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Friday, February 10, 2006

M. TOTH 98

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11-2-1998

O CÓDIGO DAS PIRÂMIDES EGÍPCIAS E MAIAS (*)

«Não existem provas indiscutíveis de que nenhuma das gigantescas estruturas construídas durante o Império Antigo, ou em épocas ainda mais recuadas, o fossem da maneira como os egiptólogos costumam descrever.»
Max Toth, in «El Poder Mágico de las Pirámides», Ediciones Martinez Roca, Barcelona, 1977, página 81

1 - Quando se comparam os sistemas de conhecimento, há quem defenda, por exemplo, o hinduísmo contra a tradição egípcia, alegando que aquele é transmitido por uma linhagem ininterrupta - o famoso mestre a discípulo - e esta não. Ou seja, a sabedoria egípcia «perdeu-se», porque não foi transmitida de mestre a discípulo.
Se a linhagem é importante e disso se vangloria, muito justamente, o budismo tibetano, não significa que seja indispensável, condição sine qua non e um selo de garantia.
A resposta para os que defendem intransigentemente a linhagem como critério de validade é apenas: se o fio se perdeu (e a biblioteca de Alexandria, com milhares de papiros preciosos, foi incendiada) há que:
a) Reconstituir a Biblioteca de Alexandria
b) Recuperar todos os fios, antigos e modernos, que conduzem à sabedoria original dos egípcios ou sabedoria dos deuses.
c) Descodificar as diversas linguagens cifradas em que a sabedoria primordial foi transmitida e que se encontram, na maior parte, por descodificar.
Estas 3 alíneas são, ao mesmo tempo, um projecto e uma opção. À luz da Gnose Vibratória/Radiestesia Holística, perfeitamente possível.

2 - Também no que respeita às pirâmides, o excesso de informação, hoje, serve para desinformar. Dada a avalanche de livros, páginas e linhas que se têm escrito sobre a pirâmide, a triagem dessa informação é um procedimento didáctico imprescindível.
Se na egiptologia se contém grande parte da informação perdida com o incêndio da Biblioteca de Alexandria, se essa sabedoria é fundamental para reconstituir o sistema de Noologia, de Cosmobiologia e de técnicas iniciáticas então conhecidas e se, como se diz, na Grande Pirâmide de Gisé se contém o livro de pedra com o essencial dessa sabedoria e dessa informação, triar tudo o que a ciência profana tem discorrido sobre a grande pirâmide, será um caminho para abrir algumas pistas.
Que a essência do conhecimento possa estar oculta na grande pirâmide é, mais do que uma hipótese extremamente lógica, uma esperança que podemos alimentar, uma pista que devemos percorrer.
Se não atingirmos o coração da sabedoria, vamos, com certeza, localizar uma das fontes mais seguras e límpidas do conhecimento que hoje importa, mais do que nunca, alquimizar e, portanto, viver.
Para a construção do Novo Paradigma.
Estudar a pirâmide será viver a pirâmide. E todas as 12 ciências sagradas têm que ser vividas para ser conhecidas.

3 - Max Toth, in «El Poder Mágico de las Pirâmides» (Ediciones Martinez Roca, Barcelona, 1977), traça um escorço rápido das várias pirâmides que foram assinaladas em todos os países do mundo. Segundo Max Toth, só Austrália e Antártida estariam, por enquanto, excluídas desse mapa mundi.
Linha de investigação para uma equipa: com alfinetes coloridos, ir assinalando, no mapa do mundo, os pontos onde se registam pirâmides.
Quem sabe se não encontraríamos, ligando esses pontos, linhas contínuas que poderiam vir a constituir o esboço de um mapa de meridianos de energia, à semelhança do que os proto-chineses fizeram para o ser humano e muitos animais.
Linhas afins deste item:
- Geometria sagrada, uma das 12 ciências noológicas
- O mapa d os meridianos energéticos da Terra
- O Microcosmos que reflecte o Macrocosmos.
Trabalho para muitos anos, seria a carta geográfica dos «monumentos» que foram, para antigas cosmogonias, o «relais» entre Céu e Terra:
a) Pirâmides
b) Megalitos
c) Labirintos
d) ...
São peças soltas de um único «puzzle»: e a actual situação da arqueologia para o Novo Paradigma é de acumulação exaustiva de dados soltos, sem que se esboce uma linha de rumo que lhes dê sentido, lógica e objectivo.
«' Homme Erternel», de Louis Pauwels e Jacques Bergier (Ed. Bertrand, Lisboa, 1971) foi a obra que apresentou o esquema mais completo do que deveria e poderia ser essa rede de ligações, esse «puzlle» composto de milhares de peças indiscriminadas. Será um guia imprescindível, quando o Banco de Dados for realizado.
Com tanta informática e tantos benefícios da informática, ainda ninguém se lembrou de meter em banco de dados as peças que a arqueologia ordinária tem inventariado. Mas assinalando-as por valor vibratório e por importância informativa.
Nem todas as pirâmides de pedra, por exemplo, construídas pelo mundo fóra, têm o mesmo valor vibratório (semântico) e a mesma importância noológica.

4 - Trabalho de pesquisa e correcção para equipas de RH/GV é o que respeita às datações:
«O erro imputável ao método do Carbono 14 é, não já de alguns séculos como antes se tinha acreditado, mas de milénios» - diz Max Toth, in «El Poder Mágico de las Pirámides», página 21.
Se assim é, as figuras de Foz Coa, por exemplo, poderiam datar de 60 mil anos e não de 30 mil como querem os datadores oficiais.
Tomando em consideração o desfazamento do «erro carbono 14», os dados fornecidos pela GV/RH podem aproximar-nos muito mais da realidade. O que, para a Arqueologia realista, não é afinal uma grande questão, sabendo, como se sabe, que o Progresso se situa no Passado e não na actualidade.
«O diagrama MR, usado pelos egípcios para designar a estrutura de quatro lados, de faces triangulares e base quadrada» - diz Max Toth , in «El Poder Mágico de las Pirâmides». E acrescenta: «Essa palavra egípcia MR não possui, em si mesma, nenhum significado descritivo». ( I.E.S. Edwards, in «The Pyramids of Egipt»).
Bom pretexto de teste e desafio aos pesquisadores: será MR linguagem vibratória?
Descodificar, já agora, a palavra que é o possível antepassado da palavra pirâmide: a expressão PER-EM-US, que ocorre no «Papiro Matemático de Rhind», do Museu Britânico, significando «o que sobe».
A sílaba final US, porém, não se lhe conhece qualquer significado.
Nada mais significativo e significante, em Noologia, do que aquilo que, para a ciência ordinária, não tem significado conhecido ou função conhecida ( o caso da heterocromatina constitutiva, em biologia molecular, é bem significativo destes insignificados... como sabem os que estudam Radiestesia Holística).
Pistas a investigar : US seria o incógnito? O Ignoto? O inominável ou sem nome?
Qual será a tradução vibratória do binário US?

5 - Segundo Max Toth (página 28 da obra citada), falando das pirâmides peruanas, «é típico em todas as pirâmides o labirinto de paredes, muros, galerias, câmaras, escadas e rampas.»
Registe-se esta associação, nada inesperada, da pirâmide e do labirinto.

6 - Nomes a testar no legado peruano, em parte transcrito por Max Toth, na obra citada:
TIAHUANACO
MOCHE
Segundo alguns autores, «TIAHUANACO foi o berço de todas as Américas e possivelmente da civilização em todo o Mundo.»
Que tentação, pois, ligar esta palavra aos lemurianos e aborígenes da Austrália!
Outros afirmam de TIAHUANACO que «foi a sede de um poderoso império megalítico que dominou todo o planeta.»
Mesmo como hipótese, dá à palavra um peso vibratório e noológico certamente muito interessante. A testar, bem como as ligações da palavra a VIRACOCHA - deus criador -muito semelhante ao famoso QUETZALCOATL mexicano.
A testar, ainda no Peru:
NAZCA - nome das célebres pistas que Von Daniken atribui a extratrerrestres.
Óbice que não deve fazer desistir o pesquisador de RH/GV, é o facto apontado por Max Toth:
«Ao ser conquistado pelos espanhóis, o império inca, todos os testemunhos das civilizações préincaicas foram destruídos.»
(Max Toth, in «El Poder Magico de las Piramides», página 33).
«Testemunhos materiais», deverá acrescentar-se - porque só esses, os materiais, podem ser destruídos.
Muito haverá a descobrir com o pêndulo de Radiestesia e a grelha vibratória, dos vestígios quer materiais quer imateriais.

6 - Nomes de deuses entre os maias (hoje México):
HUEHUETEOTL
XIUHTECUHTLI
A registar: Cultura OLMECA.
A medida do tempo, entre os OLMECAS, determinava a data em função de um ciclo de 52 anos (Ver as equivalências macro-microcósmicas do número 52)
TEOTIHHUACAN é hoje chamada «cidade dos deuses» ou «cidade sagrada».
TLALOC seria o deus da chuva (templo de QUETZALCOATL).
Os TOLTECAS , mais recentes (?) foram os primeiros a ter uma cronologia continuada por anos e usavam o almanaque sagrado de 260 dias (Ver números de significação cosmobiológica).
Atenção aos 4 nomes da cosmogonia tolteca:
1 - TLOQUE NAHUAQUE criou o mundo
2 - Gigantes QUINAMETZIN
3 - QUETZALCOATL e HUEMAC , dois nomes para a mesma divindade.
«Esta a história dos TOLTECAS segundo a narração escrita por IXTLILXOCHITL .»
O grande calendário de pedra dos Aztecas pesa mais de 20 toneladas, tem um diâmetro de 4 metros e foi talhado num só bloco monolítico. No centro do calendário está representado o deus do sol:
TONATIUH e nele se descrevem as 4 idades passadas do mundo.
Somadas as 4 idades, representam a data da época actual!!!!

