IEVTUCHENKO 1990
LEITURAS DE VERÃO(**) - RETORNO A IEVTUCHENKO
[90-08-16] - Serve esta novela «Ardabiola»(*), que mais não seja, para retomar contacto com Ievgueni(Eugénio) Ievtuchenko, um poeta soviético da era Krutchev que, na segunda metade dos anos sessenta, abalou os meios editoriais e políticos do Ocidente, empunhando a bandeira do anti-estalinismo, nomeadamente com o livro «Autobiografia Prematura», que as Publições Dom Quixote de então editaram em língua portuguesa. Que saudades.
Acontece que esse livro, típico da era Krutchev e suas ambiguidades, não fica esquecido nem ofuscado por esta novela, que de certo modo acusa a transição para a era Korbachev... E de era em era, de degelo em degelo, se consome uma vida que o escritor talvez tivesse desejado diferente. Creio poder surpreender-se, muito em surdina e nas entrelinhas, essa nostalgia, nas páginas de «Ardabiola», a inconsistente história do cientista que quer descobrir uma planta anti-cancerígena, com base na mistura genética de outras plantas que a tradição popular demonstrou possuirem altas virtudes terapêuticas. Já era então possível, na URSS, fazer o elogio da ciência popular, sem se ser acusado de reaccionário ao serviço da burguesia. Progressos.
Hoje com 57 anos - uma boa idade para começar tudo do zero - , Ievtuchenko foi o típico intelectual oferecido em holocausto à nação soviética pelos arautos do 20º Congresso e talvez tivesse esgotado, com «Autobiografia Prematura», o essencial do que tinha para dizer como funcionário do Partido. Menos optimista agora (com «Ardabiola») do que então ( com a «Autobiografia»), relativamente aos frutos da revolução bolchevique (onde isso tudo já vai), Ievtuchenko deixa transparecer, nesta história, em estilo pobre e pouco fulgurante, dúvidas e mágoas que na época de Krutchev já seriam abusivas mas que faziam prever a época Gorb.
Sem o impacto que a outra sua obra teve, mesmo em Portugal, onde a «Autobiografia» ainda motivou uma visita do autor a Lisboa, a novela «Ardabiola», já com muito pouco de confessional, transmite uma sensação de esterilidade e mesmo de senilidade que entristece, atendendo à mensagem vibrante e calorosa que o poeta, então sob o signo de Maiakovsi e Essenine nos deixara.
Se esta novela servisse para reactivar o interesse do público português por Ievtuckenko e estimular a reedição , em língua portuguesa, da «Autobiografia», que a Dom Quixote publicou em 1967, seria com certeza um dos seus mais apetecíveis méritos.
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(*) «Ardabiola», de Ievgueni Ievtuchenko, Ed. Difusão Cultural
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(**) In «A Capital» , «Leituras de Verão», 16 (23?)-8-1990
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