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Thursday, September 21, 2006

KUNZANG DORJE 1988

ahvv- 1- antecedentes da hipótese vibratória

O MAL DO SÉCULO

21/9/1988 - Relativamente ao que o Lama Kunzang Dorje, nos seus ensinamentos, designa por «loucura e absurdidade do século», «doença» dos tempos actuais ou por «monstros modernos», o budismo tibetano da escola Nyingma advoga uma atitude de não-violência, como é próprio do «dharma» budista.
Ao preconizar que «as próprias energias da doença sejam utilizadas para a dominar», o «dharma» tibetano demarca-se de outras doutrinas que, reconhecendo o «mal do século» , o «tempo de horror, terror e decadência», para ele e contra ele preconizam uma atitude de «combate».
O budismo tibetano convoca as energias de cada ser humano em benefício de todos os seres mas, por isso mesmo, sem o dilaceramento dramático da oposição, da violência, do contra-ataque, do taco a taco, que são vorazes devoradores de energia.
Demarca-se, por isso e também, da acção ecologista, que partindo embora da mesma constatação - a profunda crise ou doença do nosso tempo - para ela preconiza uma atitude de «anti», «contra» e «combate», através da luta política, por exemplo.
No plano da análise e diagnóstico da situação, no entanto, há preocupações comuns e até a nomenclatura do pensamento ecologista não difere daquela que o lama Kunzang, nos seus Ensinamentos, adopta.
Tal como ele, os ecologistas preocupam-se com o «buraco na camada de ozono da estratosfera», com o cancro, o stress, o inferno urbano, a droga, as seitas, a tortura, os medicamentos químicos, enfim, toda a face sombria do nosso tempo.
O ponto de partida é comum mas a estratégia é diferente: em vez de confronto, luta, combate, o budismo tibetano aceita, serenamente, que a «mobilização de todas as energias humanas» pode esconjurar os «demónios actuais».
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1536 bytes antecedentes da hipótese vibratória - repescagem de folhas de diário ou apontamentos soltos - ajuda à memória para a entrevista-testamento que AC há-de dar no dia de S. Nunca à Tarde

A FELICIDADE DE SER POBRE

É mais fácil os países pobres conseguirem o que lhes falta para viver, do que os ricos verem-se livres daquilo que os mata.
Os países ricos são ricos, nada lhes falta. Por isso os países pobres podem dar graças a Deus de não ter o que os ricos têm: (a lista aqui a entrar tem que ver com entropia/desentropia, carma passivo/carma activo, com o slogan «tudo se paga», com o «reverso da medalha» ou «tudo o que tem uma frente tem um dorso», quer dizer, com o princípio único (TAO) e a ordem do universo.
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R. NADER 1979

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RALPH NADER VISTO POR MICHEL BOSQUET(*)

