BOOK'S CAT

*** MAGIC LIBRARY - THE BOOKS OF MY LIFE - THE LIFE OF MY BOOKS *** BIBLIOTECA DO GATO - OS LIVROS DA MINHA VIDA - A VIDA DOS MEUS LIVROS

Wednesday, February 15, 2006

R. GARAUDY 92

1448 caracteres - garaudy-leituras- notícias 

A LÓGICA (DESSE MODELO)É DE GUERRA

15/2/1992 - É particularmente elucidativa esta entrevista (1) de Roger Garaudy sobre as sobreviventes reminiscências retrógradas que um discurso (aparentemente) progressista pode conter.
Ele preconiza, por exemplo, a transferência de verbas militares para a «modificação do clima» e a «fusão dos gelos polares», démarches  que estavam então em voga na propaganda da tecnologia .
Ele - Garaudy - desculpa os cientistas de trabalhar em invenções que depois são «aproveitadas» pelos militares: é comum, em pensadores (ditos) progressistas, esta responsabilização dos militares  para inocentar os cientistas, o recato do laboratório, a bata branca, quando a questão é outra, já era outra quando Roger Garaudy escreveu isso: a lógica da ciência subordinada à lógica de guerra que é a economia do desperdício, o modelo de crescimento e desenvolvimento, aliás, criticado por Garaudy em outras páginas suas.
Mesmo quando fala em paz, a lógica desse modelo é de guerra. Claudicando de novo, Garaudy considera isento o Sakharov, esquecendo que foi ele o responsável da força nuclear soviética. Sakharov, aliás, foi incensado por muito boa gente. Humanamente talvez e em nome dos direitos humanos, mas é bom não esquecer que, enquanto cientista, lhe cabe 100% das culpas, e não só aos militares que lhe aproveitaram o génio investigador. Chega de perdoar aos  autores do Holocausto, a pretexto de que há outros ainda piores do que eles.
----
(1) Roger Garaudy, A Primavera de Garaudy, entrevista por Claude Glayman , Editorial Inova, Porto, 1970
***

A. DA SILVA 90

90-02-15-dl> diário de um leitor – inédito de 1990

AGOSTINHO DA SILVA E A EUROCRACIA

15/2/1990- A unanimidade nacional que, de maneira fulminante, se estabeleceu à volta do Prof. Agostinho da Silva, do seu magistério cívico, da sua autoridade moral e da sua irradiante simpatia humana, exigia que ele divulgasse, quanto antes, o que pensa da invasão tecnoeurocrática e respectiva destruição dos nossos melhores valores culturais e históricos.
Sendo ele um dos mais entusiásticos porta-vozes desses valores e um dos que, baseado nisso, preconizam o futuro glorioso da gesta portuguesa no Mundo, (a "portuguesia", como costuma dizer o Francisco Palma Dias) , era necessário saber o que pensa do imperialismo europeu e como concilia ele essa "ocupação por dentro" da nossa pátria pela CEE.
Será a submissão aos fundos estruturais e a subserviência de alma que implica, compatível com a exaltação dos nosso mais genuínos valores nacionais, de que Agostinho se fez um dos principais profetas?
A resposta acaba de chegar numa das cartas policopiadas que é costume o prof. Agostinho da Silva enviar aos amigos. Diz-nos ele, nessa carta, de forma lapidar, o que mais desejávamos ouvir: uma crítica serena à Eurocracia do nosso (des)contentamento e aos eurocratas cá de dentro que nos vão arrastando para o abismo da vergonha. Ouçam a voz da sabedoria em Agostinho da Silva:

« Pouco entendo de política internacional, arrisco-me, no entanto, a pensar que os países ricos do Norte – não digo só Europa, porque há os estados Unidos, Canadá e Japão – vão solidarizar-se para aguentar e alargar seu domínio, abandonando à sorte que haja ou tenham os países pobres do Sul. O que façam, deles será, que lhes dê bom ou mau resultado: por mim, acho que haverá efeitos péssimos para eles próprios, com descalabro interno e invasão geral pelos que tanto desprezam, embora digam o contrário. Exactamente como sucedeu com os Romanos apodrecidos pelos maus costumes perante os povos de além Danúbio, de além-Reno, até de além- Mediterrâneo. De tudo veio a Europa, principalmente pelo esforço criador dos monges, vamos pôr, por eles todos, de São Bento. É sobre alguma coisa como novos monásticos (e até é bom que sejam monástico-militares, significando monástico “de amor” e “militar” de serviço , repitamos São Bernardo ) que se edificará o mundo futuro, e espero que nos mais prontos e adequados a tal tarefa estejam os sete países de Língua Portuguesa. Convém, pois, que Portugal se vá já preparando para , nada reclamando para si da Europa que haja, embora aceitando com agradecimento o que lhe derem, como faço eu com Brasil e Portugal, defender quanto possa em sua CEE, se ela sobreviver, os companheiros de Língua e os ajude com o que lhe sobrar, se sobrar, com emigração e com toda sua experiência de vida. É a partir deste núcleo, com o que se lhe agregue, que a ecúmena se renovará na face do Atlântico e do Índico e na do Pacífico e satisfará apetências que vão além do automóvel, da discoteca e do dinheiro. Ao que tudo ameaçam as drogas, e uma das mais perigosas é a do consumismo, o jogo e as fáceis armas que tanto lucro dão a tão poucos; e tão loucos.
Fevereiro 90
***

R. GARAUDY 92

2565 caracteres - garaudy-1-ls= leituras selectas- 

PARA A PERESTROIKA DO CAPITALISMO

15/2/1992 - Vamos perdoar às futurologias ingénuas que queriam um crescimento acelerado de tal forma absurdo que nem sequer os mais megalómanos dos governos o puseram em prática?
O sonho de construir duas centrais nucleares por dia, por exemplo -- citado neste texto de Garaudy (1)- foi insistentemente defendido ao longo de duas décadas como necessário para manter o ritmo de crescimento que se supunha necessário à total felicidade dos povos...
O que eu acho urgente, hoje, não é só que se pintem as vantagens da perestroika na URSS e se cantem as derrocadas do comunismo. O que é urgente, hoje, é considerar todos os que, pela acção e pela prática, na URSS, nos EUA, na França, na Alemanha, no Japão, meteram, a pretexto de desenvolvimento e com promessas de infinito progresso, a humanidade neste beco que se chama «modelo de desenvolvimento económico».

Porque não foi o comunismo que ruiu ou que levou a URSS à derrocada: mas o modelo de desenvolvimento ou de crescimento , preconizado quer a Leste quer a Oeste.
Deu raia primeiro no Leste porque o capitalismo tem mecanismos de embuste e defesa que lhe permitem mascarar a crise das crises por mais tempo. Inclusive, adiá-la com guerras (a do Golfo foi a última em data, mas não será a derradeira). Mas também no Ocidente acabará por dar raia.
A questão ecológica de fundo sempre foi essa e só essa. São as baleias simpáticas e as campanhas dos Green Peace, são os biodegradáveis e os não biodegradáveis, são as hormonas na carne, é a Iatrogénese, e a Biocracia. A questão ecológica de fundo são todas essas questões ecológicas particulares mas é fundamentalmente a questão de todas as questões: o modelo de desenvolvimento que continua a imperar sem alternativa. E que conduzirá o Ocidente militarizado, industrializado, nuclearizado, ao Pantanal em que está a ex-URSS. E não falha.
-----
(1) Roger Garaudy, «O Projecto Esperança», pgs 9-11, Publicações Dom Quixote, Lisboa
***

IRENE LISBOA 57

57-02-15-ls- irene-1 revisão em 4-2-2002

POÉTICA E DIALÉCTICA (*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no quinzenário de Moura «A Planície», 15-2-1957

(*) Hipóteses sobre a obra de Irene Lisboa: «Uma Mão Cheia de Nada, Outra de Coisa Nenhuma»

por Afonso Cautela
-
«Nunca a arte mais perfeita produziu obra de tanta simplicidade» - Wagner