7 - Recordem-se as funções que a arqueologia académica tem atribuído às pirâmides:
a) Túmulos
b) Templos religiosos/Santuários
c) Observatórios astronómicos
d) Ressoadores ou acumuladores de energia
Falta a hipótese mais próxima de ser a verdadeira:
e) Relais entre Céu e Terra.
A realidade talvez seja a soma de todas estas alíneas e alguma mais que não está aqui.
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(*) (Para voltar a rever quando sistematizar a cosmobiologia egípcia, maia e azteca)
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J. BAUDRILLARD 92

baudrillard-nf> ac - ficções - 8202 caracteres simulaºs> aflitos> cartas> forum dos aflitos

QUEM PLAGIOU QUEM? - CANIBALISMO TECNOINDUSTRIAL - HUMOR E TERROR - SÓ O REAL É FANTÁSTICO E SÓ O FANTÁSTICO É REAL

Lisboa, 11/Fevereiro/1992 - Juro que nunca tinha lido Baudrillard. Juro que não copiei, que não plagiei, que não simulei, juro que houve pura coincidência entre belos espíritos, o meu e o dele, o dele e o meu. E à parte os textos humildemente publicados por mim, que podem provar a minha inocência, porque podem verificar-se, por atestado escrito, o preto no branco, consultando a Hemeroteca, as coincidências de tese entre o que ele pensou e o que eu já pensara, não é com os inéditos (mais que muitos) que vou fazer prova em tribunal e defender-me da acusação de plágio.
Acusarem-me era ainda darem-me uma importância que de todo eu sei não ter. Será então melhor fazer simulacro e dizer que plagiei? Serei então assim absolvido? Quem sou eu, aliás, para me comparar, ou mal comparar, a Baudrillard? Neste seu livro, «Simulacros e Simulação», está lá tudo o que eu tinha pensado: e só o estilo dele, menos legível do que o meu, mais simulado, o favorece.
Nestes tempos, como se sabe, quanto mais obscuro mais profundo. E eu terei sempre o tremendo defeito de ser claro. Fui sincero e agora não posso simular que fui sincero. Se simular que fui sincero, deixo de ser sincero. Se for sincero a sério ninguém me leva a sério, só me levam a sério se eu simular ser sincero. Mas eu não posso simular ser sincero, porque sou efectivamente sincero. São as aporias contemporâneas, a que chamei deste «tempo-e-mundo». Estão lá, nos papéis inéditos ou publicados, as teses. A ideia peregrina, por exemplo, de ver a sociedade moderna com o mesmo distanciamento e frieza das sociedades arcaicas, é uma dessas ideias que Baudrillard me plagiou, ou antes, que eu lhe plagiei, porque ele está por cima e eu por baixo.
A questão do plágio é também uma questão de classe. Mas haverá alguma coisa que não seja uma questão de classe? Quer tenham matado ou não o Marx, a luta de classes já existia antes dele, continuou e continuará a existir. Baudrillard é que, francês, pode ser traduzido em português. Não sou eu, português, que posso ser traduzido para francês. Sou periférico. Sou alvo antropológico das observações dele. Um ser arcaico que pode, eventualmente, merecer a lupa sociológica deste antropólogo e a lupa antropológica daquele outro etnógrafo.
Ele, Baudrillard, não simulou, eu tenho que simular o papel de ente primitivo observado por ele. Porque pertenço -- repito -- à periferia, à classe baixa. No Forum dos Aflitos, bem posso gemer a minha queixa, mas em Bruxelas ou no Parlamento Europeu não se conhece -- mal a mal por intérprete, por simulação -- por retroversão, não se conhece a língua portuguesa, periférica, arcaica, digna de Etnologia como o Sânscrito ou o Latim. Objecto de arqueologia estrutural, será que por aí terei saída?
Deixando de ser sujeito activo da História, eles deixar-me-ão existir? Ficarei inimputável no Tribunal da Crítica paneuropeia e pan-universitária? Sobre os «fantasmas» de Three Mile Island ainda posso provar que escrevi, publiquei, barafustei, em um vespertino de certa circulação nacional. E quando Baudrillard fala de fantasmagoria e apoteose do Simulacro que é a dissuasão nuclear, o chamado «equilíbrio do terror», recordo o esforço que eu fiz para dizer isso quando ninguém estava com os ouvidos preparados para ouvir isso. Só nunca me lembraria, como Baudrillard, de ocupar os meus ócios com o exemplo tão óbvio da Disneylândia.
Toda a gente sabe que é cenário. Mas já todos duvidarão que eu fale das guerrilhas intra e interpartidárias como «cenário», como teatro, como simulacro e montagem. Quando Barros de Moura disside do PCP e sai do Parlamento Europeu é a sério -- pergunto eu -- ou é apenas para, de combinação com o Comité Central, abrir espaço e hipótese de formar um novo partido comunista sem o lastro e os handicaps do antigo? Quem me leva a sério e quem acredita que eu fale a sério deste simulacro? Ou quem me levou a sério, quando falei do Simulacro que era a manipulação tóxica do símbolo antinuclear pelos movimentos ditos pacifistas de nuclearistas e militares convictos?
Baudrillard leva a sério o Watergate, mas quem pode pensar como sérios e não simulados, não montados, os escândalos políticos nos EUA, paraíso do espectáculo, se é mais lógico pensá-los como montagem? Maradona, o fim espectacular do genial Maradona, foi outro caso difícil de compreender fora deste cenário de pura dramatização do real. O que é hoje possível é fabricar os escândalos mais convenientes -- e para que sirvam de punição exemplar a outros maradonas mais pequenos que não cumpram com as leis da organização. Perante o pavoroso atentado de Bolonha -- recordo -- juro que fiz as mesmas perguntas que vejo agora Baudrillard fazer. Creio que escrevi algo, na altura, para a gaveta, mas onde vou agora descobrir, neste monte de caixas atadas, o que escrevi na altura? Só não saberia ter sido tão claro como Baudrillard, quando escreve, com rara clareza nele, isto que até eu consigo ler (pg.s 25, 26 e 27):[---]
Quando o terror atinge as dimensões do tecnoterror contemporâneo, só resta a ficção. Isto foi para mim óbvio, desde há anos. Humor e terror andam ligados, porque só o «non-sense» é linguagem para o puro «non-sense» da história como ficção, lenda, conto fantástico.

O risco social de escrever hoje sobre certos temas quentes, em ar de manifesto assumido e assinado, leva alguns pensadores do Perigo à prudência de dizer que (se) imaginam histórias de ficção quando pura e simplesmente nos estão a contar os mecanismos ocultos que levam a muitos dos pavores actuais. Não sei se Baudrillard leva o seu paralelo com as sociedades primitivas até ao fim, entusiasmado pelo ineditismo (?) da sua tese. Mas tomado à letra, é ilusório esse paralelo: porque o primitivismo (canibalismo lhe chamei) contemporâneo das sociedades desenvolvidas, tem componentes específicas irreversiveis.
O canibalismo dos povos rotulados de canibais, ao lado do canibalismo tecnoindustrial, é puro amor. E Tobias Schnebaum, «Lá Onde o Rio te leva» (Ed. Antígona), conta isso muito bem contado, com cenas de amor físico, nos seus livros de choque. Ele também, nesse caso, plagiou Baudrillard, e nem creio que o tenha lido, ou este a Tobias Schneebaum. Coincidências. Ponto de encontro (mas não nó górdio) para estes fios todos da meada, é o que -- à falta de melhor -- chamei Ecologia Humana, essa ciência experimental de que somos todos Cobaia, uma das intuições que me gabo, com muita honra, de ter alimentado no meu viperino seio de papéis inéditos e publicados. Intuição que -- à hora a que escrevo -- ainda não me foi surripiada (que eu saiba) por nenhum Baudrillard.
Não me defendo de assaltos à mão armada de esferográfica. Rendo-me à grandeza e força da classe mais forte. Sou objecto de estudo etnológico, não sou Etnólogo acentuado na primeira sílaba. Vou continuar a ler-me neste ensaio de Baudrillard sobre «Simulacros e Simulações», como obediente selvagem das Ilhas Fitji, resigno-me à situação antropológica de ser um selvagem das Ilhas Fitji, eventualmente fotografado com a pilinha à mostra, e em tomar a palavra neste Forum dos Aflitos. Um advogado, por amor de deus, enquanto espero pelo médico, um etnógrafo, por amor de Malinowski, enquanto espero por um sociólogo.
Um psicólogo social, por amor de Marcuse, enquanto espero por um epistemólogo e, na falta deste, por um Etólogo ou mesmo -- em tempo de crise -- um Entomologista. Que me falta para ser um Insecto Perfeito? Senhor Doutor Juiz, juro dizer a verdade, apenas a verdade. Ou seja, simular com este conto de ficção, o ensaio de ideias que não tive ocasião de publicar antes do mestre Baudrillard publicar os seus dele. Mas generalizem, já agora, e se não se importam, imaginem quantos selvagens -- daqueles que vocês ainda não conseguiram exterminar -- , imaginem quantos selvagens como eu, ignorantes, falhados, analfabetos, áfonos, se não estarão rebolando hoje de raiva, inveja e gozo, na mesma dúvida hamlética: foi o Baudrillard que me plagiou as ideias ou fui eu que plagiei o Baudrillard?
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(*) Jean Baudrillard - Simulacros e Simulação - Ed. Relógio d’Água - Lisboa, 1991- 201 pg,
Outros livros de Jean Baudrillard na «Biblioteca do Gato»:
Jean Baudrillard - O Crime Perfeito – Ed. Relógio d’Água – Lisboa, Março de 1996 – 190 pg
Jean Baudrillard – L’Échange Symblique et la Mort NRF – Ed. Gallimard – Paris, 1976 – 343 pg
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Thursday, February 09, 2006

W.BURROUGHS 92

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O MAL NA LITERATURA - WILLIAMS BURROUHGS COMEÇA A SER ACTUAL(*)

[10-2-1992]

Qualquer dia temos que fazer a notícia necrológica de William Burroughs, maldito até ao fim, nos seus actuais 77 anos sobrevividos, e então é o momento, entre todos solene, de proclamar que ele «foi um dos mais importantes escritores de todos os tempos» incluindo os vindouros, e lamentar que não lhe tenha sido atribuído o Prémio Nobel. Nunca se sabe quando esta omissão do Nobel é vista como um elogio ou como uma afronta ao chorado autor em causa...
Não vai haver tempo, então, para pôr em dia a leitura do seu verbo vulcânico e torrencial, pormenorizar os aspectos circunstanciais e publicitários da sua vida maldita de maldito escritor. Depois de morto, sim, tudo isso poderá concorrer para o vender melhor.
Temos em tradução portuguesa -- e traduzir Burroughs é fazer [o pino] equilibrismo em cima de um cabo de alta tensão -- «As Terras do Poente», «Cidades da Noite Vermelha»(*) e «Naked Lunch», banquete que o saudoso João Palma-Ferreira teve ainda ocasião de verter para a editora Livros do Brasil com o infeliz título «Alucinações de um Drogado».
Pois bem: quando Burroughs, nascido em St Louis, em 5/2/1914, esticar o pernil, vai ser difícil afirmar, numa obra com 47 títulos, de 1953 até hoje, se está lá tudo quanto os seus panegiristas, entre os quais se podem contar o português Palma-Ferreira e o norte-americano Norman Mailer, dizem estar. Tudo e mais alguma coisa, até o que ainda não existe. Por isso em vez de escritor, muitos preferem considerá-lo profeta. Vai ser impossível a um ser humano abranger (abraçar) esta prodigiosa torrente de lava que, além de queimar, não é propriamente de um perfume «made in Paris».

