já o colocou, podemos ver hoje que ele reflecte também as mais profundas frustrações de um povo que, sem querer e sem saber, sintonizou.
Mas, tal como Laranjeira, também o povo português vive amarrado a esses fantasmas, sem compreender que a sua pátria está algures, no centro da sabedoria. Como o seu homólogo e contemporâneo de Salamanca, Miguel de Unamuno, logo bem notou, poucos homens há que «tenham juntado a uma inteligência tão clara e penetrante um sentimento tão profundo.
Nele, como em Antero, a cabeça e o coração travaram renhida batalha.»
Como Antero também está na moda, mercê de uma universidade açoriana que se revê separatisticamente no génio desse poeta, humanista e apóstolo, perdoando-lhe o tresloucado acto, temos com Laranjeira o dueto do «pessimismo nacional» que ajuda, como um espelho, ao diagnóstico e à radiografia do nosso destino colectivo.
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(*) Este texto de Afonso Cautela terá sido publicado no «Diário do Alentejo», suplemento «Largo» , dirigido por Miguel Serrano, em data por determinar
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E.B. CHAVES 92

92-02-03-ls> = leituras selectas - chaves> [ solta ou em secção «releituras do acaso» - suplemento «largo» -- 2187 caracteres]

EDUARDO B. CHAVES: QUEM AMALDIÇOA A SUA MENSAGEM?

Lisboa, 3/2/1992 - Segundo nos conta o escritor brasileiro Eduardo B. Chaves, especialista de Astroarqueologia, ele teve que enfrentar uma verdadeira rajada de obstáculos, uma espécie de «tufão do mal», quando se decidiu publicar «Mensagem dos Deuses», obra em que nos tenta demonstrar que no Brasil terão possivelmente vivido seres extraterrestres que formaram e educaram verdadeiras colónias e que criaram uma civilização totalmente diferente daquela que hoje conhecemos.
Subintitulada «Para uma revisão da História do Brasil», a obra de Eduardo Chaves parece inscrever-se assim na lista dos «livros malditos», cuja história impressionante o escritor francês Jacques Bergier teve ocasião de relatar em «Livros Malditos» (Livraria Editora Hemus, São Paulo, 1972).
Ainda que salte para o domínio do inverosímil, a série de ocorrências estranhas contadas por Eduardo Chaves não pode ter sido inventada. E bastava metade de todas essas peripécias, para nos deixar não só impressionados mas verdadeiramente dispostos a seguir algumas pistas ou, pelo menos, a responder a estas perguntas:
- Quem estará -- e porquê, e onde? -- interessado em impedir, por todos os meios, incluindo os mais insólitos, que determinadas mensagens sejam divulgadas, quer dizer, exoterizadas?
- Estaremos a ser vigiados e controlados por entidades atentas?
- Esotérico significará o que não deve ou o que não pode ser divulgado ao comum dos mortais?
- Que sina persegue, através dos séculos, certos livros? (E, já agora, certos autores?)
- Atingir o conhecimento de determinadas leis de funcionamento do Universo será o que algumas religiões chamam «pecado original» e terminantemente proíbem?
- Estaremos condenados a «não conhecer» certas zonas da Luz por serem demasiado intensas ou por lá só podermos e devermos chegar depois de iniciados?
Estas e outras perguntas saltam ao nosso consciente enquanto lemos o relato, impressionante, que Eduardo Chaves faz das atribulações que passou para publicar o seu livro.
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A. BRETON 92

92-02-03–ls-ss = surrealismo e surrealistas - breton [solta - suplemento «Largo» - 2388 caracteres]

3-2-1992

RELEITURAS DO ACASO 
AS LEIS DO IMAGINÁRIO

Relendo «O Amor Louco» de André Breton, na tradução de Luísa Neto Jorge, e o «O Acaso e a Necessidade», de Jacques Monod, algumas ideias convém reter para futuras investigações no desconhecido a que se costuma chamar futuro.
«Para a maioria dos espíritos literários, o fantástico define-se como uma violação das leis naturais, uma aparição do impossível» - diz Louis Pauwels, que logo a seguir comenta e rejeita aquela definição tradicional: «Junto ao insólito e ao curioso, o fantástico seria um aspecto mais do pitoresco. Ora investigar o pitoresco nos parece uma actividade ociosa e, resumindo, uma ocupação burguesa. Segundo o nosso parecer, o fantástico não é jamais uma violação, mas uma manifestação das leis naturais. Surge do mesmo contacto com a realidade, com a realidade observada directamente e não filtrada através dos nossos preconceitos e prejuízos, velhos e novos.»
Temos então que, ao contrário do assente e aceite, o fantástico não é uma violação das leis mas um alargamento dessas leis naturais até onde os preconceitos e prejuízos não deixavam ir a imaginação (a razão imaginadora).
Não parece abusivo, pois, considerar que Alfred Jarry com a sua Patafísica, Breton com o surrealismo, Pauwels com o realismo fantástico, Jacques Monod com as suas heresias de biólogo heterodoxo, estão prolongando e não negando a ciência.
Não é mera questão de palavras chamar «ciência» à ciência A, ou chamar ciência a tudo o que, de A a Z, merece tal nome. Não é indiferente e a diferença é importante. Porque está em jogo o reconhecimento «científico» de coisas como as «leis da excepção» (Alfred Jarry), a «lógica do contraditório» (Stephan Lupasco) e a dialéctica da individualidadee criadora (anarco-utopismo). No fundo, trata-se de (re)descobrir a imaginação e suas leis. Ora o que uma concepção tradicional recusa é que haja leis para a imaginação e que a liberdade possa ter a sua gramática.
Tal como Breton ensina em «O Amor Louco», pode cultivar-se o acaso e pode trabalhar-se para não sermos cegas vítimas do finalismo fatalista e determinista. Pode ir-se ao encontro do livre arbítrio.
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(*) «O Amor Louco», André Breton, Trad. Luisa Neto Jorge, Ed. estampa, Lisboa, 1971
«O Acaso e a Necessidade», Jacques Monod, Col«Estudos e Documentos», Publicações Europa-América
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J. LÉVY 93