[«Madeira Hoje», 21/9/1979 ] - Quando se fala em «defesa do consumidor», o nome do advogado norte-americano Ralph Nader aparece como um dos mais conhecidos, pela sua luta e figura quase carismática.
A discutida (e por muitos temida...) personalidade de Nader tem sido objecto de referências hostis tanto como dos mais rasgados elogios: entre os admiradores mais entusiastas da sua acção, conta-se Michel Bosquet, sociólogo, ensaísta e jornalista ilustre, a quem os grandes movimentos sociais e humanos de vanguarda têm merecido a mais lúcida e tenaz atenção. A opinião de Michel Bosquet (que escreveu muitos livros sob o nome de André Gorz) assume portanto um peso especial, podendo o leitor, através dela, perceber com maior profundidade as implicações do pensamento e da acção de Ralph Nader, uma vida inteira consagrada a combater «o festim envenenado» que é a sociedade de consumo.
Os organismos de sondagem de opinião pública não revelaram se alcançaria o primeiro, o segundo ou o terceiro lugar da lista, pois quando se soube que estava entre os três primeiros, as sondagens foram suspensas. Entre as várias funções das sondagens, figura a de fazer publicidade dos organismos encarregados da sua execução junto das empresas publicitárias e dos seus anunciantes. Ora bem, empresas de publicidade e anunciantes detestam Nader. Porquê? Porque este dedica a sua vida a «mostrar à massa de cidadãos, como a manipulam, dominam e exploram alguns grupos particulares com a conivência de organismos de Estado».
Dirão talvez que isso são «coisas de americanos». Falso. Há algum tempo atrás, Ralph Nader pronunciou, em Paris, uma conferência perante um auditório de 400 pessoas. A imprensa francesa apenas mencionou por alto o que Nader descobriu durante as cinco horas da conferência. Porquê? Julgo que quando lerem o que se segue, compreenderão, facilmente, o porquê. Relatarei, o mais fielmente possível, o que se disse na conferência de Ralph Nader, recordando de passagem uma série de factos revelados noutras ocasiões quer por Nader, quer pelos partidários com que conta em França.
Mas comecemos pelo princípio: donde saiu Ralph Nader? Da Harvard Law School. Filho de emigrantes libaneses, Nader decidiu-se pelo Direito, pensando que o ajudaria «a servir o povo e defender as vítimas». Mas descobriu que a única coisa que se ensinava nas faculdades era a «servir os «trusts» e os Bancos. Os advogados nunca estão ao lado de quem deles precisa». Em face disso, resolveu «revolucionar a profissão».
Nader ainda não tinha encontrado o seu ângulo de ataque quando se concentrou num determinado tipo de acidentes automobilísticos que as companhias de seguros imputavam, geralmente, a erros do condutor e que as vítimas, pelo contrário, atribuíam a defeitos de construção dos veículos.
Durante o seu inquérito, Nader recebeu uma carta anónima de um operário da «General Motors» em que lhe assinalava já se saber de há muito, em Detroit, que o Chevrolet Corvair era um caixão sobre rodas.
Nader prosseguiu com a sua investigação, cujas conclusões publicou então num livro volumoso e bastante caro que se converteu imediatamente em «best-seller». Nele, Nader acusava a GM de homicídio, revelava que esta só dedicava 0,073 por cento dos lucros em investigações tendentes a reforçar a segurança dos modelos - quatro vezes menos do que investia para tornar agradável ao ouvido o ruído do fechar das portas - e que, em 1930, o presidente director-geral da companhia se tinha negado a dotar os seus veículos com vidros de segurança: «Há investimentos mais rentáveis» escrevera o presidente sobre o assunto. «Não somos uma instituição filantrópica».
A General Motors atacou Nader por difamação. Nader contra-atacou, apresentando-se para testemunhar perante uma comissão do Congresso. O senador que o tinha convidado a depor foi informado, um dia, por um porteiro: «Sabe que a testemunha Nader é seguida até à porta do Congresso, por detectives particulares?». Isto provocou um escândalo. O senador citou o presidente director-geral da GM para se explicar perante a comissão senatorial. O presidente da mais poderosa firma do mundo apresentou desculpas públicas por duas vezes. Imperturbável, Nader acusou-o de «intrusão na sua vida particular» e conseguiu 425 000 dólares por danos e prejuízos. Com esta soma, poderá financiar durante vários anos o seu pequeno instituto de investigação.
A súbita celebridade não afectou em nada este homem de aspecto frágil, com ar de adolescente meditativo, sóbrio até no seu humor anglo-saxão. Dorme quatro horas por dia, vive num apartamento com dois quartos, tem uns gastos mensais de 500 dólares (cerca de 15 contos) e não possui nada de seu.
Os que pensavam que ele iria especializar-se na indústria automobilística, em breve descobriram o erro: se se decidira a especializar-se nalguma coisa, fora só na denúncia dos «abusos, fraudes e violência a que os «trusts» submetem : o grande público». Acredita Nader, como asseguram tanto os seus falsos partidários como os seus críticos de esquerda, que é possível «humanizar os «trusts», dar um aspecto mais humano ao rosto do capitalismo? Tirem-se as conclusões que se quiser de declarações como a seguinte:
«Os «trusts» mentem em tudo. Mentem ao falar da importância de investigações que nunca levaram a cabo. Mentem sobre o valor dos seus dividendos ao fazer a declaração fiscal... Tudo isto faz parte do sistema. O engano e a mentira cumprem uma função institucional: o sistema não pode funcionar doutro modo.»