O papel dos cheiros

Aliás e como se sabe, os cheiros têm, nas páginas de Burroughs, um papel característico, ainda que todo o mundo sensorial o tenha, mercê de um génio descritivo de imagens que supera toda a câmara cinematográfica. Isto não impede que o realizador Cronenberg, sempre à cata de moscas, não esteja tentando a sua chance de adaptar o «Naked Lunch», título de W.B. mais vendido, mas não sei se o mais profético.
No aspecto de prever as grandes vagas de fundo que só anos depois a história iria comprovar, ponto por ponto, «Cidades da Noite Vermelha», na magistral tradução de Maria Dulce Teles de Menezes (na companhia de Salvato), parece-me muito mais pesado de consequências. Publicado em 1981, está lá já, nas «Cidades da Noite Vermelha», a epidemia do século, com uma nitidez de contornos perfeitamente alucinante. De tal maneira, que se torna crível a hipótese colocada por alguns observadores de a tal «epidemia do século» ter sido decalcada e montada de acordo com o guião ficcionado por Burroughs. Só para deslindar esta questão - se foi a história que copiou Burroughs ou ele que profetizou a história - muitas equipas de investigadores seriam necessárias. Entretanto, nas escassa notas de referência que têm aparecido em português sobre o «maior escritor do século XX» -- assim se inclinava a considerá-lo o nosso João Palma-Ferreira -- é possível respigar novos items que dão novas pistas para percorrer, sem demora e exaustivamente, o que bem pode vir a ser considerado o sucessor de James Joyce no «guiness» dos escritores mais citados e cotados.
A «contaminação orgânica» seria o tema dominante nos volumes desta trilogia, a que pertence também o volume já publicado pela Presença, «As Terras do Poente», onde um exército de centopeias gigantes, proliferando com uma força e velocidade colossais, teriam comido tudo o que era ser humano... Ele retira dessa hipótese, como se calcula, surpreendentes ilacções romanescas. Tudo isto a partir de um topónimo que, existindo no território dos Estados Unidos, existia também no Egipto dos faraós e dos escribas.
Com a sua arte descritiva semelhante à lâmina afiada de um bisturi, William Burrouhgs não nos poupa a cenas-limite de verdadeiro horror, com as centopeias devorando seres humanos e a sairem, com suas cabeças agitadas e frenéticas, do corpo das vítimas...Qualquer produtor de filmes de horror estará, com certeza, atento, para aproveitar cenas tão garantidamente repugnantes. Tão gratificantes, como diria o Ministro da Alimentação.
Constante, nos quadros abjeccionistas de William Burroughs, é a exibição dos órgãos sexuais, expostos também à voracidade das bichas selváticas e a uma constante entropia que sugere a essência da malignidade, dos escombros e da morte. A ruína desta civilização. O fim da «grande farra».
Sob a aparência de um relato coloquial, Williams Burroughs descreve, em constante obsessão, a decadência, o apodrecimento, a decomposição «orgânica». Com tintas nada suaves, diga-se, antes com uma expressa a propositada violência visual. O que não pode deixar de fascinar, tarde ou cedo, um produtor de cinema.

CADA UM SEU PALADAR

O escritor de «As Terras do Poente» é perito em procurar exactamente aquilo que repugna ao paladar, à vista, enfim, aos cinco sentidos que ainda conseguem reagir, no amolecimento e embotamento generalizado que caracteriza a sociedade de consumo (ou do vómito? perguntará Burroughs), já bem longe das metas hedonistas que sonhou, dos prazeres que julgou gozar, das metas que freneticamente se propôs atingir.
Nesse aspecto se diria que Burroughs baniu qualquer idealização romântica e que exagera ao seleccionar apenas o que é ostensivamente repugnante (aos cinco sentidos) e traumatizante à sensibilidade. Uma coisa parece certa: com esse inventário de horrores, o autor pretende traduzir a «grande farra» que é a sociedade de consumo moderna, grande farra que será a forma pela qual esta civilização irá perecer, e dar a alma ao criador, ungida de todos os sacramentos, tal como a egípcia pereceu, apesar de ser herdeira directa e dilecta dos deuses... Que fará esta, filogeneticamente herdeira do Macaco.
Pela boca morre o peixe... e o Planeta do «fast-food» também.

PERGUNTAS INDISCRETAS

Que tipo de genealogia, por exemplo, liga este cabecilha da geração «beat» a Conrad, Genet, Dante, Carlyle e Swift?
Até que ponto a «técnica da montagem» é fácil e pode repetir-se como receita, e até que ponto só por ela seriam possíveis obras como o «Ulisses» de Joyce?
Que tem a ver Burroughs com a sacralização e a santidade da Abjecção, tão nítida, por exemplo, em Genet?
Será Sade um dos seus antecessores, ou nunca o conheceu de parte nenhuma?
Na geração «beat», teria sido ele a fazer da viagem o símbolo iniciático por excelência, ou esse papel deve, com maior justiça, atribuir-se a Jack Kerouack?
Terá razão Norman Mailer quando proclama o autor de «Naked Lunch» «o único romancista americano vivo provavelmente possuído pelo génio?»
Mais: seria ele e não Artaud a levar até às últimas consequências a literatura como experiência-limite, o abjeccionismo contido nas premissas do surrealismo europeu?
Quem se aventurar por este pântano ardente, por este pesadelo sem despertar, por este «resfolgar do universo, sem sono nem tréguas nem pausa» que é a obra de Burroughs, deverá apenas tomar algumas precauções prévias, demarcando o terreno, por exemplo, com datas de referência, para não se perder totalmente e poder regressar à «vida normal», à «civilização», à histérica sociedade do consumo.
Note-se que, quando outro «beat», Allen Ginsberg, publicava «Howl» (1956) e Jack Kerouack «On de Road» (1957), já Burrouhgs estava metido até ao pescoço nos alucinogénicos e instituído guru, eminência parda, mito entre os mitos da «beat generation», ainda que o seu «Naked Lunch» só surgisse em Paris em 1959.
Como diz um crítico, as novelas de Henry Miler parecem suaves e humanas se comparadas à inaudita violência (visual e nem só) de Burroughs. Que pena Bataille não poder incluí-lo em «A Literatura e o Mal», o livro que ainda preferimos como o manifesto possível da famigerada quão impossível modernidade.
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(*) «As Terras do Poente», William Burroughs, Ed. Presença
«Cidades da Noite Vermelha», William Burroughs, Ed. Difel
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LEITURAS 92