orto-1> acetatos ficha de pesquisa elaborada pelo aluno nº 170 do 1º ano, para a nossa professora de biologia molecular ficha de pesquisa revisão:quarta-feira, 1 de Fevereiro de 2006

3-2-1993

DA BIOLOGIA CELULAR À NATUROLOGIA :A LÓGICA ORTO E INTERMOLECULAR (*)

Podemos chamar-lhe «convergência ortomolecular» ou, mais filosoficamente, «convergência holística».
Seja qual for o nome, o que interessa é saber que se trata do trabalho mais importante, urgente e necessário a fazer para credenciar, em bases inatacáveis, ditas científicas, a medicina natural moderna.
Seja qual for o nome com que o baptizamos, é um trabalho que está por fazer e aquele que a Naturologia espera (ou exige) da Biologia Celular.
Há, portanto, toda uma pesquisa bibliográfica a fazer, na Internet ou fora da Internet.
Sem esquecer que se trata de uma démarche inédita, vou indicar alguns itens e dicas que possam ajudar o pesquisador interessado em fundamentar o que chamo de «lógica ortomolecular» em medicina natural.
Nesta primeira ficha, vou só referir Joseph Lévy, doutor em Medicina, nome importante para começar a nossa pesquisa.
Conforme podemos ler na contracapa do seu livro «La Révolution Silencieuse de la Médecine» (Ed. du Rocher, Paris, 1988) Joseph Lévy é diplomado pelo Instituto Internacional de Acupunctura e de Medicina Energética, membro da Sociedade Francesa de Biocibernética
Pelo que, é desde logo na sua ficha biográfica que vamos encontrar 3 pistas interessantes que nos conduzem à convergência intermolecular e ortomolecular a que aludimos :
a)Medicina Energética
b)Biocibernética
c)Acupunctura
Aprofundando um pouco mais o perfil do Dr. Joseph Lévy, encontramos outras dicas que nele e no seu trabalho convergem:
Algumas são estranhas,por inéditas:
Dr. André Gernez («vacina» anticancerosa)
Dr. Nieper (Moraterapia)
Mas outras já têm largo currículo na prática natural da medicina:
Oligoterapia
Homeopatia.
Em comum, sempre a mesma convergência orto e intermolecular.
Quando se fala em
medicina energética
ou em
medicina vibratória
é de lógica ortomolecular em medicina que falamos.
Editor de vanguarda na lógica ortomolecular , o catálogo das Editions du Rocher apresenta, além de Joseph Lévy , outras obras de que damos a listagem por fotocópia em anexo desta ficha.
Nessas fotocópias encontram-se dicas bibliográficas que interessam ao nosso roteiro de viagem.
Muitíssimo curioso é que sendo Rocher o editor de Etienne Guillé (os dois volumes da «Alquima da Vida») esses títulos não comparecem na citada lista de colecção.
No entanto, na lógica ortomolecular de que estamos falando, Etienne Guillé teria, por direito, que ocupar a primeira fila.
Dele falaremos em outra ficha a elaborar.
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(*) Convergência ortomolecular: o trabalho mais urgente, importante e necessário a realizar em Naturologia e que está por fazer.
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VANGUARDA 92

92-02-03-ls> = leituras selectas - [ solta ou em secção «releituras do acaso» - suplemento «Largo» - 3772 caracteres - hipóteses para ilustrar: retratos de D.H. , Henry Miller, Henri Michaux, etc]

3-2-1992

[correspondências mágicas][caminhos do maravilhoso]