Natal de 1955 - Creio que não existe literatura sem raiz lírica; não é literatura a novelística documental, planfletária, folhetinesca, fotográfica, realista e naturalista. Na literatura vamos procurar a superação, a primitiva inocência que corresponde ao real verdadeiro, a transcendência que nos inclui no seio do mistério, a simplicidade, ou para dizer tudo, a poesia.
Perante uma literatura de puro imaginativo, de purificação dos dados sensoriais por uma simpatizante comunhão com o universo, já não podemos aplicar-lhe a nominação de Belo, mas a de Sublime. Nem crítica de costumes, nem análise psicológica, nem efabulação e trama de personagens individuados, nem teses de combate. É o Reino Poético não por oposição mas por superação ao Dialéctico.
Quando se fala de arte pura, de arte pela arte, é esta que vemos e não outra; a arte actual, embora a medo, tende para o espírito da música. Não queremos com isto repor aquela ingenuidade do Afonso Lopes Vieira que dizia ser a poesia mais para ouvir do que para ler; não é da analogia auditiva que falamos, mas da essência comum à grande música de sempre e à literatura cujo advento esperamos: o mergulho no Cosmos por obra de Amor.
Goza a música da prerrogativa de ter sido a primeira arte a dispensar o teor descritivo. Expressão pura em vez de significação comprometida. Forma em vez de representação. Sabe-se que é essa, a expressão pura, a tendência de toda a arte moderna. Abandonada a obsessão do «parecido» em pintura, do «entendível» em poesia, do «realista» em novelística e dramaturgia, do «folhetinesco» em cinema, falta a síntese de todos esses caminhos; ela não tardaria a surgir.
E surgiu. É o livro de Irene Lisboa uma ilha no meio do oceano. Os comentários que ouvimos e lemos, denunciam uma santa ignorância da sua génese. Falco deita a primeira rede ao oceano que os monstros da novelística não deixam visitar por fadas. Falco tem poucos e dis-persos aliados: a poesia popular anónima e as composições infantis de crianças (porque há composições de crianças, a maioria, que não são infantis, por indús-tria e (educação) dos adultos civilizados, que percebem tudo de tudo mas não percebem nada de nada). Por isso Falco crisma, com medo dos críticos, de historietas as suas sagas sublimes, além de que o titulo já a resguardava bastante: Uma Mão Cheia de Nada...Por isso houve quem dissesse: «Mas o livro não ensina nada...», «Mas o livro não diz coisa nenhuma...» Pois não, não cita coisa nenhuma. E porque havia de dizer?
Não foi por acaso que José Régio descobriu Falco, José Régio profetizou assim o aparecimento deste livro:
«Enchestes os vossos livros de letras; as letras mataram o Espírito! Viveis soterrados em fórmulas. Negastes a Deus, para vos adorardes a vós próprios. Mas o vosso trono é da madeira podre, e a vossa divindade não dura mais que um dia! Morrei par uma vez, mortos! e ressuscitai! O Livro que vos trago está em branco, porque só pode ser cheio em Espírito e Verdade. Nada mais vos tenho a dizer por hoje».
(A Salvação do Mundo, páginas 301/302).
Falco realizou a profecia: o livro está em branco. Eis o Evangelho. Que muitos mais surjam e que da literatura se possa dizer que transcendeu a nossa terrenal e abúlica condição; que seja super-vivência e não existência (onde se metem os existencialistas?); que seja profecia e não fotografia, comunhão e não desagre-gamento, Amor e não Ódio.
De toda a novelística naturalizante, radicada num pensamento realista que vem do pai Aristóteles, se poderia dizer o que Wagner dizia da música espectacular, da ópera, que ele aliás cultivou largamente:
«Só a pode fazer nascer (à meditação) a música onde a vista perde o domínio, os olhos cessam de ver os objectos com a intensidade habitual; muito pelo contrário, sendo nós impressionados superficialmente pela música, mais agitados que penetrados por ela, procuramos imperiosamente ver, mas de modo algum pensar» (Do livro Beethoven, página 76 da tradução portuguesa).