Então para quê toda essa campanha de Nader tendente a conseguir que o público esteja representado no Conselho de Administração da «General Motors»? Resposta: «Uma reivindicação apresenta sempre dois aspectos. Se ganha, a sua presença no Concelho de Administração dá-lhe acesso a uma série de informações confidenciais que servirão para alimentar outras campanhas. Se perde, terá conseguido, pelo menos, que as pessoas tenham tomado consciência do que é possível e do que não o é, logo daquilo que há a mudar.»
O fracasso da campanha de Nader «revelou ao grande público o Impacto que um grande «trust» particular tem sobre a sua vida quotidiana. O público descobriu estar a GM a lutar pela continuação da construção de auto-estradas e contra os transportes colectivos e a prevenção da poluição. Descobriu ser possível à «G.M..» submeter as universidades, os Bancos, as fundações que possuem acções da «G.M..» e obrigá-los a votar a favor de um Conselho de Administração que actua ilegalmente e viola inúmeras leis».
O fracasso tem, pois, para Nader uma função educativa: serviu para «elevar o nível de consciência das pessoas». Mas, com a condição de os êxitos noutras frentes manterem viva a convicção de que vale a pena lutar por isso.
Que êxitos há? Nader coleccionou alguns. Mais, em cinco anos, do que qualquer outro membro do corpo legislativo. Graças a ele, votaram-se cinco leis: sobre a segurança automobilística, os oleodutos, as conservas de carne, as minas e o abuso dos raios X.
Nader demonstrou ao público que o estavam a obrigar a comer carne e peixe em mau estado (quer congelados, quer em conserva), que as salsichas de «porco» contêm cinco vezes, em cada oito, «fragmentos de insectos, larvas, pêlos de roedores e outras porcarias»; que até mesmo os alimentos para bebés contêm um composto químico, o glutamato, que se suspeita seja cancerígeno (está proibido em França) e cuja utilização maciça só tem um objectivo: tornar esses produtos do gosto das mães que são quem saboreia os alimentos antes de dá-los aos filhos, para avaliar da sua qualidade. Em dois de cada três casos, descobriu carecerem de valor nutritivo os famosos pequenos almoços de cereais que lhe dão «a força de um tigre» e ser o pior deles todos, o mais famoso, produzido por Kellog; que pelo menos nos Estados Unidos, as firmas Procter e Gamble, Colgate, Palmolive e Lever Bros mentem sobre a capacidade detergente dos seus produtos. Nos Estados Unidos todas essas firmas foram formalmente acusadas de levar a cabo uma publicidade mentirosa.
Descobriu também que, durante o correr da sua vida, cada norte-americano tem duas em cada três probabilidades de ficar intoxicado pelo consumo de conservas alimentares e também que, de acordo com o número actual de acidentes, um em cada quarenta cidadãos, falecerá ou ficará gravemente mutilado por culpa de produtos de consumo defeituosos ou mal concebidos (sem contar os automóveis).
Em continuação eis aqui um breve mostruário:
Todos os anos ardem nos Estados Unidos 10 000 televisores; as portas de vidro causam um total de 10 000 feridos por ano; 60 000 pessoas sofrem de queimaduras por culpa dos seus fogões; os acidentes de escadas de mão que se partem produzem, por ano, 600 mortos e 200 000 feridos; os corta-relva, por sua vez, produzem anualmente 140 000 mutilações; aproximadamente 700 000 crianças ficam feridas, todos os, anos, por brinquedos perigosos ou defeituosos.
«O engano e a fraude, diz Nader, converteram-se em práticas correntes de todas as indústrias. Quando os industriais fabricam um produto, não se preocupam absolutamente nada com o bem-estar do público. A água, o ar e os produtos que injectam nos alimentos só têm uma função: aumentar-lhes o peso e, por consequência, os lucros. Pelo simples procedimento de injectar água às galinhas, roubam-se anualmente ao consumidor norte-americano, trinta e quatro milhões de dólares. Segundo estimativas do senador Hart, mais da quarta parte dos produtos adquiridos anualmente pelos norte-americanos carecem de utilidade real.
A função económica do engano não é só incrementar os lucros mas também estimular o crescimento económico. Este deixou de ser sinónimo de bem-estar: em grande parte, a expansão reflecte só o auge de indústrias e serviços parasitários que reparam os defeitos dos produtos e serviços que nos vendem em primeiro lugar. Temos, por, exemplo, os pára-choques: foram concebidos de tal forma que a colisão de dois automóveis a pouca velocidade produza em cada um deles danos no valor médio de 250 dólares. Graças ao que o mercado de peças sobressalentes e de reparações representa, nos Estados Unidos, 500 milhões de dólares por ano. Trata-se de um tipo de expansão económica baseado no engano: no consumo forçado.
Outro exemplo: «a poluição do ar. Arrasta consigo anualmente, através da corrosão, um gasto suplementar de 14 000 milhões de dólares em trabalhos de manutenção e reparação. Para a contabilidade nacional estes 14 000 milhões representam um enriquecimento. Na realidade são um gasto - um dos gastos - que os «trusts» particulares impõem ao público e de que só eles beneficiam.
Alguém objecta que se a indústria tivesse de lutar contra a poluição, também seria o público a pagar: aumentariam o preço dos produtos.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «Madeira Hoje», 21/9/1979
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Sunday, September 17, 2006