RELEITURAS DO ACASO - VANGUARDA, REGRESSO ÀS ORIGENS

Em pintura, as aquisições da revolução modernista foram, quase sempre, a descoberta do que permanecera até então virgem dos olhos ocidentais do colonizador branco, no tempo e principalmente no espaço. E a arte dos chamados «povos primitivos» passou ao primeiro plano das revistas e casas da especialidade. Generalizou-se mesmo um snobismo do exótico, que houve aliás em todos os tempos mas a que a sensibilidade ocidental (europeia, norte-americana e satélites) se tem mostrado particularmente sensível, talvez com objectivos turísticos.
Apaixonado pelos padrões de vida diferentes do padrão Ocidental, o profeta e escritor de língua inglesa David Herbert Lawrence, deixou impregnar a sua obra de culturas alheias e quase adoptou como suas: o México de «A Serpente Emplumada», e a Austrália de «O Canguru».
Henry Miller, outro crítico implacável da «civilização» ocidental, adoptou como suas, outras culturas e outras obras. Manifesta, por exemplo, é a sua predilecção pela tradição dos magos e alquimistas, nomeadamente numa das obras capitais do seu pensamento, «Souvenirs, Souvenirs».
Henri Michaux -- pesquisador das realidades-limite, sempre em viagem fora e dentro de si, à procura de novas ópticas para compreender aspectos da realidade que a razão até agora não esgotou -- não inventou apenas países na sua imaginação, mas viveu em outros que se diriam «imaginários» de tão desconhecidos e desprezados. Michaux, que leu poetas chineses e místicos hindus, conferiu à poesia atribuições que muitos ignoram mas de que ele foi arauto e profeta. Será que sem essa universalidade, e essa gama de pesquisas nas mais diversas experiências, o poeta hoje já pouco ou nada tem a descobrir que valha a pena dizer ao homem da sociedade industrial, estandartizado pelos próprios produtos standart a que se reduziu todo o processo de criação?
Movidos quase só pelo exótico, recordam-se alguns autores que captaram de culturas não ocidentais os aspectos por vezes só exteriores mas que tinham afinidades com a sua própria linguagem: Venceslau de Moraes e Camilo Pessanha são casos bem conhecidos na literatura de autores portugueses.
Pode ser uma minoria de vinte milhões (os negros americanos dentro da população) ou apenas de algumas unidades. Mas o que define as minorias --- a solidariedade universal -- torna-as na soma e totalidade da (?) maioria absoluta. Só que, por distribuição irregular de riquezas, as minorias aparentes são as maiorias reais (em poder económico e político) e as minorias reais são as maiorias aparentes.
Exemplificando, na literatura: autores privilegiados, pertencentes à classe que pode e manda, monopolizam o direito de falar dos outros, dos próprios humilhados e ofendidos, do lumpen-proletariat, dos que não têm voz; monopolizam a voz dos que a não têm e deles, sobre eles, por eles falam.
Caryl Chessmann, Albertine Sarrazin, Violette Leduc, Jean Genet, surgidos da inframiséria que os privilegiados denominam abjecção, falam de si e por si. Mostram o avesso da sociedade luxuriante e luxuriosa. Quando procuramos, no deserto humano que constitui hoje o «convívio» tal como as empresas e o trabalho o estabeleceram, só nos perseguidos de todos os tempos encontramos, tanto como na música, a companhia não alienada, a companhia que não é ainda outra forma burlesca de solidão. Perseguidos e doentes, «out-siders» e franco-atiradores, segregados e famintos, de qualquer forma e por qualquer motivo o rebotalho da sociedade da pilhagem, as sobras da abundância, as migalhas do banquete.
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O ESCRIBA EM 1962

62-02-03-ls> = leituras selectas - quinta-feira, 16 de Janeiro de 2003-scan – um dos mais medíocres textos que escrevi – de uma fase igualmente medíocre e de que existem muitos manuscritos por scanar – que talvez não tenha a paciência de passar no scan, tamanha é a sua mediocridade

PARTICIPAR NA "BATALHA DA CULTURA"

3-2-1962

No livro e na imprensa, o escritor pode sempre participar na "batalha da cultura", manifestando-se em todas as circunstâncias um espírito livre.