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10-2-1992

ACTUALIDADE EDITORIAL

«Ladrões Prazer», Poesia Arabigo-Andaluza, prefácio e tradução de Fernando Couto, Ed. Estampa, 116 páginas, 800$00, Col «Clássicos de Bolso» -- Organizada em três partes geográficas -- ocidente, centro e oriente do Andaluz -- esta antologia, organizada por Fernando Couto, que segue a edição espanhola de Emílio Garcia Gómez, propõe o reencontro com a sensualidade da poesia árabe peninsular, cuja força metafórica não deixa de nos surpreender.
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«Vícios Ancestrais», Tom Sharpe, Ed. Teorema, Col. «Estórias» -- O melhor da grande sátira inglesa (tradição que tem, nas suas fileiras, nomes como G.Bernard Shaw ou Aldous Huxley) reaparece em força neste Tom Sharpe, que a Editora Teorema revelou ao público português e de que acaba de publicar mais um romance de largo fôlego, «Vícios Ancestrais». Como se explica na capa, «Lord Petrefact, último abencerragem de uma dinastia de capitalistas corruptos, decide encomendar a um conceituado académico de esquerda, Professor Yapp, a história da sua família». É este o ponto de partida do romance «Vícios Ancestrais», que confirma as brilhantes qualidades de prosador e ficcionista de Tom Sharpe, já conhecido do público português por três outras obras, «Wilt», «A Alternativa Wilt» e «A Epopeia de Mr. Skullion», publicadas igualmente na colecção «Estórias» da Editora Teorema.
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«O Último Mundo», Christoph Ransmayer, Ed. Difel, Col. Literatura Estrangeira, 241 pgs, 1.780$00 -- A propósito de Christoph Ransmayer, escritor austríaco de que a Difel acaba de publicar «O Último Mundo», evoca-se a grande tradição alemã da literatura fantástica, de Novalis e Goethe a Mann, Broch e Ernest Junger. Como em Nietzsche, também a solidão na montanha define para este escritor o lugar incomum que o escritor deverá utilizar para fugir à vulgaridade e encetar uma iniciação ao sobre-humano. São apontamentos sobre o fim do Mundo que tornam ao mesmo tempo mais irrisório e mais real o quotidiano, porta de acesso ao mundo menos banal do sonho e da imaginação.
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«O Sistema Operativo MS-DOS - 4-0», Michel Laurent, Ed. Presença, Colecção «Sistemas», 236 pgs -- Os melhoramentos recentemente introduzidos no MS-DOS, trazem, segundo os entendidos, maior funcionalidade e rapidez deste sistema operativo. A versão 4-0 do MS-DOS, que este livro expõe e analisa, pretende responder ao desejo de maior simplicidade. O interface DOS-Sheel, bem como um procedimento de instalação mais fácil, aperfeiçoamento dos comandos e uma capacidade de endereçamento superior a 32 megabites, são as novidades apresentadas ne versão mais avançada e portanto neste livro que a acompanha, passo a passo, tecla a tecla.
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«O Desafio ao Sul, Relatório da Comissão Sul, Ed. Afrontamento, 318 pgs -- Desenvolvimento continua a ser a palavra de ordem que a Comissão Sul, criada em 1987 e presidida por Julius Nyerere, insiste em preconizar para fazer sair da Fome o vasto Terceiro Mundo. Neste livro se apresenta o relatório elaborado pela Comissão, no sentido de vencer a pobreza e melhorar a vida de três quartos da humanidade que «vivem» nos países em vias de desenvolvimento. Trata-se de um grupo independente, altamente qualificado, de cidadãos com competência, experiência e convicções políticas muito diversas, embora todos originários do proprio Sul.
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«Viagens e Aventuras Extraordinárias de Frei Ângelo», Guy Hocquenghem, Ed. Bertrand -- Dias antes de falecer com o rótulo de SIDA, em 28 de Agosto de 1988, Guy Hocquenghem publicou «Viagens e Aventuras Extraordinárias de Frei Ângelo», uma ficção histórica (ou a história ficcionada) situada no Renascimento italiano. Frei Ângelo é o andarilho sempre à procura de outra vida, em permanente viagem pelas regiões do divino, através de experiências no mundo real e concreto: a guerra que destruiu a Itália da Renascença, as atrocidades do saque de Roma, as lutas teológicas, as manobras do poder temporal, é o cenário por onde Frei Ângelo faz a sua ascenção mística, intocável no desejo de perfeição. Junto aos índios da América, que procura evangelizar, encontra Frei Ângelo a pátria na Terra, antecâmara da que lhe era prometida do Céu. De Guy Hocquenghem, falecido em Paris aos 42 anos, existe também traduzido em português o romance «Ève» (ed. Livro Aberto).
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«Areia Pesada», Anatoli Ribakov, ed., Difusão Cultural, 344 pgs, 2.600$ --Nunca ficará completamente contada a história de «sofrimento e heroísmo» dos judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. «Areia Pesada», de Anatoli Ribakov (autor ucraniano nascido em 1911, que nunca se resignou a ser soviético) volta ao tema, centrando a acção na história de uma família de judeus russos, ao longo de três décadas (1909-1942). Carregado de personagens e acontecimentos, este romance tem a marca do autor que o público português conhece de duas outras obras já traduzidas: «Os Filhos da Rua Arbat» -- o livro que lançou mundialmene este escritor «revelado» pela Perestroika e hoje membro do Pen Clube Internacional -- e a sequência que se chama «O Medo-Trinta e Cinco e os Anos Seguintes». «Areia Pesada», agora editado pela Difusão Cultural, que também lançou os anteriores, relata o sofrimento e heroísmo dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, uma história que, apesar de tantos romances e (principalmente) filmes, continua, pelos vistos, a ser mal vista e conhecida.
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Wednesday, February 08, 2006

J. RUFFIÉ 92

602 caracteres - ruffie> emcurso> livros> - notas de leitura - releituras

MITOS EVOLUCIONISTAS EM DECADÊNCIA

[9/2/1992] - Em «Sociobiologia ou Biosociologia»(*) , Jacques Ruffié analisa as raízes recentes da grande burla que é a sociedade industrial, a que por vezes se chama abusivamente civilização e progresso.
Os mitos do crescimento e seus antecedentes têm em Jacques Ruffié um apurado analista, que não esquece Darwin e seus seguidores como a justificação macroideológica para as guerras da competição e da competência (os mitos e metas do sucesso) em que os homens se esfacelam até à neurose e à morte.
Um livro-chave na desmontagem deste tempo-e-mundo e a que dedicaremos talvez, um dia, prosa mais demorada».
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(*) «Tratado do Ser Vivo – Volume IV – Sociobiologia ou Biosociologia» – Jacques Ruffié – Ed. Fragmentos
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G. ASNAR 92

92-02-29-ie-ls> = ideia ecológica = leituras selectas - aznar> [ 1260 caracteres - - Ver ]

9-2-1992

MARGEM ESQUERDA - A REVOLUÇÃO COPERNICIANA NO MUNDO DO TRABALHO

Referência tutelar sobre a questão do desemprego criador é o livro «Travailler deux heures par Jour», escrito por um colectivo de militantes sindicais, mas também as obras de Guy Aznar, especialista em prospectiva social e que tem efectuado vários trabalhos sobre tempo livre e tempo de trabalho.
Duas obras suas são marcos na revolução coperniciana que importa realizar no mundo do trabalho: «Tous à mi-Temps, ou le scénario bleu» (Seuil, Paris, 1981) e «Non aux loisirs Non à la retraite» (Ed Galilé, Paris, 1978).
«Porque não imaginar uma outra repartição de tarefas - pergunta ele - no interior da famílias e da sociedade? Se pensarmos que o relançamento económico não chega para resolver o problema do desemprego, que os trabalhos fatigantes ou aviltantes não serão suprimidos a toque de varinha mágica, é preciso ir mais longe.»
O cenário apresentado neste livro aparece como uma proposta de inovação qualitativa, como uma «revolução coperniciana» da concepção do trabalho e do modo de vida, «integrando o potencial do progresso tecnológico e as suas experiências do passado.» Ele faz-nos pensar na urgência de imaginar alternativas de vida a esta marcha de morte e de guerra chamada civilização.
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BEAT GENERATION 92

92-02-09-ls> = leituras selectas do ac - beat> 1119 caracteres

9-2-1992

LEITURAS DE VERÃO - ESTÃO BEM E RECOMENDAM-SE - SOBREVIVENTES DA «BEAT GENERATION»

Quando os «yuppies» pensavam ter vencido definitivamente os «hippies», quando os profetas dos vários neoacademismos dos anos 80 já tinham dado por morta e enterrada a geração «beat» que, nos Estados Unidos da América, mandou o estilo às urtigas, vergastou o sistema como pôde e quase se converteu ao budismo Zen, tal o asco que votava à ciência do capitalismo e ao capitalismo da ciência, eis que dois nomes cimeiros da dita geração «beat», Burroughs e Kerouac(*), renascem das cinzas.
Com edição recente em português, o primeiro, e artigo laudatório, em semanário de letras, o segundo (de quem a editora Ulisseia, há muito tempo, publicara o inesquecível «On the Road», com o título português «Pela Estrada Fora», ainda hoje paradigma de uma mitologia geracional), tudo indica que a geração «beat» continua de boa saúde e recomenda-se.
Quer dizer então que temos mais um morto-vivo, uma geração arrumada na prateleira mas ainda capaz de virar o «establishment» do avesso? Assim seja, se assim for.
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(*)«As Terras do Poente», William S. Burroughs, Editorial Presença
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LOUIS PAUWELS 92

3328 bytes - pauwels- emcurso-livros- diário de um leitor de livros

A AURORA DO NOVO PARADIGMA
O DIREITO HUMANO À IMAGINAÇÃO CRIADORA

Lisboa, 9/2/1992 - O realismo fantástico -- marcado em 1960 pelo aparecimento do livro «Le Matin des Magiciens» -- foi asperamente criticado na altura, quer pelos surrealistas, quer pelos mentores da «União Racionalista», poderoso «lobby» da tecnocracia mental.
A mais de 30 anos de distância, poderemos concluir que o movimento de Louis Pauwels e Jacques Bergier (este, entretanto, já falecido) era necessário ou que nada adiantou, sob o ponto de vista que (aqui nos) importa: a revivescência dos direitos da imaginação como virtude cardial do pensamento humano?
Outras questões deixadas pelo «realismo fantástico» parece continuarem ainda hoje vigentes. Por exemplo: estará suficientemente claro, mesmo aos mais lúcidos, que o surrealismo não foi um «irracionalismo» mas um super-racionalismo, englobante e não excludente da razão?
Esta distinção é importante. Tanto mais importante quanto se insiste, ainda, em meios ditos responsáveis da inteligência, que o advento da vaga nazi se deve a uma explosão de irracionalidade desencadeada. Gabriel Marcel, em «Les Hommes contre l'humain», não era dessa opinião e considerava os crematórios nazis o auge da excelência tecnocrática: pensando em Ceausescu e sua sociedade de «comunismo científico», Gabriel Marcel parece não dever estar só na sua tese.
Mas o mesmo equívoco não estará a verificar-se quando a pesquisa vai até aos alquimistas e a todos os surtos da literatura e da arte fantásticas, a todo o imaginário?
Não estará a confundir-se o que pode haver de racionalidade aberta em certas manifestações artísticas, com um conceito de irracionalidade demasiado estreito e apressado?
O surrealismo foi, no intervalo das duas grandes guerras, uma das primeiras tentativas para reabilitar correntes de pensamento e da arte aparentemente mortas e sem virtualidades. A sua pesquisa tanto se exerceu no tempo -- passado e futuro -- como no espaço -- culturas não ocidentais.
Que virtualidades têm ainda hoje essas pesquisas e as que as correntes posteriores (o «realismo fantástico», já citado) lhe acrescentaram?
No meio da confusão gerada pelas escolas estéticas que teorizam poesia e arte, que parece possível fazer -- ao alcance de quem escreve -- para delimitar e definir de novo a imaginação e seu primado, soberania, autonomia e alcance? - A.C.
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F. PORTUGUESA 92