A ópera é para a música o que a novelística bem-pensante (Huxley), crítica (Lewis ou Sartre), socializante, apologética (mística ou sofistica), é para a Poesia, para o Espírito da Literatura. E é o livro do Espírito que nós andamos a descobrir.
A contemporaneidade e afinidade de ideias de Wagner e Nietzsche (dissidente daquele a partir da altura em que aquele abjurou Diónisos e se converteu a Apolo...) explica a coincidência de muitos pontos deste seu livrinho, em boa hora vertido para português, e a não menos fundamental «A Origem da Tragédia», inesgotável programa duma estética idealista, onde a Poesia é descoberta embora os nossos estetas ainda a não tenham... descoberto.
Para Wagner a música é «a anunciação da essência das coisas» (pagina 42).
Abatem-se os dualismos ontológicos e lógicos, para existir a pura recriação das essências. Só para quem vê o Cosmos dividido em dois, o material e o imaterial, o físico e o psíquico, o do sujeito e o do objecto, só para quem se obstina em conceber tudo à imagem e semelhança dos dados do senso-comum, não entende a excepção duma arte assim comunicativa e comunicante, razão e essência de tudo.
Falco, mais perfeita que os melhores dos poetas líricos, que bem vistos não passam de uns lamuriosos choradores de mágoas sentimentais, distancia-se do lirismo vigente porque não desdobra o eu do não-eu, de modo a hiperexaltar aquele. Assim substitui por comunhão o que era conflito no mais realismo, incapaz de visionar a Unidade dentro da Multiplicidade, a Transcendência na Imanência, o Espírito na Letra.
São quase todas as historietas narradas em eu, sem que o eu lembre alguma vez a pessoa existente da autora. O eu que fala pela sua voz é o eu das crianças, das aves, da agulha, do sol, da flor da murta... Daí a inserção quase contínua no absurdo; a narrativa decorre em terra de ninguém, a terra que por hoje ainda é só das crianças que o são, dos músicos geniais, de alguns poetas e desta narradora sublime:
Não está aí o mundo partido em dois, dia-partido, é um só, poético, puro, essente. É ele que fala nessa primeira pessoa do singular, a matriz que tanto deu as gerações de pássaros e flores, como as linhagens de trovadores e poetas desde que o mundo é mundo. Falco - intermediário do outro-mundo, entre o Sonho e a Razão, a Inocência e a Aparência, cheia esta de intercepções, de ilustrativos, inclusivamente os que desadornam o livro e que mais o prejudicam do que enriquecem, na opinião dos espíritos mais musicais (ou poéticos) do que plásticos (ou dialécticos).
Não é um mundo fechado o que assim reconquistou o Paraíso, porque é um mundo de Amor. De exclusão e inimizade é o do que pelas aparências e acidências, pela pormenorização esterilizante, (esse monumento «realístico» que são «As Vinhas da Ira!») pelo romanesco com desculpa de estar com atenção ao social orgânico, ao verídico, desintegra tudo num mar de ácido sulfúrico.
O mundo, não é a três dimensões, caríssimos dialécticos (históricos ou a-históricos) nem se reduz ao gástrico, aos mecanismos de produção e às ambiguidades do capital; nem ao existencial, corroente e desesperador, de melenas na testa.
Se a acção padagógica fosse o que já devia ser (e nós lutamos para que o seja), se em lugar de os homens se digladiarem num jogo de interesses, estudassem pedagogia, um livro como o de Falco podia fazer à humanidade melhor bem do que mil programas de regulamento económico.
«A Salvação do Mundo» não será, como se infere da obra de José Régio, obra política, isto é, dialéctica; será obra de pedagogia, isto é, poética.
Nada fareis, senhores inteligentes, sem esta lição de amor que a humanidade, depois de milhares de anos terem rolado sobre Sócrates e Cristo, começa a soletrar na boca de mestres que o Mestre renovam, jograis de Deus que são, no Espírito e nunca na Letra dos Evangelhos.
Natal de 1955
- - - -
Este texto de Afonso Cautela foi publicado no quinzenário «A Planície», de Moura, suplemento «Ângulo das Artes e das Letras», 15/2/1957
***