Quando os intelectuais chamados humanistas se furtam, com desculpas pueris, a colaborar na imprensa, se negam a dar entrevistas ou, se ali escrevem, voltam as costas ao público que deviam educar, preferindo o ensaismo metafísico, a propaganda tendenciosa, a crítica "ao serviço de" ou o articulismo cândido e sem consequências, não se pode concordar nem deixar de protestar.
Que se reconheça a perpétua humilhação de escrever na imprensa, de acordo. Que o escritor desista de escrever nela, não o censuramos. Mas há-de continuar, pelo livro, a combater o que na imprensa lhe não foi consentido, através daqueles géneros que se consideram típicos do jornalismo, isto é, da acção intelectual, se continuar no jornalismo, não poderá empatar o burguês, com os géneros que se costumam considerar típicos do livro, isto é, da criação intelectual.
De uma ou outra maneira, como escritor-jornalista ou como jornalista-escritor, não poderá furtar-se aos géneros de combate, a polémica e a sátira, o manifesto e a crítica. De contrário é mister dizer que desistiu, que já não milita nada, que deixou de "combater pela cultura”. Porque não agiu por nenhuma das maneiras em que a criação literária pode agir; a curto prazo, pelo combate específico sobre determinadas condições e em determinadas circunstâncias; a longo prazo, como obra de criação que persiste em acto para lá de si própria.
A obra de criação continua a transformar o mundo, desde que sai das mãos do artista. É por si própria, obra de combate, um combate, digamos, virtual, mas não menos efectivo. A acção da obra de arte só pode sentir-se com uma vasta perspectiva de tempo e de espaço; o escritor de combate também não vê os efeitos da sua acção, embora ela incida mais imediatamente sobre o concreto, competindo-lhe acreditar que os efeitos hão-de vir (toda a obra educativa se obtém a longo prazo).
É essa crença, essa fé, tantas vezes malograda, que torna quixotesca a acção do escritor-jornalista. O escritor-militante sabe que semeia no vento e não deve parar a sementeira. Sabe inclusivamente que não trabalha para a glória, como o escritor que se limita à pura criação; Mas continua, tem de continuar, porque sente ser esse o seu dever de escritor-pedagogo.
Perante isto, parece-nos o realismo estático a mais ociosa das formas literárias, porque, por um lado, não age a curto prazo, nem como panfleto crítico, nem como arma polémica, nem como manifesto revulsivo; e por outro lados não age a longo prazo como obra de criação, nível este que a ficção realista, em regra, não atinge. A melhor prosa realista equipara-se, em efeito revolucionário, à pior poesia lírica.
Um bom poema lírico dirá mais profundamente do que todas as sofríveis ou mesmo suficientes ficções realistas.

Os realistas dizem estar na luta mas estão de pantufas; dizem ir para a batalha mas ficam-se por uma esplanada. Nada se adianta com as palavras mansas, os artigos neutrais, com as atitudes serenas Uma posição madraça já não vai a tempo.

O realismo socialista tem ainda sobre o realismo tout court , uma agravante: o escritor, nele, além de não funcionar como combatente a curto ou longo prazo, pelas razões que apontámos, também não funciona como espírito livre, isto é, como autor de um ideário individualizado.
Universalmente ao serviço de uma ideologia, o escritor "comprometido" (tantas vezes confundido, por ironia, com o escritor militante) poderá "militar" ao serviço de qualquer instituição internacional, mas nesse caso funciona de político e nunca de escritor, propagandista e nunca de crítico, de correligionário e nunca de intelectual.
Intelectual é o que milita na inteligência. Desta confusão resulta nunca se saber o que é um homem livre ou de minorizar o valor de liberdade intelectual em proveito de outros factores: o económico, o agitador profissional de qualquer origem aponta o escritor social ou o político.
Quando o independente (que, repito, é sinónimo de militante) é acusado de burguês reaccionário, de conformista retrógrado, de conservador passivo, será bom que o escritor aponte a pura inactividade que representa o intelectual" engagé “, activo apenas enquanto agitado: enquanto político, enquanto homem de acção, e não como por natureza e definição lhe cabia, como intelectual, como escritor, como batalhador da inteligência.
O intelectual socialista, por exemplo, enquanto intelectual, só nos dá palha descritiva no romance, retórica da fraternidade na lírica, demagogia no cinema ou no teatro, propaganda na crítica e no ensaio; para agir terá de passar automaticamente à esfera da política; enquanto o intelectual militante, sem sair da esfera que lhe cabe - a pedagógica - luta sempre com as armas da inteligência e só essas.
Em qualquer política, nunca trai, a sua causa não muda, os seus objectivos permanecem. Sabe que por si mesmo, fora de poderes e autoridades, terá de apostar tudo para perder ou ganhar .
Não reclama nenhum advento, nenhum messianismo ideológico o conduz, nenhuma salvação do mundo preconiza. Sabe apenas que trabalhará até ao esgotamento que se entregou, de alma e coração, à missão apaixonada de criar, de escrever os seus livros, de batalhar assim, sem partidos, sem manobras, sem programas, pela cultura.
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A. TYLLER 92

