88-02-20-ls> = leituras selectas - herculano-1-ls> HERCULANO ELOGIA PROPRIEDADE - MUTUALISMO EM FOCO(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 20-2-1988Oito volumes com cerca de 500 páginas cada um é a meta visada pela reedição dos Opúsculos de Alexandre Herculano que a Presença agora iniciou .
Da viagem a um Herculano diferente, pouco conhecido e em grande parte inédito, falou a "A Capital" o Prof. Jorge Custódio que, com José Manuel Garcia, dirige esta obra monumental do grande escritor português do século passado.
Liberal, burguês, agricultor e génio - Herculano continua a ser redescoberto como um "continente" onde novos exploradores vão sempre aportando, à procura de novidade e notícia.
Herculano, de facto, moderado na aparência mas radical na essência, volta a fascinar as novas gerações, à medida que a história torna anacrónicas certas etapas aparentemente "revolucionárias".
No agricultor de Vale de Lobos muitos começam a ver um profeta da idade pós-industrial. O tempo não envelhece o seu pensamento e antes, paradoxalmente, o torna cada vez mais jovem. O fenómeno, que acontece apenas a raros escritores e artistas, está a verificar-se com o autor da História de Portugal.
UMA ARCA DE INÉDITOS
Para os organizadores da reedição, os dez volumes dos novos Opúsculos são a constante descoberta de um esquecido, desconhecido, inesperado ou inédito Herculano.
Jorge Custódio entusiasma-se:
"Vamos revelar textos da participação parlamentar do escritor, deputado um ano, com sua posição crítica em relação ao Parlamento. Vamos revelar também estudos militares medievais , além de um texto pioneiro sobre Numismática, que não vem citado em nenhuma obra, novas polémicas sobre teatro (desconhecidas até agora da investigação ) , artigos sobre as obras da Escola Politécnica (hoje Faculdade de Ciências) ou acerca da Revolução de 1249). Também os artigos d` O País , onde foi redactor, são um valioso espólio do escritor. "
A parte inesperada desta reedição é ainda evidenciada pelo plano que os organizadores apresentam.
Enquanto os antigos 10 volumes dos Opúsculos ficam contidos em cinco da actual edição, os cinco volumes restantes irão conter matéria quase inédita ou, pelo menos, pouco conhecida do público e dos próprios investigadores.
Prevê-se que uma "arca" de inéditos, na posse de um descendente do escritor, possa tombem ser aberta vindo então a lume manuscritos totalmente inéditos, se as negociações encetadas com a editora chegarem a bom termo.
AZEITE DA MARCA "HERCULANO"
Relendo páginas como as que neste I volume dos Opúsculos ele dedica às Caixas Económicas, às freiras de Lorvão, à supressão das Conferências do Casino ou aos egressos, pasma-se da sua actualidade, do interesse que natural e inegavelmente ainda merecem das gerações actuais.
Falando a "A Capital", o exegeta Jorge Custódio exalta um Herculano precursor dos modernos conceitos de Agricultura:
"Defensor da sementeira de pinhais, ele foi o introdutor em Portugal não só da cultura da beterraba mas da tecnologia italiana da produção de azeite de mesa. O azeite da marca "Herculano" ganhou prémios internacionais.
No tempo de Napoleão III, ganha prémios na Exposição Universal de Paris de 1867 e um 2° prémio, na Exposição de Filadélfia.
Quando participou no I Governo da Regeneração, apresentou um projecto de decreto de Reforma Agrária, possivelmente o primeiro que se conhece... É notável, não há dúvida, o seu papel como pioneiro da agricultura científica em Portugal."
Segundo Jorge Custódio, "Portugal não mudou muito desde a revolução de Mouzinho da Silveira e , neste contexto, Herculano é hoje mais actual do que nunca, pois a sociedade portuguesa não evoluiu muito desde o século passado."
PÔR EM COMUM MEIOS DE PRODUÇÃO
E adianta: "Ele estava perfeitamente a par dos conceitos seus contemporâneos sobre Economia Política: socialista utópico, favorável a um "socialismo pela diversidade", conhecia bem Saint-Simon, quando a onda industrial e tecnicista subia.
"Defensor da propriedade privada, preconizava no entanto a organização cooperativa dos agricultores, que deviam pôr em comum as máquinas e outros meios de produção. O assunto das "sociedades económicas" mereceu-lhe 30 anos de reflexão.”
Traço revelador do carácter de Herculano é o seu procedimento relativamente à Universidade de Coimbra, cujo carácter "corporativo" criticava.
"Isso não o impediu, porém - diz Jorge Custódio - de submeter o volume IV da História de Portugal à apreciação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para ver até que ponto a instituição é liberal na apreciação da obra de um autor que não pertence ao corpo académico e que tanta a criticara. "
A independência do autodidacta que desafia a instituição sem a ela se submeter constitui ainda hoje uma lição exemplar para a chamada classe intelectual, tão enfeudada e submetida às academias e neo-academias.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra»,
20-2-1988***