92-02-09-ls> = leituras selectas do ac - filosof> [4497 caracteres - secção «margem esquerda»? - ou solta do suplemento «largo»? - ou secção «releituras»? - ou impublicável? ] margem esquerda

[9-2-1992]

IDEIAS DE FUNDO - MOVIMENTOS PELA PÁTRIA

No seio dos que defendem uma via autónoma para a cultura portuguesa, há evidentemente grupos e tendências.
O grupo da «filosofia portuguesa» aponta alguns expoentes: desde o hermetismo filosófico de José Marinho até à actividade crítica e polémica de António Quadros, desde o neo-hegelianismo de Orlando Vitorino ao trabalho historiográfico de Pinharanda Gomes sobre o «pensamento português», desde Álvaro Ribeiro, discípulo de Leonardo e comentador de Pascoes, até Agostinho da Silva, discípulo de Teixeira Rego e comentador de Fernando Pessoa, desde Fernando Pessoa-ele-mesmo até Pessos-e-seus heterónimos e exegetas (um batalhão deles), a variedade dos grupos revela a sua heterogeneidade. E torna urgente uma bibliografia capaz de situar, no campo informativo, as referências indispensáveis à orientação dos iniciados e neófitos.
Dessa nebulosa filosófica emergem algumas figuras para o poder político. Braz Teixeira, por exemplo, ascendeu efemeramente a Secretário de Estado da Cultura. A heterodoxia parece ainda fazer engulhos, mesmo quando se diz que está no poder a direita. Mas qual? Na vigência de Braz Teixeira, a Secretaria de Estado da Cultura começou a publicar uma revista cujo primeiro número é revelador. Dirigida por Afonso Botelho e Lima de Freitas, nomes de prestígio e garantia de independência, a revista «Cultura Portuguesa» sumariou temas tão eloquentes como «Santo António (na efeméride do 750º aniversário da sua morte)», «a obra de José Marinho», «Afonso Lopes Vieira moralista», «Vicente Lusitano», «do «Orpheu ao Quinto Império» (por Lima de Freitas), «Açores - o Lugar do Espírito» (Natália Correia).
Figuras afastadas do grupo de Lisboa poderiam entender-se igualmente com afinidades nas questões de fundo.
Dalila Pereira da Costa, escritora do Porto, tem colaborado em publicações dirigidas por António Quadros (indiscutivelmente o grande animador cultural do movimento), enquanto os títulos de alguns dos seus livros patenteiam, preocupações próximas: «A Nova Atlântida» e « O Esoterismo de Fernando Pessoa» por exemplo.
Mas já a «Renascença Portuguesa», no Porto, onde pontifica José Augusto Seabra, formado na escola parisiense de Roland Barthes, a que ficou estreitamente vinculado, se demarcou explicitamente dos autores «lusíadas» quando Seabra se intrometeu numa áspera polémica com António Quadros.
Outra obra considerada indispensável no roteiro da pesquisa original (relativa às origens...) é a de um investigador brasileiro quando leccionava numa Universidade de Nova Orleães. «A Lenda do Graal no contexto heterodoxo do pensamento português», de Almir de Campos Bruneti, foi editado pela Sociedade de Expansão Cultural que o escritor Domingos Monteiro, já falecido, fundou e dirigiu. Acaso? Não tanto, se lembrarmos uma obra já esquecida de Domingos Monteiro -- que se notabilizou posteriormente como novelista -- obra essa significativamente intitulada «Paisagem Social Portuguesa».
No campo das usurpações fascizantes que a «filosofia portuguesa» tem pretextado, lembra Manuel Joaquim Gandra um caso lamentável, o de um editor francês que as «amplas liberdades» permitiram entrar em Portugal, para aqui lançar algumas obras de «confusão» na opinião pública. «A Arte de Ser Português» de Teixeira Pascoaes iria, assim, aparecer entre títulos de Doiminique Le Roux («O Outro Império») ou de André Coyné («Sobre Portugal nestes tempos do Fim»). Mas quem não se aproveitou, nessa altura, para vender o seu respectivo peixe?
Os equívocos deste último livro de Coyné, entretanto, são extremamente reveladores da confusão que se pretende instalar à sombra de puros ideais. Traduzido por Lima de Freitas, os nomes nele incensados -- António Telmo, José Marinho, Natália Correia, Lima de Freitas, Mário Cesariny -- assumem o carácter de uma provocação, na medida em que esses autores são atirados num panelão comum e disparados como arma nas diatribes do autor Coyné contra os então por ele odiados governantes anteriores ao 25 de Novembro.
[A manobra, embora peçonhenta, não deixa de ser significativa do estado de coisas reinante na altura. É que nunca os portugueses deixaram de estar sujeitos a estes sujeitos que vêm de fora pregar-lhes a missa, a estes intrusos e sua provocações, ora de direita ora de (alegada) esquerda. Ainda que as provocações e outros «métodos» fascistas sejam sempre, obviamente, de direita.
Aqui, aliás, reside a questão-chave deste país. O como, o onde e o porquê da libertação deste povo.]
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OSHAWA 95

restos-9> - ac - chave para publicados ac desde anos 50/60... - temática ecologia humana 1978 restos desdatados de um diário de um estudioso de alquimia alimentar

A DOCE ILUSÃO

9/2/1995 - Para Oshawa e seus discípulos-papagaios, Macrobiótica era a arte de prolongar a vida até aos 180 anos... Uma longevidade dada de presente a quem «gramasse» com paciência, resignação e fé, arroz o resto da vida. Como todos pensam que a longevidade é uma coisa «boa» e aspiram a esse ideal como aspiram a tantos outros (acostumados que foram, na cultura ocidental, a inconformar-se com a realidade), foi fulminante o êxito da Macrobiótica enquanto arte de prolongar a vida até às celendas. Mas alguém ganhou coragem e veio desmistificar esta doce ilusão: trata-se de interpretar o prefixo «macro» a uma luz menos fagueira e bem menos egotista. «Macro» significaria então uma visão macroscópica da vida... E mais nada. Nem vida longa, nem larga prosperidade material. Para os comedores habituais de arroz vai ser difícil roer esta pedras. Atingir a «felicidade no casamento» e «triunfar nos negócios» através da macrobiótica, eram coisas que as pessoas percebiam e achavam que valia a pena. Agora, ao abrir o diafragma da (nossa) ignorância (arrogância) sabichona para saber que somos uma palha perdida na infinita imensidão do infinito universo, não me parece, salvo seja, que a nova definição de Macrobiótica vá ter o êxito que teve a antiga utopia macrobiótica. Rejuvenescer em dez dias á algo que todos ainda percebem na sociedade de consumo e competição que abre clínicas do corpo para dar saúde, força e beleza a toda a gente que lá for e pagar. Compreender que o homem é uma célula do Corpo Universal e que o Yin-Yang é a respiração desse corpo, eis uma ginástica que não vai certamente interessar nem um por cento dos macrobióticos em vigor. Uma apostinha?
Pela desordem se percepciona a ordem do universo.
Com vários restaurantes a funcionar na área de Lisboa e Porto, o movimento macrobiótico vai de vento em popa e a bicha para o almoço aumenta de dia para dia. Por um lado a falência da medicina violenta e mercenária, por outro lado a carestia dos produtos alimentares na base de carne e peixe, vai insensivelmente atirando as pessoas para o solução yin-yang do arroz. Há quem veja nisto um acidente. Mas há quem veja nisto um sintoma revelador do plano geral que se cumpre como o previsto nas profundezas. A Macrobiótica não é assim mais um regime dietético (apenas), com miríficos frasquinhos, receituários e culinárias - tudo sob a benção de românticos mitos naturais e biológicos - mas uma alternativa à sociedade de consumo e ao consumo da sociedade. Vista deste lado, ela pode não criar muitos adeptos, pois é um facto que a maioria se está nas tintas para soluções de salvação colectiva e cada um procura, acintosamente, o próprio «salve-se quem puder»: mas cria, com certeza, adeptos mais conscientes. Irá sendo tempo de à ruminação do arroz se substituir um certo sentido do yoga alimentar ou consciencialização da energia que implica o acto de comer. Irá sendo tempo de (se) perceber que não existimos para comer mas comemos para existir (compreender a ordem do universo). Irá sendo tempo de recusar todos os beatismos, sejam eles naturistas, anti-tabágicos ou amigos da natureza, pois nada tem a ver com isso a concepção energética do universo, o corpo como átomo da energia universal. Se é só a desordem que, por enquanto, nos choca e rodeia, se é o Dualismo que reina como tirania de sistemas que daí usufruem o seu esplêndido negócio, a Macrobiótica ensina a quem quiser aprender, que essa desordem nos anuncia (como dogma ou lei fundamental da Energia) a ordem do Universo que tantas superstições científicas e ciências supersticiosas nos habituaram a pôr em causa. Livrar-nos (em parte) do fascismo médico, não é afinal o único mérito da Macrobiótica. Comer arroz não é só panaceia terapêutica, não serve só para curar doenças e evitá-las, permitindo que o cidadão se integre de novo e em forma na engrenagem trituradora e vergonhosa do canibalismo consumidor. «Comer arroz» não é apenas uma forma de readaptar o inconformismo à Engrenagem mas uma técnica para nos libertar, para nos desalienar, e uma escada Magirus para nos tirar (ajudar a tirar) do Poço, do Caos, da Desordem.
[Ver in «DA, 30/12/1978 ]
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LAFARGUE, NIZAN E FRANZ FANON em 1992

92-02-09-ls> = leituras selectas - maspero> [ 4020 caracteres - solta do jornal? - secção margem esquerda? releituras [ou] margem esquerda

A PRODIGIOSA DÉCADA DE 60

[9-2-1992]

A reedição de Lafargue ou Nizan poderá significar, antes, que nos estamos de novo agarrando àquelas bóias seguras que nos permitam não ir totalmente ao fundo da presente e peripatética abjecção. Do presente caos. Da presente e omnipresente confusão.
Quer «O Direito à Preguiça», de Paul Lafargue, quer o «Aden-Arabie» de Paul Nizan, talvez nos ajudem e não cair de todo e sem remédio no fosso dos sucessos contemporâneos em matéria de negócio ideológico e editorial.
Paul Lafargue e Paul Nizan de novo nos escaparates das novidades editoriais, ajudam-nos a sonhar . Mesmo sem licença dos novos donos da História, que se lambem de petróleo e ainda choram pelo nuclear, há quem acredite na Revolução, pelo menos enquanto não inventarem nenhuma ideia melhor do que as democracias parlamentares.