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1-2-1992

FILMES EM CASA - CRÓNICA DE VÍDEO POR TOMÉ DE BARROS - OBRA BELA E COMOVENTE -ELEGIA PARA UM FILHO MORTO

História de uma imensa e insanável dor, o romance da escritora Anne Tyler foi adaptado ao cinema com particular sensibilidade pelo realizador Leslie Kasdan, bastante ajudado, diga-se de passagem, pela especial sensibilidade do actor William Hurt, que praticamente suporta, em tempo e intensidade dramática, todo o filme. Só que não estava previsto nem era suposto um desempenho como este, genial do princípio ao fim, levar um Óscar ou qualquer coisa parecida...
Trata-se de um «casamento feliz» entre duas obras de qualidade: o romance, com o título português de «O Turista por Acidente», publicado pela Dom Quixote, na sua colecção «Ficções Universais», onde é o número 28, e o filme, com a data de 1988, editado em vídeo pela Warner.
Retratando um estado de alma, é cinema que dispensa espectacularidade e especulações gratuitas com os gostos fáceis; que dispensa acção e aventura ou erotismo enlatado, a provar talvez de que só o sofrimento existe no Mundo e de que o prazer é tão efémero e superficial como o orgasmo. Que isto apareça no filme com uma incrível força dramática, recriando a intensidade que o romance contém, é caso de admiração e até de espanto. Pela raridade do produto. De vez em quando, o cinema sabe que pode pisar o terreno do lirismo sem comprometer os resultados comerciais.
«O Turista Acidental» foi bem recebido pela crítica portuguesa, mas o facto de Bub (?), o cão amestrado, ter um relevante papel não deve ser alheio a esse consensual acolhimento... E apesar de a história não promover o culto do herói, antes pelo contrário: este pai amargurado, que perde um filho de 11 anos, este marido em ruptura irremissível com a mulher, este homem que parte uma perna num acidente doméstico e tem crises periódicas de dores nas costas, não configura propriamente o herói típico conforme a mitologia cinematográfica o costuma pintar. De herói forte, musculoso, gozador dos prazeres da vida, impenitente vencedor e saindo sempre a salvo das dificuldades, não tem nada a figura frágil e desprotegida deste escritor turístico.
F.Q.E.A. (Filmes que eu amo): a sigla, subjectiva por excelência, pode ser colocada sem hesitação na ficha deste livro-filme, elegia magoada sobre uma perda irremediável. A ficha do vídeo-filme vem, na página 160 do «Guia 91» do Pedro Garcia Rosado e dela cito a seguir alguns dados que suponho relevantes para uma releitura, em casa, desta obra catárctica, que se pode ver, ler, ouvir em momentos de melancolia e solidão. Desta obra comovente e bela que é «The Accidental Tourist», cuja ficha compacta aí fica:[?]
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M. RYDELL 92

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1-2-1992

FILMES EM CASA - CRÓNICA DE VÍDEO POR TOMÉ DE BARROS - O RIO SEM MARGENS
DO DESESPERO HUMANO

Se há filmes em que a força do argumento consegue fazer apagar e esquecer prováveis debilidades da realização, «O Rio», de Mark Rydell é, com certeza, um deles e um dos mais significativos. Difícil é detectar nele qualquer fissura, ou qualquer daqueles sofismas que, sendo praga ma maioria esmagadora da produção norte-americana, até nos mais pintados e cotados acaba por comparecer. Dizer de um filme americano, de temática social, como é este, que não contém (pelo menos que se veja) um único sofisma, é um caso raro; diria mesmo, excepcional. Diria mesmo: único.
E, no entanto, trata-se de abordar, a par e passo, uma das «junturas» por onde a sociedade industrial mostra as suas verdadeiras fauces de monstro canibalesco. Há, na engrenagem do industrialismo, uma estratégia implícita, como lógica do absurdo, que põe em acção forças e mecanismos sociais, todos eles convergentes num objectivo: expulsar o agricultor da terra, ainda que seja a terra difícil mas fértil das margens alagadas do Mississipi.
É como se a terra e a propriedade fosse o último reduto de liberdade e nela o agricultor «teimoso» fizesse a sua barricada de resistente. Impecável, de facto, é a forma como este mecanismo (esta lógica, esta estratégia de destruição) é dado, tendo, como seu contraponto, o inferno industrial. De um lado o agricultor do Alabama, Mississipi e, do outro, o inferno escaldante de uma siderurgia; de um lado, o agricultor que se agarra à terra, mesmo alagada, periodicamente, pelas cheias, e do outro o projecto de uma barragem que inundará, mais cedo ou mais tarde, tudo o que ali vive e mexe.
Motivo de espanto é a forma como o filme dá a greve na Siderurgia, uma greve a sério como nós, em Portugal, nunca conhecemos, entregues, como ficámos, também nesse aspecto, ao folclore e à banalização. Pintada com as cores da verdade, a greve aparece-nos em todas as suas nuances e contradições: vê-se bem, sem lugar a equívocos, o que significam afinal os «fura greves» quando a situação se agudiza. Há momentos, em «O Rio», onde supomos estar a ver os grandes, os enormes clássicos soviéticos do filme revolucionário.
Com os dados assim lançados, o filme dedica-se a analisar depois, um por um, os múltiplos estratagemas, truques, vigarices, patifarias de que o sistema se serve para o pressionar o agricultor, para o obrigar a desistir, para o expulsar da terras, cobiçadas para construção urbana, barragens gigantescas ou industrialização acelerada.
Sequência inesquecível e discretamente carregada de simbolismo é aquela em que, no inferno dos altos fornos, no meio de clarões de fogo, uma gazela aparece perdida, conseguindo a sua silhueta, recortada em contra-luz, mobilizar todos os trabalhadores, que, embora embrutecidos ou insensibilizados de trabalho e cansaço, se põem no seu encalce para a salvar. É mesmo sublime, esta cena que bem pode entrar numa antologia geral do cinema. Apesar de alguns momentos que fazem o jogo facínora da situação estabelecida, «O Rio» é um filme redentor. E, até certo ponto, surpresa, como um Mark Rydell ainda consegue estar vivo para fazer um filme destes, com a força deste. Possivelmente o seu canto do cisne e, também, a sua última acção de resistência contra o establishment.
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Publicado em vídeo pela Edivídeo, aqui deixamos a ficha compacta deste épico filme de Mark Rydell:[?]
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F. HERBERT 92