VON HOFF 1990

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17-9-1990

Gaspar Hartung Von Hoff
PEQUENO LIVRO DE ARTE
Edições Setenta

Alquimista e membro de uma sociedade secreta, Gaspar Hartung Von Hoff redigiu, em meados do século XVI, na Áustria, um breve tratado de Alquimia, que as edições Setenta agora lançaram em língua portuguesa(*), com o título «Pequeno Livro sobre a Arte».
Numa área bibliográfica que hoje se encontra saturada por obras de segunda e terceira extracção, quase sempre compiladas umas das outras, os que se interessam por ciências «ocultas» têm agora mais um original à disposição, o testemunho fidedigno sobre alquimia de alguém que se encontrava dentro da matéria e «com as mãos na massa». Não se trata de um mero teórico ou erudito a falar de alquimia, mas de um «operador» da arte, relatando o que fez e viu.
Não sendo uma leitura fácil, como habitualmente acontece em textos de alquimia, redigidos quase sempre para iniciados e segundo códigos cuja chave muitas vezes se perdeu, o «Pequeno Livro da Arte» relata experiências de transmutação de cristais em ouro e a procura da pedra filosofal, em linguagem cheia de simbolismo, frequentemente entrecortada de citações bíblicas, numa tentativa, talvez secreta, de fazer a união da alquimia com o cristianismo, que com essas técnicas nunca simpatizou, vendo nelas um poder concorrente e, portanto, «artes do diabo». A inquisição acusava mesmo os alquimistas de pactos com o demónio e práticas de bruxaria, chegando a meter alguns na fogueira.
Mas a verdade é que, através das suas experiências greco-egípcias, árabes e depois, a partir do séc XII, europeias, a alquimia criou o seu próprio domínio de investigação cuja filosofia visa, essencialmente, reconstituir uma ligação específica do homem com a natureza.
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A. TOYNBEE 1964

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«UM ESTUDO DE HISTÓRIA» (*) - OBRA DO PROF. ARNOLD TOYNBEE AGORA EM TRADUÇÃO PORTUGUESA DO PROF. VIEIRA DE ALMEIDA

[(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no suplemento literário do «Jornal de Notícias», Porto, em «Opiniões da Semana» , em 17-9-1964 ]