Eram, com efeito, os anos sessenta da era cristã. Os editores portugueses da altura esforçavam-se por andar à la page com a esquerda mais radicalizante da Europa, que o mesmo é dizer --falando de «intelligentzia» -- com os ditames de Paris.
Mais concretamente, o editor François Maspero dava o mote. Mais concretamente a sua «Petite Collection Maspero», com obras do tipo «coup de poing», tipo manifesto, tipo «evangelho programático» para os novos tempos. E se é certo que nenhum se atreveu, a traduzir em português «Les Chiens de Garde», do dito Paul Nizan, a verdade é que o «Aden Arabie», em tradução de Orlando Neves, agora relançado pela Estampa, cumpria a obrigação de revelar aqui um autor essencial ao processo então em curso.
É claro que a Esquerda militante e activista não dispensava padrinhos: e os editores só se aventuravam a revelar autores pouco ortodoxos e além disso terceiro-mundistas, com o beneplácito de um professor universitário, adornado de todo o prestígio, que pontificasse em Vincennes e atestasse que, por exemplo, Nizan ou, ainda pior, o Franz Fanon de «Os Condenados da Terra» não era totalmente analfabeto nem destituído de qualidades. Quer no caso de Nizan, quer no caso de Fanon, lá vinha, portanto, um prefácio do escritor Jean Paul Sartre, dando a necessária e devida benção ao franco-atiradorismo daqueles dois anticolonialistas e anti-imperialistas .
O curioso desta década prodigiosa é precisamente que a instituição universitária não só abonava os livros do livre-pensamento, como lhe dava chances de influenciar as novas gerações estudantis, que acabavam assim, muito higienicamente, muito profilacticamente, por contestar os mestres.
Em Maio de 1968, esses jovens estudantes proclamavam: «Nós Somos o Terceiro Mundo». Isto, quando não levavam as coisas ainda mais longe e gritavam: «Nós Somos o Vietname». Quando os professores de formação marxista que leccionavam em Paris se deram conta do fenómeno, era tarde: já tinham as barricadas à porta e o De Gaulle a pedir ajuda à Polícia para pôr cobro à insurreição da sebenta e da esferográfica -- a revolta estudantil.
Tudo isto tem a ver com as duas obras, altamente evocativas, -- «Aden-Arabie» e « O Direito à Preguiça» -- que voltam à banca das novidades dos últimos meses: há que saber porque voltam, a que vaga de fundo correspondem, se é possível desfraldar outra vez bandeiras que foram desfraldadas há três décadas, enfim, se depois de tantos traumatismos cranianos, as ideias irão influenciar a história e se em vez de negras marés de retrocesso, podemos registar, da facto, alguns progressos nesta nossa frente ocidental.
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LEITURAS 90

bruxas > notas de leitura - [ 4057 caracteres - solta ou secção «margem esquerda»? - ou secção «alfinetadas»? - ou secção «páginas polémicas»?]- diário de um leitor (des)atento

A ARTE DE VIVER SEM CHATIAR O PARCEIRO - A SUBVERSÃO JÁ SE VENDE BEM?

(22/Outubro/1990)

É SÓ BRUXARIAS - Se a descolonização do doente e as «tecnologias apropriadas de saúde» são uma invenção de bruxos ao ar livre, então os portugueses devem ter-se convertido à bruxaria, mesmo dentro de casa, tal a quantidade de livros que se vão publicando para elucidar as massas dos benefícios que têm a colher das várias artes, ciências e actividades - fitoterapia, yoga, vitaminas, oligoelementos, acupunctura, ginástica aeróbica, taichi, shiatsu, homeopatia, grafologia, profilaxia alimentar, macrobiótica, etc. - artes e malazartes que de certeza emanam do demónio e devem estar feitas com o primo mais novo de Belzebú (o chifrudo).
Deve andar, de facto, tudo louco, dada a frequência com que se publicam livros de bruxos e de bruxarias, como é o caso dos que são dedicados à medicina natural...e às terapêuticas «leves», também chamadas «tecnologias apropriadas de saúde».
Acho que a Ordem, sempre vigilante, já devia ter posto um guarda da GNR no encalce de cada leitor, ou mesmo de cada livreiro, e quiçá de cada editor, para evitar abusos contra a autoridade científica que incarna. Nada de abusos e o respeitinho, já todos deviam saber, é uma coisa muito bonita. Toda a gente a praticar o «acto médico» de se curar, toda a gente a fazer profilaxia natural, toda a gente a aprender higiene alimentar e nem só, a coisa começa a ficar feia. Mesmo preta, muito preta.
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O CONFORTO NO LAR - BIBLIOGRAFIA DO NOSSO (DES)CONTENTAMENTO - O corpo está, não há dúvida, no centro das atenções editoriais. Diria mesmo, no umbigo. O «comportamento» humano preocupa hoje não só revistas femininas de corte moderno e papel couché, mas as grandes casas produtoras de livros. A dialéctica saúde/doença é não só matéria de profundos e exaustivos estudos históricos, como o que Jorge Crespo escreveu intitulado exactamente «História do Corpo», mas também de artigos mais ou menos sensacionalistas e manipulatórios na grande imprensa. Os truques para obter beleza através de regimes alimentares racionais preocupa não só o profissional de relações públicas - que vive da sua apresentação física - como os políticos que têm de aparecer dia sim/dia não na televisão e são obrigados, por isso, a manter um visual sem defeitos. Um «look» «very good».
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ALIENAÇÃO CONTEMPORÂNEA - As raízes e origem da alienação contemporânea - o Estado que parasita o indivíduo - começam a aparecer nítidas em ensaios das mais variadas procedências dedicados à fadiga, ao esgotamento, ao stress, ao trabalho, aos «tempos livres», que são os vários, variados e desvairados eufemismos que o sistema usa para culpar as pessoas das doenças que ele, sistema, produz em cornucópia de abundâncias.
É assim que, no curto espaço de alguns meses, os portugueses têm à disposição uma bibliografia não muito extensiva mas inegavelmente intensiva sobre o que de fundamental interessa às «energias humanas» para se imporem como protagonistas no cenário da crise de combustíveis que se desenha, fatal como o destino, de oito em oito anos, nas sociedades toxicodependentes do petróleo.
Tudo é possível, a partir do momento em que à doença se chama saúde e em que se identifica como «acto médico» o simples acto de viver, respirar, comer, dormir, brincar, trabalhar, etc. As pessoas tomam em mão o seu próprio destino e esta «civilização» desaba como um castelo de cartas. Por isso, alguém disse, com prudência de Eurocrata espertalhão, que «tecnologia apropriada» era a expressão mais subversiva que hoje se podia pronunciar no âmbito do Mercado Único.
Uma vez a loucura institucionalizada como saúde mental, tudo pode acontecer. E os leitores portugueses, tementes a Deus e à Pátria, parece não terem receado as botas pesadas da «clique», arrostando com a enorme responsabilidade de pôr (um bocado de) cobro à esquizofrenia galopante de uma clique minoritária, armada em esperta.
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GRANDES EDITORAS TAMBÉM ENTRAM NA SUBVERSÃO - Que pequenas editoras, com pouco ou nada a perder, joguem na subversão institucional, publicando livros da área interdita e «underground», faz parte de uma estratégia apesar de tudo ainda sobrevivente dos anos 60, na qual o sistema julgou ver uma boa fonte de receita. Surrealismo, vanguarda, arte «pop», literatura de contestação vendiam-se e vendem-se bem. Mas as grandes editoras não têm, não tinham necessidade de recorrer a esses truques para sobreviver. Há best sellers que cheguem para alimentar a chama. No entanto, sentem-se também chamadas à missão de mostrar ao povo algumas «tecnologias apropriadas de saúde» que, tarde ou cedo, hão-de concorrer para o libertar de «lobbies», monopólios, dependências, opressões, ditaduras, etc.
Panorama agridoce dos mais agradáveis é, portanto, este em que respeitáveis instituições editam obras que podem muito bem estar a minar, desde a base de sustentação, os sistemas que vivem de ir matando os ecossistemas. Viva então a poluição e abaixo a Ecologia.
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Monday, February 06, 2006

G. BATAILLE 92

92-02-08-ls-mm> = leituras selectas – máximas e mínimas - [356 caracteres - solta do jornal ou secção «para reflectir» do suplemento]

8-2-1992

A LITERATURA E O MAL NO PENSAMENTO DE GEORGES BATAILLE

Algo há em nós de apaixonado, de generoso e de sagrado, que excede as representações da inteligência: este excesso é que faz de nós seres humanos.
George Bataille
*
A verdade não se entrega a quem não a busca até ao delírio.
George Bataille
*
Veneramos, no excesso erótico, a lei que violamos.
George Bataille
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F. KAFKA 70

3565 caracteres - 15/Novembro/1970 - solta do «largo» ou secção «releituras» - secção «heresias & heresiarcas» ]Releituras