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1-2-1992

FILMES EM CASA - CRÓNICA DE VÍDEO POR TOMÉ DE BARROS - UMA ANTECIPAÇÃO AINDA COM INTERESSE - EXCESSO DE PESO NAS AREIAS DA DUNA

O êxito público do livro «Dune», de Frank Herbert, não se repetiu com o filme, realizado por um David Lynch que ainda não virara vedeta dos «media». Em parte porque o tema já não era novidade, em parte porque a «science fiction» em cinema tem muito má fama e nunca conseguiu livrar-se de um crónico complexo de mediocridade, em parte porque o filme acaba por não ter os rodriguinhos todos que o mercado considera necessários neste género, em parte porque a cenografia exterior apaga qualquer réstia de «vida interior» das personagens, «Dune» constituiu quase um fracasso.
No entanto, ao revê-lo em vídeo, algo permanece que o mostra sedutor: talvez a perspectiva de escala contribua para criar um certo fascínio ainda que os efeitos especiais, e a descomunal lagarta saiam pouco convincentes.
Esse vazio mental e emocional pode ser atribuído à época futura demasiado distante em que a história se situa: eventualmente, os sentimentos passaram há muito de moda, nesse remotíssimo ano 10.000, as emoções deixaram de existir, as novas gerações desconhecem reacções tão primárias dos primitivos humanóides, como (são o) o amor e o ódio.
Mas a contradição é óbvia e abre outro vazio na tessitura da intriga: se há relações entre mãe e filho, entre filho e pai, é porque nem todos, nesse ano da era intergaláctica, são produzidos em proveta. Isto pode significar que, nessa altura, a tecnologia não tomou ainda conta da alma humana de forma tão totalitária como os gulags modernos fazem prever, ou como alguns escritores mais críticos da «science-fiction» são os primeiros, hoje, a denunciar e a prenunciar.
Antes de o cinema o adaptar, «Dune» já era, como livro, titular de uma indústria. O best-seller inicial do primeiro volume confirmou-se e veio a série a exploração do sucesso: vários outros volumes se sucederam ao primeiro ( mais cinco títulos e dez milhões de exemplares vendidos), a história tornou-se interminável e até bandas desenhadas para colorir apareceram com os símbolos mais salientes desta história tecida -- mas mal cerzida -- de símbolos, talvez em número excessivo: o anel, a especiaria, o deserto, o messias, a arca, são apenas alguns desses sinais que remetem para significações abstractas e metafísicas. O livro, como se sabe, inclui um glossário com os 300 neologismos que a obra teria criado...O próprio título -- duna -- pretende garantir que se trata de um «épico ecológico», como lhe chama Eurico da Fonseca, no prefácio ao livro editado por Livros do Brasil e que ele traduziu.
Já o chamado «enredo» é tão confuso no filme como no livro: e não vou dizer que David Lynch, realizador de «Dune», adora tramas confusas, tão confusas como a série «Twin Peaks», mas o mistério, nele, é muitas vezes esse, a capacidade de complicar o que devia ser simples e transparente. A suposta existência de vários planetas não diversifica nem densifica a acção mas apenas a complica. O elenco de actores notáveis é atractivo, mas há um peso, que vem da própria cenografia de interiores, a tornar arrastado, monótono, sem chama e por vezes insignificante este conto do ano 10.000.
Outro exagero: para ficcionar o futuro, mas deixá-lo ainda verosímil, é necessário não avançar muitas décadas. Tudo o que vá muito para lá do ano 2050 arrisca-se a não ter sentido, porque se arrisca a não ter futuro... Levando em conta a aceleração que Alvin Toffler tanto enfatiza na sua tese da «terceira vaga», o planeta Terra estará muito em breve espatifado e é inconsequente, em face disto, avançar a sobrevivência em outros planetas.
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INTERFACES: O livro «Dune», de Frank Herbert, foi editado em três volumes por Livros do Brasil, a abrir a sua colecção «Colecção Argonauta Gigante -- Obras-primas da Ficção Científica» - A obra conta com uma introdução muito interessante do especialista Eurico da Fonseca.
Outros livros disponíveis de Frank Hebert, em tradução portuguesa: na Europa América, «O Efeito Lázaro», «O Incidente Jesus» (2 vol) e «A Praga Branca» (2 vol).
Na Distri, colecção de bolso, «A Barreira».
Com o título «Duna», é um dos três filmes de David Lynch registados no «Vídeo91», além de: «Calma Assassina» e «O Homem-Elefante». O «Guia» de Pedro Garcia Rosado, aliás, chama a atenção para os vários cortes que a película sofreu, por parte do produtor Dino de Laurentis, e para o facto de ser apenas o primeiro volume da obra o que vemos em cinema.
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U. ECO 92