Perante Arnold Toynbee, o leitor avisado poderá distinguir planos e, se aproveitar os factos que ele tão bem conhece e conta, pode com prudência ignorar os valores quer ele, cristão e católico, não deixa de insinuar por dever de ofício e de consciência.
Para empreender uma viagem tão longa através da história, aliás, só uma fé sólida e apoiada em pressupostos transcendentes, só uma fé inabalável e à prova de argumentos humanos, permite não desistir a meio e levar de vencida tão torturante empresa. Por outro lado, que um conhecimento tão largo e profundo da «obra divina permita alimentar a fé de que Toynbee não abdica, eis o paradoxo, eis o enigma, mas que não vem ao caso tratar aqui e que talvez não seja sequer prudente sugerir.
O contacto e conflito entre as culturas ocupa o primeiro lugar no método e na investigação de Toynbee. Ele crê que as culturas, como os indivíduos, além de mortais, sofrem das características dos mortais; nascem, vivem e morrem; chocam-se, agridem-se e destroem-se.
Toynbee insere-se num movimento que tenciona mobilizar as melhores intenções para promover e conduzir em todas as latitudes, uma reciprocidade cultural mais justa. Mas sanados que estejam (estarão algum dia?) os conflitos de ordem primária ou económica entre As várias parcelas do globo, não mais haverá, como acreditam alguns, culturas agressoras e culturas agredidas, umas que se submetem e outras que são submetidas?
Fora da sua estrita especialidade – historiador – importa saber que o trabalho e o pensamento de Arnold Toynbee representa um contributo importante para o esclarecimento de muitos problemas básicos contemporâneos e matéria aproveitável para progressos práticos.
Partindo do pressupostos distintos (talvez antagónicos) , o alcance e consequências de duas teorias podem, na realidade, equivaler-se e convergir. Toynbee parece ter chegado a conclusões que outros, de formação ideológica diversa, não hesitariam em subscrever.
Movendo-se no campo das ideias gerais, a história para Toynbee faz-se de factos concretos, de inumeráveis factos concretos com os quais convive de perto e à vontade e ninguém, a esse respeito, ousará negar-lhe informação sobre-humana. Quem, como ele, pode sozinho, tratar por tu a história de ontem e de hoje, tem direito à nossa atenção, ainda que não se perfilhem os seus postulados filosóficos, as suas crenças, os seus valores, a sua fé e a sua teleologia apocalíptica.
É de salientar ainda que esta obra foi traduzida e prefaciada pelo saudoso prof. Vieira de Almeida, que de forma excepcional cumpriu bem a tarefa que lhe foi confiada. O seu prefácio, esclarecido e lúcido, demarca os pontos fundamentais do pensamento de Toynbee, ao mesmo tempo que interpreta os métodos de investigação e as linhas de força em que assentam e se estruturam os principais objectivos desta conhecida obra do ilustre professor Arnold Toynbee.
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(*) «Um Estudo de História», de Arnold Toynbee - Editora Ulisseia – Lisboa, 1964

(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no suplemento literário do «Jornal de Notícias», Porto, em «Opiniões da Semana» , em 17-9-1964

G. DURAND 1990

1-3 - durand-1-ls> sexta-feira, 20 de Dezembro de 2002-scan

17-9-1990

METAMORFOSES DO REAL IMAGINÁRIO - TRATADO LÓGICO DO ILÓGICO

Com “As Estruturas Antropológicas do Imaginário" cuja primeira edição aparece em Paris, no ano do 1960, Gilbert Durand escreve não só o manifesto da criação poética para todos os tempos e lugares como estabelece a rampa de lançamento para toda a futura análise do fenómeno criativo, seja qual for o campo semântico em que aconteça, o tempo da história, e o lugar da terra onde se pratique.

O que se julgava impossível, a ciência da excepção e do único, a lógica do ilógico, o racional do irracional, realiza-o Durand neste tratado do imaginação, contributo definitivo e exaustivo a tudo o que se tenha dito ou venha a dizer sobre o fenómeno da imagem e da imaginação, o mais universal de todos os fenómenos culturais. Impossível ir mais longe, na pesquisa e recolha de dados, no número gigantesco de dados concretos com que se ilustram as ideias gerais, os símbolos, os arquétipos, as alegorias, enfim, tudo aquilo que a ciência acaba por designar como «estruturas» que aparentemente regem o fenómeno humano, tais como as leis físicas regem o mundo dito, por antinomia, material.