8-2-1992

A LITERATURA AVANÇA PELA HERESIA:O EXEMPLO GENIAL DE KAFKA

A simplicidade das «grandes descobertas» explica, em parte, a inconsciência que o próprio Kafka teve do seu génio. Quem, de facto, poderia acreditar que, aproveitando essa evidência -- a linguagem onírica -- essa realidade tão óbvia e quotidiana -- o sonho --, limitando-se a transcrever os pesadelos nocturnos, estava a fazer uma «revolução literária»?
Só a desatenção, a frivolidade de uma cultura completamente cerrada à complexidade do real, à parte imersa do «iceberg», autosuficiente na sua tacanhez, pode explicar que tão pequenas descobertas sejam tão grandes revoluções. Kafka foi apenas, como Freud, um descobridor de evidências que séculos de dogmatismo racionalista, de sistemas metafísicos, de beatismos religiosos, tinham raivosamente ocultado ou menosprezado.
Por isso o autor de «O Castelo» tem muito menos a ver com a literatura-instituição (instituição ao serviço de outras e consabidas instituições) do que com aquela terra de ninguém onde se mexem os descontentes da civilização. A explicação da sua obra em termos estritamente literários, deixa tudo por explicar e os que o querem catalogar, não raro saem danadíssimos de impotência e raiva por não concretizarem a empresa. Com Kafka pisamos o terreno seguro de uma recusa, fundamental à vanguarda do nosso tempo, radicalmente antiliteratura: a recusa à intriga e ao evento, no sentido diuturno em que todo o romanesco de consumo os usa.
Escrever deixa de ser, com Kafka e a partir de Kafka, descrever os múltiplos eventos a que uma visão diurna (analítica) da realidade reduz essa realidade. Com Kafka, entramos no mundo nocturno ou sintético do símbolo, do essencial, do mito. Em vez de «a senhora condessa saiu de casa às onze», Kafka conta-nos os seus pesadelos, que nem saíram de casa e muito menos às onze. Às aparências convencionadas de uma realidade diurna atomizada e desfeita e mesquinha, prefere a continuidade do seu rio interior. Em vez da análise, a síntese. Em vez do secundário, essencial, o que verdadeiramente importa.
A propósito de Kafka, refira-se como a vanguarda do «nouveau roman», reaccionário de origem, regressou em força ao analítico, ao diurno, à multiplicação das formas particulares, ao avulso, ao acessório, ao enumerativo, ao descritivo, ao evento e ao eventicismo, ignorando a via revolucionária encetada por Kafka, e fazendo retornar a literatura à «cochonnerie» que sempre foi.
Refira-se como da inflação analítica resulta a torrente diarreica de romances que o mercado da cultura ocidental comporta. Forma de obstrução, aliás, extremamente eficaz, até para efeitos de esterilização política, pois enquanto se lê uma «novela» de 500 páginas, não se lê «O Capital» e muito menos «Os Manuscritos da Juventude», as páginas mais subversivas de Karl Marx. Convém que o romance seja estimulado com prémios à produção.
O «nouveau roman» não só vai ao mercado, não só descreve todo o tipo de hortaliças que encontra no mercado, como acrescenta ainda o dobro das páginas a contar as diferentes «perspectivas» sob que os repolhos podem ser encarados. O perigo que corre o leitor é darem-lhe um romance de 400 páginas a contar os tipos de repolho que podem ser encontrados no mercado abastecedor. A descrição tipo inventário (que, segundo parece, já chegou ao cinema, em longas metragens que chegam a demorar dias a projectar) vem desatar uma torneira que parecia fechada desde Kafka.
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A. LOVINS 92

92-02-08-ls-ie> = ideia ecológica - lovins> [1681 caracteres - solta do jornal ou secção «margem esquerda» ]

8-2-1992

MARGEM ESQUERDA - O MITO (BURGUÊS) DO CRESCIMETO ECONÓMICO

Amory B. Lovins aconselha o capitalismo americano a utilizar as energias renováveis (infinitas) para evitar o seu próprio colapso. Muito citado e publicado por ecologistas, Amory Lovins é afinal um homem do sistema que percebeu, a tempo, que o «crescimento infinito» é finito e que a «expansão contínua» sofre discontinuidades (crises) cada vez com maior tendência para ser «resolvidas» pela guerra. O «infinito» crescimento dentro de um sistema finito (o ecossistema Terra) tenderia a fazer desembocar no abismo a sociedade industrial e seus triunfalismos. Os estragos ecológicos, no meio disto, seriam o menos: no fundo, é a própria estabilidade do negócio que está em risco, é a própria existência do capitalismo e do imperialismo industrial que se encontra ameaçada.
Uma das maiores figuras da ciência económica mundial, o brasileiro Celso Furtado, tem ensinado em Yale, Harvard, Paris (Sorbonne) e Cambridge as suas teses sobre «O Mito do Desenvolvimento Económico» (1974) e a «profecia do colapso». Pretende-se -- diz ele ao desmontar o mito -- que os standarts de consumo da minoria da humanidade, que actualmente vive nos países industrializados, é acessível às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado Terceiro Mundo.»
E conclui sem dar lugar a dúvidas: «essa ideia constitui, seguramente, um prolongamento do mito do progresso, elemento essencial na ideologia directora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a actual sociedade industrial.»
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(*) «La Alternativa Energética», Amory Lovins, Colecção «Amigos de la Tierra», Ed. Miraguano, Madrid, 1979
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A. JARRY 92

92-02-08-ls- leituras do ac - terça-feira, 11 de Março de 2003
mezei- [2240 caracteres - solta do jornal ou secção «margem esquerda» - solta do suplemento «largo» ou secção «releituras» - solta do suplemento «largo» ou secção «correspondências mágicas»]


8-2-1992

RELEITURAS - CORRESPONDÊNCIAS MÁGICAS 
CAMINHOS DO MARAVILHOSO 
DA PATAFÍSICA AO SURREALISMO

É talvez um lapso bastante reprovável que o livro «Le Matin des Magiciens» nunca cite Alfred Jarry nem tenha salientado a importância da Patafísica (por ele fundada como «ciência da excepção») para o realismo fantástico de que aquele livro é manifesto. Em contrapartida, dedicam os autores -- Louis Pauwels e Jacques Bergier -- bastante espaço e muito justamente, a Charles Fort, outro autor que procurava nos EUA o que Jarry procurava em França: a ciência da excepção ou ciência do particular. Deveria estudar-se este paralelismo entre o autor de «Gestes et Opinions du Docteur Faustroll» e o autor do «Livro dos Danados».
«O movimento assimétrico e espiral(...) anima os mais importantes símbolos de Jarry» -- escrevem Marcel Jean e Arpad Mezei na sua obra «Génèse de la Pensée Moderne». Seja ou não assim, deve registar-se esta observação e relacionar-se com o parentesco descoberto por Ruy Launoir em «Clefs pour la Pataphysique»(Ed. Seghers): «Porque será que o único estudo do Doutor Sandomir especificamente dedicado à «Prospectiva» se intitula «Michel Nostradamus ou L'Avenir est-il un Poème?». Contrariamente ao que um positivismo apressadamente compreendido poderia levar a crer, o método divinatório de Nostradamus não aparece como uma compensação imaginária à impotência que resultaria do desconhecido das leis da natureza e da história» (...)
O método prático de Nostradamus, cuja eficácia tem sido regularmente reconhecida, ironiza indirectamente sobre a precariedade das previsões da ciência moderna, incapaz de reconhecer o imaginário e a aberração, nela e fóra dela, para deles fazer uso conscientemente.
Registem-se duas curiosas coincidências: «Tautologias» é o título de um livro do poeta Raul de Carvalho e a noção de «tautologia» é uma das mais importantes para entender a Patafísica «doutrinada» por Alfred Jarry.
«O Amor em Visita», poema de Herberto Helder, é o título de uma obra de Alfred Jarry, que não está longe de inspirar alguns dos postulados a que a obra de Herberto pode referir-se: a obra e principalmente a sua estranha personalidade de sempre «marginal».
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J. SANTOS 92

92-02-08-ls> leituras do ac - santos> [3035 caracteres - solta do jornal ou para secção «figuras marcantes»]

8-2-1992

FIGURAS MARCANTES - UM EDUCADOR DE GENTE

Súmula de um pensamento e de uma vida devotada à educação infantil, o livro do dr. João Santos que a editora Horizonte publicou(*), na sua colecção de pedagogia, é grande não só pelo número de páginas, distribuídas por dois volumes, mas pelo retrato que faz deste médico, educador e psicanalista.
Ensaios com muito de autobiografia intelectual, estes textos dispersos dão-nos, no entanto, uma imagem límpida e coerente dessa personalidade carismática que foi mestre João Santos. Em certo sentido, e guardadas as devidas diferenças, é um livro tão importante na história do pensamento pedagógico português como o «Diário» de Sebastião da Gama.
Muito mais técnico do que o professor e poeta da Arrábida, o pensamento de João Santos traduz uma filosofia humanista que algumas correntes modernistas pareciam ter afastado momentaneamente destas áreas, como se Claparède ou Pestalozzi ou mesmo Maria Montessori estivessem mortos e ultrapassados.
João Santos, apesar da sua formação científica em instituições de cariz tecnocrático, e dos aliciantes cargos que ocupou em tudo quanto era «establishment», nunca sossobrou nessa tentação: e ao ver o seu invejável curriculum, onde não houve nenhum cargo honroso e nenhuma autoridade académica que lhe não tivesse sido conferida, causa espanto como é que ele pode continuar, tal e qual como uma criança na aurora da vida, a ver o mundo com uma transparência cristalina e a escrever os axiomas essenciais da existência, sem jamais perder o pé da comunicação e do coração como meio de telecomunicação audio-visual.
Quem quiser fazer uma cura de humildade -- seja ou não professor -- é favor ler estas páginas e guardá-las como livro de (todas as) horas. Para lá de tudo o mais que se torna admirável nesta personalidade da nossa ciência pedagógica que foi João Santos, prematuramente falecido em Abril de 1987, teremos que admirar a sua capacidade de resistir à envolvente tecnocracia que contaminou as modernas ciências humanas, permanecendo o eterno «poeta» que viaja entre as pessoas como seu fiel companheiro de viagem.
Depois de António Sérgio e do seu humanismo racionalista, há muito que não nos víamos constrangidos a uma admiração tão incondicional como por estes textos fabulosamente «revolucionários» de João Santos. Eles contrariam tudo o que é hoje dominante, as histerias consumistas, as ilusões pan-europeias, os horizontes de um futuro bloqueado, a falta de sentido das corridas e metas sem sentido, os vómitos recobertos de celofane que são os poderosos «media» que nos devoram o tempo, o feitio e a paciência.
O médico João Santos não é apenas um educador de crianças: é um «mestre de pensamento» para todos nós os que ainda tentam, in extremis, resistir na contra-corrente à corrente hegemónica e dominadora de todas as tecnocracias, à esquerda, à direita e ao centro. Um educador de gente, no sentido literal e mais lato.
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(*) «Ensaios sobre Educação» -- Dois volumes -- João Santos -- Livros Horizonte -- Colecção «Biblioteca do educador»
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H. KHAN 92

92-02-08-ls>= leituras do ac - khan> [8290 caracteres - republicável ?]