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1-2-1992

FILMES EM CASA - CRÓNICA DE VÍDEO POR TOMÉ DE BARROS - FÉ NA RAZÃO E RATOS NA CAVE - NOVA IDADE MÉDIA DE UMBERTO ECO

A fé iluminista que no romance «O Nome da Rosa» alimenta Umberto Eco, professor de Semiótica na Universidade de Milão, reaparece no filme de Jean-Jacques Annaud, que, embora de factura medíocre, guarda alguns dos encantos que fizeram do livro um «best-seller», um sucesso de vendas e de público.
É este mais um caso em que o cinema, dando em duas horas o essencial de mil e tal páginas, aproveita um best-seller literário, sem no entanto repetir o seu sucesso. Aconteceu há pouco tempo com «A Fogueira das Vaidades», filme que não recolheu o consenso da crítica, enquanto o livro foi considerado, sem discordâncias, uma obra de primeira linha da actual literatura norte-americana. O público de cinema é indubitavelmente outro e os mecanismos que produzem as listas de «tops» nos livros não são os mesmos que os produzem em filme ou em vídeo.
Ratazanas quanto baste, pios de mocho, castelos roqueiros ainda por cima mal assombrados, um convento no cocuruto de alta montanha, um cemitério obviamente macabro, uma lua cheia de maus preságios, são alguns dos ingredientes que recriam, em «O Nome da Rosa», a magia dos contos e mistérios ancestrais reforçando, também, o mito de uma Idade Média feita de peste, fogueiras da Inquisição e perversidades do Maligno, cheirando terrivelmente a enxofre.
Desde o primeiro momento, porém, Umberto Eco quer que no seu romance, construído a computador, tudo fique cartesianamente claro quanto ao papel da razão raciocinante no desvendar dos crimes, daquilo que ele preconiza como sendo a verdade. E o caminho escolhido é o da investigação policial, erguido o monge detective a prototipo, no seu entender, dessa pesquisa da verdade pelo racional. Quer ele demonstrar uma tese: a superstição é que, para justificar os seus próprios crimes, inventou o Diabo, porque o Diabo, afinal, logo que o sol da razão nasce, desaparece num dos buracos por onde se escondem gordas ratazanas.
O elogio do Livro, como depositário da ciência e da verdade, como reservatório de Luz, está também neste romance do catedrático Eco que escreveu, entre outros hinos à ciência, uma monografia sobre o livro e outra sobre como se faz uma tese para chegar a universitário. Quem apanhar o filme tem, pelo menos, um divertimento à mão de semear, um jogo de inteligência como só a erudição deste especialista em Semiótica sabe propor.
Entre outras hipóteses de trabalho, poderá reflectir sobre a dicotomia (falsa) que nos é implicitamente proposta: a Razão faz figura de iluminada, se a contrastarmos com o denso fanatismo de uma época que se convencionou, com alguma razão, dar como modelo de obscurantismo e...falta de higiene. Como termo de oposição à Razão renascentista, a Idade Média funciona, é mesmo o truque mais internacionalmente usado pelos apologetas da tecnologiapesada e do seu implícito terror. É assim que as epidemias medievais têm servido para ocultar as pestes modernas da Poluição.
Mas se a dicotomia for, pelo contrário, entre culturas civilizadas (como a do sistema taoísta, por exemplo) e culturas bárbaras (como a europeia, desde a Idade Média à Idade Contemporânea) aquele dualismo inicial e primário deixa de funcionar. No entanto, é no logro desta dicotomia elementar («ou crês na razão, ou morres») que os best sellers inteligentes de Eco nos fazem cair. O que só tem perigo para quem acredita ainda em bruxas, ou cultive no sótão, não macaquinhos mas ratazanas daquelas muito, muito gordas que o corcunda Salvador(em uma alusão curiosa ao Quasimodo de «Os Miseráveis») come regaladamente ao almoço.
Isto leva-nos a reflectir, afinal, sobre o tipo de canibalismo que a ciência propõe, levando-nos a uma única conclusão lógica: entre as pestes medievais e as pestes actuais, venha o Diabo e escolha. Não é por acaso que Eco participa, como grande pensador do nosso tempo, em um volume colectivo sobre o «nova idade média» e o apocalipse. Não foi ele o primeiro nem será o último a propor que se denomine, assim, de nova idade média aquela que as suas mais recentes teses induziriam a considerar a idade da razão e da luz.
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Publicado em vídeo pela Edivídeo, o filme de Annaud encontra-se acessível ao espectador dos videoclubes e dele deixamos a ficha compacta:[?]
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N. KAZANTZAKI 92