CORRESPONDÊNCIAS MÁGICAS

A riqueza torrencial de formas e correspondências mágicas que, de um lado ao outro da Terra, de um ponto ao outro do tempo, nos é dado pelo discurso “oceânico” de Gilbert Durand, coloca entre outras (entre muitas, muitas outras) esta questão : perante uma tão avassaladora quermesse de «imagens» e «símbolos» que a humanidade criou, recriou, acumulou, repetiu, reproduziu, em lugares geográfica e historicamente os mais afastados, o mundo actual é um deserto, uma chatíssima e árida vastidão de inutilidades chamadas gadgets, uma imensidade de vazio e de ninharias, ainda por cima estaticamente um horror, ecologicamente um Terror.
Horror e Terror a que, depois, o marketing chama obras-primas do pós-modernismo, ou qualquer chaladice do género « novas tecnologias».

À luz desta livro feérico e fascinante - que abre, como não podia deixar de ser, com uma epígrafe de André Breton - é o mundo actual, com a sua quinquilharia tecnológica, com os seus mitos de pacotilha, com o seu ridículo e pretensioso abismo, que se torna uma vulgaridade ordinária inclassificável.

Fase á exuberância «equatorial» e «barroca» do fértil e fecundo património do imaginário, voltamos a ter respeito por esta espécie que alguns quiseram e supunham poder reduzir ao esqueleto irrisório do «homo cientificus», do «homo economicus», do «homo ludicus», ou do «homo parvonius».

O espírito humano não é só maravilhoso, como o demonstra e mostra Durand nestas 326 páginas da edição portuguesa. O espírito humano é, por antonomásia, o Maravilhoso.

Ao lado de todos estes mitos ditos «primitivos», a arte actual, os artistas modernos, a literatura europeia, os cultos da cultura civilizada, os mitos do espectáculo e da política, os rituais dos «mass media» não passam de uma pessegada interminável.

Ao lado da fulgurante exuberância que são as páginas descritivas de Durand, trazendo ao dia do hoje o que já era moderno há dois, três ou quatro mil anos, tudo o que diz respeito à fase moderna aparece pálido, pobre, mesquinho, chato, rasteiro.

UNIVERSO DA DIVERSIDADE

Logo a seguir, o que impressiona no livro de Durand, é a consciência de unidade que de toda essa variedade e multiplicidade de formas, emana.

O espírito humano é uno e, por mais que a razão divida, que o racionalismo e o positivismo dividam, que as ciências se dividam e subdividam, é a unidade essencial e primordial da imaginação criadora que acaba por vencer, surgindo em todo o seu esplendor no panorama infinito de formas infinitas, capturadas pela pesquisa mágica deste professor de Antropologia e fundador do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário.

Se o próprio Durand recorre a várias ciências para as unificar no que chamou «estruturas», se para este seu estudo convergem Etnografia, Etnologia, História, Antropologia, Filologia, Psicanálise, etc , a visão resultante do fenómeno imaginário é sempre global e unificante, o que decorre, aliás, da sua própria e específica natureza.

Um terceiro ponto e aspecto relevante emerge deste verdadeiro tratado do espírito humano e do real» que é o livro do Gilbert Durand. Qualquer análise de um produto literário ou artístico não poderá fazer-se, e partir de agora, sem base nestes pressupostos aqui inventariados em astronómica quantidade: não se trata de mais uma teoria estética, mas dos próprios fundamentos (revelados) em que assenta o funcionamento do «real imaginário».

Fora disto, destas raízes ancestrais , destes mitos ligados à profundidade do tempo E à imensidão do espaço, não há hipótese de arte, poesia, literatura. Se as ciências humanas saem pulverizadas deste «tratado lógico do imaginário» como disciplinas parcelares, perante a força imponente e persuasiva da unidade assim revelada, também as artes e letras saem impotentes deste confronto com antecedentes e antepassados, com tradições, lendas, mitos, deuses, entidades, epifanias, arquétipos.

É a qualidade tanto como a quantidade de dados acumulados por Durand a sua coerente articulação que constroem esta «lógica do ilógico», esta « racionalização do imaginário», tornando convincente a posição daqueles que sempre defenderam ser a poesia que está na origem de tudo, e de que todas as criações do espírito partem de mesma raiz ou matriz poética.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, indubitavelmente 5 estrelas, foi publicado em «Livros na Mão», jornal «A Capital», 2 de Outubro de 1990, em que já teclava em computador.
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