HERMAN KHAN:OU DE COMO MORREU A FÉ INFINITA NA TÉCNICA

[8/2/1992: Este texto de 8290 caracteres, que é a reteclagem de publicados AC, talvez não justifique hoje sequer o trabalho de ser lido, quanto mais reteclado e republicado. A menos que, dada a sua carga polémica pela negativa, se encare como um provocador pretexto de algum «brain storm». Valerá a pena voltar a Herman Khan, à sua futurologia falida, à sua fé na técnica? Um interface desta figura com o «dr strangelove» do filme de Kubrick seria uma das poucas justificações para repescar o texto a seguir teclado. De resto, é falar de puros defuntos: a tecnocracia, a futurologia tecnocrática, Herman Khan. Mas o ter Khan passado à história como passou a URSS, não será motivo forte para retomar o tema? De como morrerem afinal os que há dez anos pareciam intocáveis? De como morre a fé infinita de que a técnica tudo resolverá?]

Na sequência dos novelistas de antecipação, os futurologistas dito científicos não são menos deliciosos, humorísticos, fantásticos e prometedores. Uma cornucópia de benesses.
Hermen Khan deu «show», quando esteve em Portugal, na década de 70, sem ninguém na altura saber que ele é conselheiro do Pentágono e o inventor da escalada no Vietname. Foi muito apreciado pelas suas virtudes de bruxa, pelo apuradinho da sua escrita e pelos copiografados que fornecia aos jornalistas em profusão escatológica.
Bom: Khan é escatológico, como se comprova por esta tirada.

[ecos do imediato: 1971]

UM FUTURÓLOGO EM BOLANDAS

Editado no Brasil pela Bloch -- organização que publica, entre outros magazines de grande tiragem, «Manchete» e «Fatos e Fotos» -- o futurologista norte-americano Herman Khan fez, segundo reportagem desses dois magazines, sensação. Também houve, entre nós, referência ao caso em dois vespertinos lisboetas.
Não deixou o famoso e adiposo economista de atender aos interesses do país seu anfitrião, apressando-se a rectificar algumas referências (pouco elogiosas) feitas à sua obra «O Ano 2000» e até afirmou que Angola é mais rica do que o Brasil, olhando talvez o mercado português do livro brasileiro.
À parte este condicionalismo recíproco de visitante e visitado, de convidado e anfitrião, Herman Khan, com o seu altíssimo coeficiente de inteligência, com os seus cento e tal quilos de peso, com a sua famosa barriga e o seu apetite gastronómico devorador, fez quase tanta sensação como os seus livros (ou antes, os livros que, sob a sua direcção, o Instituto Hudson edita).
Diga-se apenas que as previsões dele emanadas, não tendo nada a ver com a astrologia, ao contrário do que ainda algumas boas almas pensam, padecem no entanto de bem piores limitações -- inerentes todas elas a uma visão economicista da história (plutocrática, acusam alguns) e do futuro, acentuando que o chauvinimo norte-americano é quase tão pernicioso como o seu capitalismo. Servindo-se embora um ao outro e um do outro.
Nesta página se há-de falar mais vezes do famoso futurologista e há-de proceder-se à sua desmontagem crítica, mas por hoje não queríamos deixar de fazer eco desta viagem em terras de Santa Cruz, onde o futuro tem encontro aprazado.

VALE QUANTO PESA

Herman Khan, o «senhor futuro», é um homem famoso pelo seu peso em quilos (165, bichanam as más línguas) e pelo seu QI (Quociente de inteligência): 145, assevera o próprio Khan, muito orgulhoso disso e de ter respondido certinho a todos os testes psicométricos a que se tem submetido.
Diz o professor Ibn Zied, perito em astros, que o horóscopo de Khan (nascido a 15 de Fevereiro de 1922, pertence ao aquário) o faz inclinar-se para as ciências ocultas. Acrescenta o vidente Ibn que a lua dá aos homens nascidos sob esse influxo uma posição afortunada para adquirir amigos e muita popularidade: aí está porque Herman tem tantos amigos no Pentágono e a sua popularidade cresce quase tantom todos os meses, como a sua barriga. Diz ainda outro astrólogo que os do signo do Aquário «advogam ideias que estão mil anos à frente do mundo». Isto parece aproximar-se da vocação antecipatriz revelada pelo famoso director do Instituto Hudson.
Mas como não há bela sem senão, nem génio sem invejosos, os inimigos do dr. Strangelove (assim se chamava o romance e filme de Stanley Kubrick que se dizia inspirado na figura do célebre matemático e estratega), classificam-no de perigoso mistificador ou mistagogo. Ele prefere inventar para si próprio um neologismo «generalista», que é como quem diz: intelecto preocupado com a generalidade das generalidades. O moderno filósofo. O espírito prospectivo e propedêutico.
Preocupado com o futuro, ele não deixa contudo de prestar contributo à história imediata: «A Escalada», publicado em 1965, livro que fez furor nos EUA e que já se encontra traduzido no Brasil (Ed. Bloch) e em espanha ( Ed. Dima, Barcelona), profetizava de certo modo a política governamental que, com esse nome, iria set adoptada e posta em prática algum tempo depois.
Esta coincidência assustou os timoratos que o crêem bruxo e possesso por artimanhas do diabo.
«Os Césares consultavam os seus adivinhos -- escreve Eduardo Haro Teglen -- antes de empreender uma operação militar. Hitler consultava os seus astrólogos (Churchill contratou uma série deles para que lhe dissessem o que podiam ter dito a Hitler os seus e assim prever as iniciativas militares do inimigo). O Pentágono consulta Herman Khan.»
A maior parte do trabalho de prospectiva de Herman Khan decorreu na Rand Corporation, em que foi conselheiro de 1947 a 1959 e com a qual continua a colaborar. A Rand (apócope de «research and developemnt») que foi chamada pelos soviéticos «academia de destruição e de morte», nasceu de um conselho científico presidido pelo Prof. Von Karman, que devia examinar, em 1944, a situação do Exército do Ar dos Estados Unidos, e institucionalizou-se em 1948 por um contrato entre a força Aérea e a companhia Douglas que lhe garantiam os meios suficientes para o seu trabalho em vista à defesa nacional, levando em consideração que os sábios especialistas podiam eleger as «opções mais favoráveis».
«Esta frase das «opções mais favoráveis» -- ainda segundo Haro Teglen -- encerra grande parte da doutrina futurível da Rand Corporation e de Herman Khan. Trata-se, como disse Olaf Helmer, director da divisão de matemática da Rand -- de «escolher entre os diferentes futuros imagináveis».
Além do Exército do Ar (que deu 10 milhões de dólares iniciais e que ocupa 70% do trabalho da Rand) são ainda clientes desta firma a Comissão de Energia Atómica, a NASA e o Secretariado da Defesa.
O Hudson Institute, fundado e dirigido por Herman Khan, é um prolongamento da Rand, especializado no estudo dos grandes problemas da paz e da guerra. Já o ensaio sobre «A Escalada» fora uma encomenda da Martin Company: encomenda foi também o estudo que viria a dar o livro «O Ano 2000».
Elaborado sob o patrocínio da Academia Americana de Artes e Ciências e da Fundação Corning, o tema de «O Ano 2000» era simples mas provocante: «Os Trinta e três próximos anos do Mundo». Khan e seus colaboradores encontraram aí uma maravilhosa fonte de inspiração. Em geral, chegam a conclusões optimistas: não haverá guerra, a sociedade de consumo e de massas dará lugar a uma «sociedade de prazer», embora mil milhões de homens ainda tenham de permanecer no subdesenvolvimento e na miséria.
Enquanto em «A Escalada» se fazia a descrição possível de um mundo de destruição e horror, aqui, neste livro quase cor de rosa, considera-se a eventualidade de um mundo relativamente feliz, onde a tecnologia fará possível o ócio e inclusive dirigirá esse ócio de uma maneira construtiva para o indivíduo.
As armas nucleares serão cada vez mais numerosas e não chegará nunca a impedir-se a disseminação. Entre 1970 e 1979, o Japão em primeiro lugar e depois a Alemanha Federal, a Itália, a Suécia, a Suíça, a Argentina e a Índia serão capazes de fazer explodir a bomba. Entre 1980 e 1989, chegará a vez do Brasil, México e Israel. Entre 1990 e 1999, todo o mundo poderá ter a bomba.
No terreno económico, eis o que se adivinha: no ano 2000, o mundo contará com mais 6 milhões de habitantes, dos quais 10% (seiscentos milhões) viverão em sociedade pós-industrial: EUA, Japão, Canadá, Escandinávia, Suiça, França, Alemanha Federal, Benelux. Nestas sociedades, a renda de cada habitante será cinquenta vezes mais elevada que a dos mil milhões de homens que viverão ainda em sociedades pré-industriais, especialmente na Ásia e na África.
Em suma: segundo o título de um dos seus seis livros, Herman Khan intenta «conceber o inconcebível», imaginar uma das alternativas do mundo futuro. Especialista em problemas de defesa, pode ele dar-se conta de que a previsão é, mais do que útil, indispensável. «Prever para precaver» diz um rifão bem português, que devíamos utilizar mais vezes na nossa vida quotidiana e nacional.
«A princípio -- declara Khan -- pensamos que as previsões a curto prazo são matéria para amenas conversas depois da sobremesa. Mas de repente damo-nos conta de que são de utilidade directa. «Sem previsões, uma sociedade, ou não se desenvolve, ou desenvolve-se às cegas, de forma anárquica, incoerente.
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