4603 caracteres nikos> filmes> beja>

1-2-1992

FILMES EM CASA - CRÓNICA DE VÍDEO POR TOMÉ DE BARROS - DE NIKOS KAZANTZAKI PARA MARTIN SCORSESE - A DÚVIDA DA FÉ

Três horas de filme para 624 páginas do livro, na edição portuguesa da Arcádia, com tradução de Jorge Feio: eis o balanço de uma quase obra-prima que é o filme «A Última Tentação de Cristo» («The Last Temptation of Christ»). Era, portanto, para Martin Scorsese, o realizador, uma tarefa complexa, embora atraente, onde o tempo deveria ser densamente preenchido para não resultar vazio. Defrontava-se ainda com o problema de uma história arquiconhecida, mil vezes contada e outras tantas posta em cinema. Os diálogos do escritor Nikos Kazantzaki foram reduzidos ao essencial, na dramatização realizada por Paul Schrader, o que não lhes retira intensidade, antes pelo contrário.
Temos, com uma equipa inteligente de técnicos e artistas competentes, mais uma versão da vida (da lenda) de Cristo, na crueldade de alguns momentos (os da crucificação, obviamente) e na pureza de outros. O simbolismo da serpente, do fogo, da árvore -- quando Cristo jejua no deserto, depois de baptizado por João Baptista --é talvez um dos ingredientes menos conseguidos da película.
Outra questão se pode colocar: haveria necessidade de enfatizar tanto o sangue e a dor, de fazer da crucificação o espectáculo tão medonho e hediondo que de facto ele é? Foi a opção de Scorcese, tem que ver com a sua opção filosófica e não o devemos censurar por isso, já que o filme é também, através de Cristo, um testemunho pessoal das obsessões e paixões do realizador. Em seu abono vem a seriedade com que trata as figuras, a suavidade com que transcreve as vozes, a ousadia com que coloca uma banda musical «folk»(?), ou qualquer coisa como música ritual africana, no cenário ora deserto, ora pacificamente campestre da Palestina.
As três horas de filme foram resolvidas, não por soma das partes mas por um sopro inicial de inspiração que ia falhando a Scorsese, confrontado com ambições à partida quase desmedidas. Explica-se assim o episódio público alegadamente «escandaloso» a que o filme daria lugar, antes de estrear em Nova Iorque.
Bem precisado estava de uma certa propaganda e de algum empolamento, o filme que não foi feito para grandes massas de público mas que, também, na solidão individual do vídeo se vê prejudicado na cor e na luz. Apenas no intervalo de tempo onde o tempo pára -- toda a sequência do anjo da guarda -- a imagem se ilumina naturalmente, para perder o castanho, por vezes empastelado, que predomina no resto do tempo.
Quanto ao escândalo público que o filme originou na estreia em Nova Iorque, é fictício. Muito mais fictício do que a ficção com que Nikos Kazantzaki quis humanizar a figura de Cristo. De heresia é que este Cristo não tem nada, antes pelo contrário: remete à mais pura ortodoxia. É na sequência do anjo da guarda, de facto, toda ela em clima onírico, que está o busílis deste livro espantoso do espantoso místico e escritor que foi Nikos Kazantzaki, falecido em 1957 e de que em Portugal, felizmente, existem bastantes obras publicadas, quase sempre em traduções de grande qualidade.
Mais espectacular e verdadeiramente épico é o seu outro livro «O Cristo Recrucificado», mas Scorsese optou por este e há que respeitar a escolha. E se virmos o filme com o amor que ele merece, de certeza que não foi para explorar o episódio virtualmente escabroso de ver o Cristo divino envolvido nos negócios humanos e nas fraquezas da carne.
As dúvidas que dilaceram o coração de Jesus -- princípio de uma concepção existencial, mais tarde escola filosófica -- já tinham constituído objecto de reflexão filosófica em Kierkegaard, que escolheu antes Abraão para testar as forças de Deus face às do Demónio, para personalizar a grande aposta da esperança, a grande dúvida da Fé. Nesta perspectiva, a figura de Judas é quase tão importante como a de Jesus, para não dizer mais importante. A ele foi distribuída a tarefa mais difícil, comparada à de Cristo que era a de morrer na Cruz. É na figura de Judas que a dúvida da Fé assume, convulsiva, a dimensão de alavanca que Kierkegaard expressou em «Temor e Tremor».
Lembre-se que Nikos Kazantzaki já tivera, há bastantes anos, uma adaptação ao cinema da obra «O Bom Demónio», que poucas recordações deixara, principalmente a do actor, o talentoso mas cabotino Anthony Quinn.
Não nos deixemos ludibriar: «A Última Tentação de Cristo» está tão longe da heresia como o seu contrário. Só a Mediocridade, no fundo, é heresia. Porque o espírito sopra em todas as direcções e o amor é que dita a Jesus a ordem de expulsar do Templo os vendilhões.
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Publicado em vídeo pela Edivídeo, o belo filme de Martin Scorsese pode ser visto nos seus 156 minutos de duração e dele damos a ficha compacta: [?]
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